Muitas vezes disseram a Simon Stiell, o secretário executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, que alguma coisa era impossível. “Mas recordo sempre uma frase de Nelson Mandela: ‘Tudo é sempre impossível até estar feito.’” Foi esse o espírito que quis incutir na inauguração da Cimeira do Clima da ONU (COP27), em Sharm el-Sheikh, no Egipto, neste domingo.
Uma amostra de que o impossível pode acontecer é que, pela primeira vez numa cimeira do Clima, foi incluído na agenda oficial o tema das perdas e danos – a questão de saber se os países mais ricos e historicamente responsáveis pela maior quantidade de gases com efeito de estufa na atmosfera devem compensar os países mais vulneráveis, normalmente os mais pobres, pelos efeitos das alterações climáticas.
“O facto de ter sido aceite como um tema oficial da agenda é um bom sinal, encorajador. Temos de ver agora como vão decorrer as negociações”, disse, numa conferência de imprensa após a cerimónia de inauguração, Simon Tiell. “Foi o culminar de um longo processo de consultas que se intensificou nas últimas 48 horas. Precisamos de um compromisso internacional sobre este assunto. Não podemos abandonar ninguém”, comentou, por sua vez, o presidente da COP27, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Egipto, Sameh Shoukry.
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A Cimeira do Clima das Nações Unidas é o ponto mais alto da diplomacia em torno das alterações climáticas, onde os países discutem como travar as emissões de gases com efeito de estufa que causam o aquecimento global. Este ano é no Egipto, de 6 a 18 de Novembro. Acompanhe aqui a Cimeira do Clima.
Alok Sharma, o presidente da Cimeira do Clima do ano passado, na Escócia (Reino Unido), fez o balanço do ano. “Na COP26, conseguimos manter o objectivo de tentar que a temperatura média do planeta não subisse mais de que 1,5 graus [acima dos valores anteriores à Revolução Industrial], mas não se podia adivinhar o ano que aí vinha”, disse. “A guerra brutal de Vladimir Putin [contra a Ucrânia] fez disparar várias outras crises, que se juntaram às vulnerabilidades por causa do clima”, salientou.
“A escala do desafio que temos à nossa frente é enorme. Esta década é decisiva. Não estamos no caminho para os 1,5 graus, mas manter a inacção é míope, é algo que só pode significar catástrofe climática”, sublinhou. “Veja-se o Paquistão, que ficou um terço debaixo de água, a Nigéria, que sofreu as maiores cheias de sempre”, exemplificou, para exortar as nações a empreenderem acções concretas.
“Não estamos no caminho certo para limitar o aquecimento global a 1,5 graus”, frisou também o cientista sul-coreano Hoesung Lee, secretário do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), que produz regularmente relatórios que juntam o que de mais actual se sabe sobre várias vertentes do clima em mudança. “O que os relatórios do IPCC nos mostram é que temos tecnologias e capacidades para limitar as emissões de gases com efeito de estufa, mas não há financiamento suficiente e outros factores”, sublinhou.
Os chefes de Estado e de governo, que são esperados segunda e terça-feira em Sharm el-Sheikh, “devem explicar o que fizeram no último ano para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa dos seus países e como vão avançar mais”, afirmou. “Como diz o secretário-geral [da ONU, António Guterres], o nosso futuro partilhado não está nos combustíveis fósseis e eu concordo com ele”, disse Alok Sharma, arrancando aplausos da plateia composta pelas delegações nacionais à COP27.
“Neste momento temos uma oportunidade única na nossa geração de salvar o planeta e o nosso modo de vida. A oportunidade que os líderes políticos têm agora deixará de existir em breve. A humanidade e o nosso planeta e as espécies que nele vivem merecem-no. Mas o fluxo financeiro para apoiar a adaptação, em particular dos países em desenvolvimento, continua a ser reduzido”, frisou Hoesung Lee.
Apesar dessa urgência, Simon Stiell sublinhou que até ao início da COP27 só 29 países apresentaram objectivos de redução das suas emissões revistos em alta, como tinha ficado decidido na cimeira do ano passado que deveriam fazer. “Vinte e nove não são 198”, o número de países que assinaram a convenção-quadro, observou. “Não tenho o hábito de voltar atrás na minha palavra e não serei o guardião de desvios de outros”, prometeu este político natural de Granada, um Estado insular das Caraíbas – que faz parte do grupo dos países mais vulneráveis às alterações climáticas.
“É claro que a cimeira deste ano enfrenta desafios e tensões políticas adicionais”, reconheceu Sameh Shoukry. “Mas convido todos a mostrar que temos consciência dos desafios e temos vontade política para os ultrapassar”, afirmou, na sua qualidade de presidente da COP27.
O Egipto quer fazer da COP27 a “cimeira da concretização”. “É preciso demonstrar vontade para compromissos nas negociações para ultrapassar esta ameaça existencial. As pessoas já estão a sofrer os impactos negativos das alterações climáticas, e não podemos deixar que afectem as futuras gerações, os nossos filhos e filhas”, apelou Sameh Shoukry.