“Não lhe perdoo”. Marcelo avisa ministra da Coesão que exige boa execução dos fundos

Presidente da República volta a sublinhar que está “muito atento” à aplicação de fundos europeus e sobe o tom de pressão sobre o Governo.

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O Presidente da República e a ministra da Coesão na inauguração dos Paços de Concelho da Trofa LUSA/FERNANDO VELUDO

O Presidente da República avisou este sábado a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, que estará “muito atento” e não lhe perdoará, caso descubra que a taxa de execução dos fundos europeus não é aquela que pensa que deve ser.

Na Trofa, no dia em que foram inaugurados os Paços do Concelho de um município criado há 24 anos, Marcelo Rebelo de Sousa começou o discurso dirigindo-se a Ana Abrunhosa a quem, declarou, queria dizer “duas coisas”.

“E, como não tenho tido oportunidade de o dizer, digo-lhe hoje. Quando aceitamos funções políticas, sabemos que é para o bem e para o mal. Não somos obrigados a aceitar. Sabemos que são difíceis, são árduas, que estão sujeitas a um controlo e a um escrutínio crescente – a democracia é isso e há dias bons e dias maus, dias felizes e dias infelizes. A proporção é dois dias felizes por dez dias infelizes”, referiu.

E prosseguiu, ainda dirigindo-se à ministra que recentemente se viu confrontada com uma polémica sobre o facto de empresas do seu marido terem recebido fundos comunitários, com um aviso sobre a execução dos fundos europeus.

“Este é um dia superfeliz, mas há dias superinfelizes. E verdadeiramente superinfeliz para si será o dia em que eu descubra que a taxa de execução dos fundos europeus não é aquela que eu acho que deve ser. Nesse caso não lhe perdoo. Espero que esse dia não chegue, mas estarei atento para o caso de chegar”, disse.

Depois, aos jornalistas o chefe de Estado esclareceu as suas palavras: “Estava a pensar no PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], porque o resto sei que vai avançando. Mas o PRR é muito dinheiro que podemos utilizar, e chegar ao seu destino está a demorar”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.

Ao lado, a ministra da Coesão Territorial, que não quis falar aos jornalistas, acenou com a cabeça e declarou: “Está tudo controlado.”

“Há muita coisa que ainda se pode fazer”

Mais tarde, em Leiria, o Presidente da República defendeu a necessidade de “aumentar muito” a taxa de execução dos fundos europeus em 2023, considerando que “há muita coisa que ainda se pode fazer”. À margem do 4.º Encontro Nacional de Cuidadores Informais, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que “ao longo de 2023” não se pode “deixar de aumentar muito a taxa de execução [dos fundos]”.

“De 6600 [milhões de euros] para 800 [milhões de euros] quer dizer que há muita coisa que se pode fazer”, pelo que espera “que se faça em 2023”, disse.

Admitindo que existem alguns obstáculos, o chefe de Estado salientou que as dificuldades passam, “internamente, pela contratação pública”. “Daí ter promulgado uma lei que foi muito discutida, dizendo que não era a ideal. Não era a lei perfeita, mas, se não assinasse aquela lei, ficaria eu o responsável por não avançar com o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]. Aquilo foi apresentado pelo Governo como condição imprescindível para poder desbloquear problemas de contratação, então vamos desbloqueá-los”, admitiu, referindo-se ao novo regime de contratos públicos.

Marcelo Rebelo de Sousa acrescentou que agora “compete ao Tribunal de Contas, ao Parlamento, ao Ministério Público, controlar efectivamente como é que é aplicada essa contratação, ou os problemas de contratação, burocráticos ou administrativos”.

Sobre as declarações proferidas antes na Trofa o Presidente da República explicou que, quando falou dos fundos “estava a falar da senhora ministra, uma forma de dizer o Governo”. “Em relação aos fundos europeus, a questão neste momento é assim: recebemos a possibilidade da Comissão Europeia de [dispormos] de 6600 milhões de euros do total, que é muito mais amplo, e pedimos agora mais de mil milhões para esse efeito. Estão contratualizados os projectos. Está a demorar a ir para o terreno. Está a haver dificuldades de execução, algumas a nível europeu, outras a nível interno e, neste momento, dos 6600 milhões há 800 milhões já no terreno”, precisou o chefe de Estado.

Revisão constitucional? “Não risco nada”

Ainda na Trofa, o Presidente da República voltou a recusar falar sobre a revisão constitucional, processo no qual diz que “não risca nada”, mas reiterou o alerta sobre a necessidade de “ter tudo bem certinho” na emergência sanitária.

“Eu não tive problemas de consciência quanto ao regime do estado de emergência, mas esperemos que não haja mais pandemias. Mas, se houver, é bom ter tudo certinho, porque o estado de emergência foi adaptado para uma emergência, mas não foi pensado para isso”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.

O Presidente da República falava aos jornalistas à margem da cerimónia de inauguração do novo edifício dos Paços do Concelho da Trofa, no distrito do Porto, tendo de imediato avisado, perante alguma insistência, que sobre revisão constitucional não falaria.

“O Presidente da República não “risca nada” em revisões constitucionais. Pode é ter a vida facilitada em algumas matérias”, disse. E, além da emergência sanitária, o chefe de Estado repetiu o exemplo da lei dos metadados. “É o caso dos metadados, para não estar a promulgar diplomas que depois chegam ao tribunal e chocam com a jurisprudência do Tribunal Constitucional”, referiu.

Ladeado pela ministra da Coesão Territorial e pelo presidente do PSD, Luís Montenegro, Marcelo Rebelo de Sousa falou aos jornalistas depois de visitar o novo edifício acompanhado do presidente da Câmara da Trofa, Sérgio Humberto, e depois de discursar perante milhares de pessoas.

Instado pelos jornalistas a comentar o tema da revisão constitucional, Luís Montenegro remeteu declarações para domingo.

No discurso, Marcelo Rebelo de Sousa fez um resumo sobre a sua ligação ao concelho da Trofa. Dirigindo-se a milhares de trofenses presentes numa cerimónia que contou com momentos evocativos e culturais e teve convidados de vários quadrantes políticos, falou da história de criação do concelho da Trofa, por desagregação face a Santo Tirso, ambos no distrito do Porto, que acompanhou enquanto líder da oposição ao Governo e por influência do então líder parlamentar do PSD, Luís Marques Mendes.

Com a inauguração de um novo edifício, o município da Trofa deixa de ser o único a não ter Paços do Concelho. O novo espaço custou 10,4 milhões de euros e situa-se a poucos metros do Parque Nossa Senhora das Dores, no centro do concelho nascido há 24 anos.

Os Paços do Concelho da Trofa foram edificados perto da linha férrea, numa antiga fábrica de moagem. Entre o lançamento da obra e a inauguração passaram-se três anos. Até aqui os serviços da autarquia estavam espalhados por 17 espaços diferentes.

Notícia actualizada às 19h40 com declarações em Leiria