Nesta cimeira do clima opta-se entre a esperança e o caminho mais negro

Os países mais pobres e vulneráveis procuram obter financiamento para lidar com as consequências das alterações climáticas, na COP27, que começa neste domingo no Egipto. Há escolhas difíceis a fazer.

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Carros param antes de uma zona alagada pelo ciclone Batsirai, em Madagáscar, em Fevereiro de 2022: os fenómenos meteorológicos extremos são cada vez mais frequentes Christophe Van Der Perre/REUTERS

A Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP27), que decorre em Sharm-el-Sheik, no Egipto, entre 6 e 18 de Novembro, acontece num momento em que os caminhos da humanidade se bifurcam: por um lado, as emissões de gases com efeito de estufa já levaram a que a temperatura média do planeta subisse 1,2 graus Celsius em relação ao que era nos tempos pré-industriais e, se se mantiverem as políticas actuais, espera-se um aumento de 2,8 graus até 2100. “Mas continua a ser possível limitar o aquecimento a 1,5 graus, só que a janela de tempo para fazer esta transição está a fechar-se rapidamente”, disse Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero.

Tudo depende das decisões tomadas colectivamente, portanto. A COP27, que reúne os países que assinaram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, ambiciona ser “a cimeira da implementação” — este domingo realiza-se a cerimónia de inauguração, amanhã e terça-feira recebe a cimeira dos líderes mundiais, e a partir de dia 15 começa o segmento final, designado de alto nível.

Acompanhe a COP27 no Azul

A Cimeira do Clima das Nações Unidas é o ponto mais alto da diplomacia em torno das alterações climáticas, onde os países discutem como travar as emissões de gases com efeito de estufa que causam o aquecimento global. Este ano é no Egipto, de 6 a 18 de Novembro. Acompanhe aqui a Cimeira do Clima. 

Ou seja, quer ser o momento em que se passa realmente à acção climática, indo além do “blá-blá”. Mas, segundo o relatório Emissions Gap, do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, divulgado a 27 de Outubro, os países não estão a fazer um esforço suficiente para limitar as emissões de gases com efeito de estufa – a chamada mitigação.

O objectivo é que até 2030 as emissões de dióxido de carbono (CO2) se reduzam a metade, para atingirmos a neutralidade carbónica em 2050. Ou seja, nesse ano, o balanço entre as emissões de CO2 e as remoções da atmosfera (através da floresta, por exemplo) tem de ser nulo.

Em Glasgow, na Cimeira do Clima do ano passado, a COP26, os países comprometeram-se a reforçar os seus compromissos voluntários de redução de emissões de gases com efeito de estufa, para os alinhar com as ambições do Acordo de Paris de 2015, que são de manter o aquecimento global até 1,5 graus acima dos tempos pré-industriais, ou dois graus no máximo. Mas até 23 de Setembro de 2022, entre os 193 países que subscreveram o Acordo de Paris, só 24 os tinham actualizado.

Apenas a Austrália, que mudou de governo, é que aumentou consideravelmente a sua ambição desde a COP26: passou do objectivo de reduzir 26-28% das suas emissões até 2030, para agora querer reduzir 40% das emissões até 2030.

Os Estados Unidos adoptaram um amplo pacote legislativo com incentivos para as energias renováveis e, por exemplo, compra de carros eléctricos. Se posto em prática na totalidade, levaria a uma redução de 40% nas emissões dos EUA – mas isso fica aquém do compromisso do país, que é de fazer um corte de 50% a 52% até 2030, diz uma análise sobre a COP27 da especialista em riscos climáticos e diplomacia Ruth Townend, do think tank Chatham House. Há muito espaço ainda para negociações.

Revisão de metas da UE

“A vasta maioria de países que submeteram uma actualização não respondeu ao apelo do Pacto de Glasgow de reforçar os seus compromissos”, escreveu Ruth Townend.

A União Europeia (UE) tem estado na vanguarda dos objectivos de redução de emissões. Os Vinte e Sete mandataram a Comissão Europeia para defender a “revisitação” dos planos fechados há um ano para a redução das emissões de gases com efeito de estufa, e o “reforço” das contribuições nacionais voluntárias dos países-membros. Mas é preciso chegar a acordo entre os Vinte e Sete para tal, e isso não deve acontecer a tempo da COP27.

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Central a a carvão na Alemanha: a União Europeia quer rever suas metas de redução de emissões de CO2, tornando-as mais ambiciosas Leon Kuegeler/REUTERS

“Uma coisa é estarmos à frente, outra é se estamos suficientemente à frente. A UE tem o objectivo de reduzir as suas emissões em 55% até 2030 e atingir a neutralidade carbónica em 2050, mas isto não chega: precisamos de reduzir 65% em 2030 e chegar a zero em 2040”, comentou Francisco Ferreira.

Portugal, enquanto Estado-membro, alinha com os objectivos europeus. Mas a Zero pergunta ao Governo porque não integramos o recém-criado Grupo de Amigos para uma Diplomacia Climática Ambiciosa da UE, uma coligação que junta 12 países da União Europeia “para aumentar a cooperação, coordenação e implementação de uma acção climática ambiciosa através da política de relações exteriores e segurança da UE”, lê-se num comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão.

“A ausência de Portugal neste Grupo de Amigos ressalta pela negativa e não se coaduna com a retórica aparentemente progressista que tem vindo a pautar o discurso político português”, salienta a Zero, exortando o Governo a considerar a sua integração.

O que vem da COP26

“A COP27 tem uma ligação muito íntima com a COP26, os objectivos decididos em Glasgow serão agora avaliados”, disse Francisco Ferreira, numa conferência sobre a cimeira de Sharm-el-Sheik.

Por exemplo, será avaliado o compromisso assumido por 119 países de reduzir as suas emissões de metano em 30% até 2030, tendo como ponto de referência os valores de 2020. Mas só 15 países apresentaram planos concretos para o fazer, pelo que se espera que mais o façam no Egipto. O metano é um gás com um potencial de efeito de estufa 86 vezes superior ao do dióxido de carbono durante os primeiros 20 anos em que está na atmosfera.

Na COP26, mais de 100 países comprometeram-se a acabar com a desflorestação até 2030, incluindo o Brasil, a Indonésia e a República Democrática do Congo, que contêm mais de 80% das florestas tropicais do planeta. Para alcançar este objectivo, seria preciso reduzir a desflorestação em 10% todos os anos até 2030. Mas no ano passado decresceu apenas 6,3%, segundo números da Plataforma da Declaração das Florestas, que monitoriza este objectivo, citados pela agência Reuters.

No ano passado, a desflorestação na Amazónia (60% fica no Brasil) atingiu o nível mais elevado desde 2006, e dados preliminares oficiais sugerem que subiu mais 23% nos primeiros nove meses de 2022. Na Indonésia, a desflorestação está a desacelerar desde 2016, mas a República Democrática do Congo anunciou planos para abrir a exploração de petróleo e gás em zonas de floresta em turfeiras, que, se destruídas, podem lançar uma enorme quantidade de gases de estufa para a atmosfera.

Desacordo nas “perdas e danos"

Por outro lado, esta cimeira realiza-se em África – a cada ano, realiza-se numa zona geográfica diferente, em 2023 será nos Emirados Árabes Unidos – e por isso espera-se que venham para a mesa das negociações temas que dizem respeito aos países em desenvolvimento, como a justiça climática, sublinha Francisco Ferreira.

Um dos focos da COP27 será a questão das “perdas e danos”, que diz respeito aos efeitos das alterações climáticas que os países mais vulneráveis estão já a sentir: grandes ciclones, inundações gigantescas, como no Paquistão, ou a seca catastrófica na região do Corno de África, com a fome a instalar-se. Os países mais pobres consideram uma questão de justiça criar um fundo ou outras formas de fazer com que os países mais ricos contribuam para financiar a recuperação destas catástrofes. “É como uma espécie de seguro”, exemplifica Francisco Ferreira.

Os países mais ricos – Europa, Estados Unidos – são também aqueles que historicamente são responsáveis pela maior parte das emissões de dióxido de carbono para a atmosfera, que provoca o aquecimento global e causa eventos climáticos extremos. “Mas este tema é politicamente muito complicado”, diz Francisco Ferreira.

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Uma clareira na Amazónia, onde a desflorestação atingiu o nível mais elevado desde 2006, apesar de o Brasil se ter comprometido a acabar com o desmatamento até 2030 Bruno Kelly/REUTERS

“A COP27 será decisiva em termos de estabelecer um Mecanismo de Financiamento para Perdas e Danos que seja robusto, justo e adaptado às necessidades das populações mais afectadas”, avança a Zero, em comunicado. Esta associação ambientalista, que estará presente no Egipto, sugere ainda que o Programa das Nações Unidas para o Ambiente deveria produzir um relatório relativo à lacuna de financiamento para perdas e danos, que seria a base daquele mecanismo.

Nesta cimeira deveria ficar resolvida a forma de funcionar da Rede Santiago sobre Perdas e Danos, acordada em 2019, na Cimeira de Madrid, com o objectivo de ligar países em desenvolvimento a entidades capazes de lhes dar assistência técnica, conhecimentos e recursos. As suas funções foram decididas no ano passado, em Glasgow, na COP26, mas falta defini-la em termos de instituição: como será financiada, quem a supervisiona, qual a sua estrutura, por exemplo.

O financiamento climático deve ser um tema quente, em geral, na COP27, apesar de as condições geopolíticas serem as mais desfavoráveis, com a guerra na Ucrânia e os preços altos da energia, que reanimaram o interesse por combustíveis fósseis, até pelo carvão. Um dos pontos positivos que tinham saído da COP26 era a intenção de os dois maiores emissores de CO2 a China e os EUA colaborarem, mas foi suspenso devido à tensão após a visita da presidente da Câmara de Representantes norte-americana, Nancy Pelosi, a Taiwan.

“As relações geopolíticas em que se vai realizar a COP27 estão num dos piores níveis da história recente”, disse à Reuters Luke Sussams, analista do banco de investimento Jefferies. “O dilema bem antigo do financiamento climático, entre o mundo rico e os países em desenvolvimento, terá um papel fundamental. Quanto a encontrarem-se soluções, não estamos muito optimistas”, concluiu.

“É crucial o cumprimento do compromisso de 100 mil milhões de dólares anuais para apoiar os países em desenvolvimento no combate às alterações climáticas”, explicou Francisco Ferreira. Este valor, prometido em 2009, deveria ser atingido em 2020, e depois foi adiado para 2025. Ainda não se chegou lá.

Uma das iniciativas que vêm ainda da COP26 e que serão avaliadas no Egipto é a Aliança Financeira de Glasgow para a Neutralidade Carbónica (GFANZ, na sigla em inglês). Hoje tem mais de 550 membros, que se comprometeram a atingir a neutralidade carbónica em 2050. No entanto, algumas das empresas financeiras saíram entretanto. Terão ficado assustadas com a possibilidade de terem de responder na justiça sobre os seus compromissos voluntários de redução de emissões. “Ao abrigo das leis antimonopólio, se se juntarem empresas e decidirem todas fazer, ou não, uma coisa, então temos um problema potencial”, disse à Reuters Mark Carney, ex-governador do Banco de Inglaterra e coordenador desta iniciativa.