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Não se pode discutir apenas o clima sem falar dos presos políticos no Egipto

Organizações de defesa dos direitos humanos apelam a que líderes políticos e organizações ambientalistas exponham na COP27 repressão do regime egípcio.

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Mona Seif e Sanaa Seif, irmãs do blogger egípcio preso Alaa Abd El-Fattah (nas pontas) com os activistas climáticos Greta Thunberg e Andreas Magnusson, em Londres Hollie Adams/Getty Images

Ao realizar-se no Egipto, na cidade costeira de Sharm el-Sheikh, que é um grande resort turístico, a Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP27) está a ser designada como “a cimeira de África”, onde os problemas dos países em desenvolvimento com as alterações climáticas vão ganhar destaque. Mas é também uma oportunidade de fazer greenwashing para o regime do Presidente Abdel Fatah al-Sissi, que se estima ter 60 mil prisioneiros políticos, entre os quais um blogger que se destacou na Primavera Árabe de 2011 e que está na prisão a morrer aos poucos, a fazer greve de fome.

Greenwashing é o termo que se usa quando uma empresa (ou outra entidade) declara que tem um compromisso ambiental e faz publicidade desse compromisso mas ele não existe, de facto, ou é parcial. É disso que está a ser acusado o Governo egípcio, ao organizar a COP27 em Sharm el-Sheikh, numa estância turística à beira do mar Vermelho, de difícil acesso por terra e onde haverá intensas condições de vigilância. Bem como medidas que afastam uma grande maioria de activistas e até jornalistas, como a imposição de uma taxa obrigatória de centenas de dólares sobre o preço praticado pelos hotéis de Sharm el-Sheikh, que os encarecem enormemente.

Acompanhe a COP27 no Azul

A Cimeira do Clima das Nações Unidas é o ponto mais alto da diplomacia em torno das alterações climáticas, onde os países discutem como travar as emissões de gases com efeito de estufa que causam o aquecimento global. Este ano é no Egipto, de 6 a 18 de Novembro. Acompanhe aqui a Cimeira do Clima. 

“Será um erro fundamental se os diplomatas forem para a COP27 a pensar que têm de ir com calma relativamente aos direitos humanos para poderem fazer progressos nas conversações sobre o clima. Direitos humanos versus acção climática é um falso debate, não é uma coisa ou outra. Precisamos de ter pessoas nas ruas, ambientalistas independentes e activistas dos direitos humanos e tribunais independentes para gerar mudanças”, disse ao jornal britânico The Guardian Richard Pearshouse, director da organização Human Rights Watch para o Ambiente.

O caso do activista Alaa Abd el-Fattah, de 40 anos e dupla nacionalidade egípcia-britânica, é o que mobiliza mais apelos. Destacou-se no movimento de 2011 que levou ao afastamento do ex-Presidente Hosni Mubarak, mas tem passado grande parte dos anos desde 2014 na prisão, a cumprir penas por coisas como espalhar notícias falsas, mau uso das redes sociais e juntar-se a um grupo terrorista – como passou a ser designada a Irmandade Muçulmana. Está há meses a fazer greve de fome, consumindo cerca de 100 calorias por dia, mas vai iniciar uma greve de fome total a partir de 6 de Novembro, quando se inicia a COP, que tem data prevista para terminar a 18 de Novembro.

Quinze escritores que receberam o Prémio Nobel da Literatura e a organização Memorial, co-galardoada com o da Paz este ano, entre os quais o turco Orhan Pamuk, a norte-americana Louise Gluck, o tanzaniano Abdulrazak Gurnah e o britânico Kazuo Ishiguro, apelaram aos líderes mundiais que pressionem o país que recebe a COP27 a libertar os “milhares” de prisioneiros políticos, “usando todas as oportunidades para trazer para a sala as vozes dos que estão presos injustamente” durante a cimeira. Escreveram uma carta enviada às Nações Unidas, ao Conselho Europeu e aos chefes de Estado de França, Reino Unido Estados Unidos, entre outros, diz a Al Jazeera.

Alguns defensores dos direitos humanos apontam a relutância da Greenpeace em criticar as violações de direitos humanos do Governo egípcio. “Estamos muito preocupados com a situação difícil dos direitos humanos no Egipto e acreditamos que não se pode ter justiça climática sem justiça social. Mas o nosso trabalho no Egipto acarreta um risco significativo para a segurança do nosso pessoal, que continuará a trabalhar lá depois de a COP27 terminar”, disse um porta-voz da organização ambientalista ao Guardian.

Este equilíbrio parece ser difícil de encontrar para outras organizações, como a Oxfam ou o World Wildlife Fund (WWF), que por exemplo não assinaram a petição de uma coligação pelos direitos humanos promovida por várias organizações egípcias, que tem entre os signatários a Amnistia Internacional, Amigos da Terra, a Rede de Acção Climática (que tem 1500 organizações da sociedade civil), a 350.org e mais de 600 pessoas em nome individual, como Greta Thunberg.

Sem protestos

Toda a COP27 será afectada por esta tensão. Os grupos de defesa dos direitos humanos pedem aos ambientalistas que não secundarizem os problemas de direitos humanos no Egipto, onde as manifestações são proibidas pelo regime do Presidente Abdel Fatah al-Sissi e não estarão presentes no recinto da COP27, como normalmente acontece. Foram já detidas sete dezenas de pessoas por estarem a tentar organizar protestos junto da COP27.

Um activista indiano que queria fazer o percurso a pé entre o Cairo e Sharm el-Sheikh foi detido pela polícia por não ter autorização para o fazer. Conseguiu ligar para um amigo egípcio, advogado, que foi tentar ajudá-lo mas que acabou também detido – alegadamente por não ter prestado informações sobre a intenção do amigo. Foram libertados após 27 horas, mas é uma história que ilustra o nível de controlo e de aversão a qualquer coisa que possa parecer-se com um protesto no Egipto.

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A COP27 realiza-se em Sharm El Sheikh, uma cidade à beira do Mar Vermelho, que é um grande centro turístico e estará hipercontrolada pelas autoridades egípcias Chris McGrath/Getty Images

O general Khaled Fouda, governador do Sul do Sinai, disse num canal de televisão local que os visitantes que cheguem por terra serão revistados de forma aprofundada nos portões por onde se entra nesta cidade murada, relata o Guardian. Disse ainda que 500 táxis brancos foram reservados para transportar os participantes na cimeira – e que estarão equipados com câmaras no interior, ligadas a um “observatório de segurança”, que monitoriza tudo.

Os únicos protestos permitidos na Cimeira do Clima das Nações Unidas no Egipto – para os quais será necessário fazer um registo e pedir autorização – ocorrerão numa área especificamente designada para tal, junto a uma auto-estrada e distante da COP27. O governador Fouda, citado ainda pelo Guardian, disse que esta área foi construída em resposta à preocupação de diplomatas ocidentais de que as manifestações fossem proibidas na COP27, porque são proibidas no Egipto há uma década.

Mas, se as manifestações vão ser quase impossíveis no Egipto, vão realizar-se noutros pontos do mundo, em especial no dia 12, que foi designado como o dia de acção global. Em Portugal, é promovida uma marcha contra o fracasso climático, organizada por várias organizações ambientalistas. Terá como ponto de encontro o Campo Pequeno, em Lisboa, a partir das 14h. Há um site para consultar: salvaroclima.pt

Governantes nos dias 7 e 8

Os chefes de Estado e de governo são esperados na COP27 no segundo e terceiro dias, 7 e 8 de Novembro. É nessa altura que o primeiro-ministro português, António Costa. O ministro do Ambiente e da Acção Climática estará também em Sharm el-Sheikh.

É então também que é esperado Rishi Sunak, o novo primeiro-ministro conservador britânico, que inicialmente disse que não iria por querer concentrar-se na apresentação do Orçamento do Estado. Mas o Reino Unido recebeu a COP26, no ano passado, em Glasgow (Escócia), e há uma passagem de testemunho de um país organizador para outro. Por isso, levantou-se um coro de críticas contra a sua ausência, que poderia sinalizar um menor compromisso de Londres para com a luta contra as alterações climáticas – além de o Reino Unido ser um importante financiador de apoios para mitigação (redução das emissões de gases com efeito de estufa) e adaptação às alterações climáticas.

O Presidente-eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, vai participar na COP27, embora não faça parte da delegação governamental brasileira. Irá integrado numa organização de estados da Amazónia. Lula só assumirá o cargo de Presidente da República a 1 de Janeiro de 2023. Entretanto, Jair Bolsonaro não é esperado em Sharm el-Sheikh. Embora não se saiba ainda em que dias estará presente, aguarda-se com grande expectativa que Lula traga sinais de uma mudança radical da política ambiental que foi seguida nestes últimos anos por Bolsonaro.

Depois dos dias da presença dos chefes de Estado e de governo, ficarão as delegações nacionais, a discutir os temas relacionados com a Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, com vista à tomada de várias decisões e uma declaração final.