Activistas já montaram as tendas nas escolas porque “o Governo não ouve”

Começou o movimento de ocupação. Alunos nas escolas lembraram a urgência da luta pelo clima e tentaram fazer crescer os grupos de protesto. Não querem desmobilizar, nem de dia, nem de noite.

#GBV-GuillermoVidal-Sete de Novembro-Greve Climática Estudantil Lisboa - Ocupa
Fotogaleria
Greve Climática Estudantil em Lisboa - Ocupações,Greve Climática Estudantil em Lisboa - Ocupações Guillermo Vidal
#GBV-GuillermoVidal-Sete de Novembro-Greve Climática Estudantil Lisboa - Ocupa
Fotogaleria
Greve Climática Estudantil em Lisboa - Ocupações Guillermo Vidal

Enquanto António Guterres, antigo aluno do Liceu Camões, alertava o mundo sobre o “inferno climático” no palco da 27.ª Cimeira do Clima, que decorre no Egipto, alunos da sua antiga escola secundária em Lisboa mantinham viva a tradição reivindicativa do Camões. Os lives no Instagram começaram cedo, mostrando dezenas de estudantes concentrados no pátio, a postos para as aulas das 8h15. Mas não estavam ali para entrar nas salas - a ordem do dia era ocupar.

Às 9h, conseguiram fazer soar os alarmes de incêndio da escola e gritaram aos colegas: “A nossa casa está a arder”, ecoando as palavras de Greta Thunberg. Juntando cada vez mais colegas que saíam das salas, marcharam pela escola e concentraram-se no pátio - tudo transmitido pelo Instagram, entusiasmando as ocupações noutros lugares da cidade. Numa espécie de assembleia geral, leram o manifesto da escola, o consenso de acção (acordado pelos organizadores das seis ocupações na cidade) e a política de espaço seguro, garantindo que todos os alunos estavam cientes de que “nenhum tipo de opressão é permitido nesta ‘ocupa'”.

Ao final da manhã, com alguns dos alunos ausentes para almoçar, o pátio ainda concentrava cerca de meia centena de estudantes, alguns à conversa, outros sentados a cantar, um grupo ligeiramente afastado a pintar faixas no espaço de “artivismo”. Para Matilde Ventura, 18 anos, que também se tornou activista pelo clima desde as primeiras greves estudantis, a manhã “foi incrível, pareceu 2019 outra vez”. Nota que há pessoas que se mantiveram no movimento, outras foram fazendo outras coisas - “é verdade que as ‘manifs’ foram tendo cada vez menos gente”. Mas já não é possível olhar para o lado: “Em Portugal, este verão foi uma brutalidade de caos climático”, exemplifica.

Foto
Guillermo Vidal

À tarde, vai apresentar uma palestra sobre justiça climática. Espera que os alunos da escola, que acredita estarem sensibilizados para estas questões, se organizem no sentido “de querer fazer alguma coisa com as próprias mãos”. “Não podemos depender dos nossos governantes, ou de que as empresas um dia acordem e tomem consciência”, defende. E esta não pode ser uma luta apenas dos estudantes: “Queremos que toda a sociedade civil tome acção ao nosso lado. Não pode ser uma coisa separada, tem de ser toda a gente.”

Na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, o dia de ocupação demorou um pouco mais a arrancar. Às 9h, jornalistas concentravam-se à porta da faculdade, mas nem sinal dos alunos. Ao fundo, lá surgiu o grupo, cerca de 15 estudantes carregando estandartes, mochilas e sacos-cama.

Foto
Guillermo Vidal

Poucos minutos bastaram para montar a faixa de protesto - “Fim ao Fóssil: Ocupa FCSH” -, primeiro à entrada da faculdade, depois no interior da torre B. Cerca das 10h, depois de montadas algumas tendas no átrio, é declarada a ocupação: “A partir deste momento, ocupamos a nossa faculdade pelo fim ao fóssil. Estudante da FCSH, junta-te a nós pelo futuro!”

Toc-toc-toc. “Temos um aviso muito importante a fazer. Podemos?” A maioria dos professores acede ao pedido dos três estudantes que interrompem as aulas para anunciar a ocupação. Os colegas lêem com interesse os panfletos, mas a adesão parece amena, apesar do apelo: “Juntem-se à luta, porque a luta também é vossa.” Nem o encorajamento de um dos professores, que garante que não marcará falta, anima uma das turmas a juntar-se aos “ocupas”. O povo é sereno...

Com uma ocupação assertiva mas um pouco morna, terão sido exagerados os receios da direcção da FCSH, que não permitiu que jornalistas fizessem entrevistas dentro da faculdade nem gravassem as actividades organizadas pelos “ocupas”. “Havendo a possibilidade de uma ocupação das instalações, e no caso de vir a ocorrer alguma interrupção do normal funcionamento das aulas, aconselhamos a que mantenham a calma e não reajam a eventuais acções que possam levar a qualquer tipo de confrontação”, alertava um e-mail enviado na noite anterior pelo director Luís Baptista aos professores, a que o PÚBLICO teve acesso.

Foto
Greve Climática Estudantil em Lisboa - Ocupações GuillermoVidal

“Porquê prepararmo-nos para um futuro que não existe?”

Na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, houve mais receptividade por parte da direcção, que cedeu um espaço para as actividades do dia e mesmo um espaço para os estudantes dormirem durante a ocupação à noite. Os activistas “residentes” andaram à volta de dez, mas a afluência de pessoas ao longo do dia foi “grande”, conta o estudante Diogo Monteiro, um dos organizadores.

“Cada ‘ocupa’ tem os seus próprios moldes, adapta-se às reivindicações”, explica o aluno. Aqui, o plano de acção passava por pôr em prática a “Faculdade de Ciências Climáticas de Lisboa”, contando com a participação de professores da própria FCUL para “leccionarem” aulas sobre tópicos relacionados com alterações climáticas e energias renováveis. Além dos dois pontos-chave do consenso de acção das seis ocupações - o fim dos combustíveis fósseis até 2030 e a demissão do ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva -, o caderno de encargos dos “ocupas” da FCUL incluía pontos como ampliar a oferta da cantina social ou acabar com o que acreditam ser “cadeiras fósseis”, ou seja, aquelas que promovem as indústrias que continuam a levar o planeta a níveis de aquecimento trágicos, por exemplo, “relacionadas com petroquímica”.

Para Diogo, não se trata de proibir certas áreas do conhecimento. “Acreditamos que todo o tipo de conhecimento é válido, mas é também uma arma, pode ser usado para o bem ou para o mal”, salienta, acrescentando que é preciso contextualizar o ensino destas áreas e sublinhando “o porquê de estarem a prejudicar as pessoas e o ambiente”. “Não podemos permitir que uma faculdade como a FCUL continue a educar os seus estudantes com os mesmos princípios que nos trouxeram até cá”, reivindica.

Se para os estudantes do ensino superior o boicote às aulas e a ocupação de faculdades pode ter efeitos mais atenuados, a verdade é que para os estudantes do secundário as faltas injustificadas podem ser prejudiciais. Mas sente-se um crescendo no sentimento de urgência destes jovens: “Vou faltar às aulas por isto, é uma causa maior”, diz, sem sombra de dúvidas, a estudante Clara Pestana, uma das porta-vozes do grupo no Liceu Camões.

“Porquê prepararmo-nos para um futuro que não existe? Irmos às aulas para nos prepararmos para um futuro hipotético em vez de criarmos um espaço que nos permita criar o nosso futuro?”, questiona-se a aluna do 12.º ano, que participa no movimento desde as primeiras greves pelo clima em Portugal mas acha que “não bastou”. “Temos de escalar a nossa acção porque as emissões estão a aumentar e o Governo não nos ouve”, alerta, acrescentando que as ocupações das escolas e faculdades são “um alerta para a sociedade acordar e trazer isso para o centro do debate”.

Foto
Guillermo Vidal

A estudante conta que os professores têm lidado com este tipo de acções de forma diferente, alguns menos receptivos, mas outros “até assinaram a carta aberta dos professores a dizer que defendem esta iniciativa”. “As auxiliares estão superconfusas”, ri-se. A direcção da escola tenta manter o equilíbrio: “Da nossa parte, temos de garantir duas situações, tanto o direito dos alunos a manifestarem-se sobre um tema sobre o qual estamos todos de acordo, mas também dos outros alunos e professores que queiram continuar a actividade lectiva”, responde o director, João Jaime Pires.

Será possível permitir que os alunos pernoitem na escola ocupada, como propõem os alunos? “Podem obrigar alguém da direcção a dormir cá… Vamos ver o que é que o ministério também pensa”, comenta o director, receptivo. “Vamos tentar conversar com eles, ver qual é a motivação e vermos o que podemos fazer para que isto corra tudo bem.”

Apesar das dificuldades burocráticas que possa levantar, o director reconhece a importância da causa dos seus alunos. “Como se fossem só os jovens os únicos preocupados com o planeta… Espero que este movimento possa despertar outra vez algumas consciências.”