Meloni trouxe muitos sorrisos, mas poucas respostas concretas de Bruxelas

“Viram que somos pessoas de carne e osso e não marcianos”, disse a nova primeira-ministra de Itália depois dos encontros com os líderes das instituições da União Europeia.

Foto
Os sorrisos de Meloni e Von der Leyen no seu primeiro encontro, em Bruxelas STEPHANIE LECOCQ/EPA

Na sua primeira visita ao estrangeiro, Giorgia Meloni foi a Bruxelas dar um rosto ao papão da extrema-direita e atenuar as preocupações com o seu Governo. “Desmontei uma narrativa”, disse a nova primeira-ministra de Itália. “Encontrei pessoas dispostas a ouvir-me”, acrescentou. “Viram que somos pessoas de carne e osso e não marcianos.” Mas para lá do estabelecimento de relações pessoais, Meloni queria palavras concretas sobre as mudanças políticas que quer fazer, em especial sobre energia e na utilização dos fundos europeus. “Neste momento, o quadro geral não pode mudar”, foi a resposta obtida, resume o jornal La Repubblica.

Esta ideia, escreve esta sexta-feira o diário italiano, foi repetida nos três encontros, com a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel. Para além de um entendimento total em relação ao apoio à Ucrânia, tema em que Meloni é clara desde o início (tendo apresentado a sua posição como indiscutível aos seus aliados de coligação, bem mais próximos da Rússia), Meloni levou para casa “muito pouco de concreto”.

“De um ponto de vista pessoal, humano, houve uma troca muito franca e positiva”, afirmou ainda a chefe do Governo mais à direita da Itália do pós-guerra. Von der Leyen confirmou: “Foi uma boa oportunidade para discutir temas críticos, do apoio à Ucrânia, a energia, ao Next Generation EU [programa para aplicar os fundos de recuperação económica aprovados em resposta à crise da covid) e as migrações”, escreveu no Twitter.

A líder do executivo comunitário agradeceu ainda a Meloni o “forte sinal enviado por visitar as instituições europeias” na sua primeira viagem – esse era, em si mesmo, um dos objectivos da primeira-ministra, mostrando a centralidade que reconhece a Bruxelas e dando garantias de que a sua Itália será “um parceiro leal”, como prometeu antes do último encontro, um jantar de trabalho com Michel. “A reunião confirmou que Itália continuará a desempenhar um papel central no processo de decisão da União Europeia”, fez saber também Metsola, através de um funcionário do seu gabinete, citado pelo jornal Le Monde.

Quanto a pedidos concretos, Meloni ouviu dos seus interlocutores que é um dever de todos os Estados-membros resgatar pessoas no Mediterrâneo (com ela a insistir na necessidade de dar “prioridade à defesa das fronteiras externas” da UE), que são de excluir novos fundos no plano de recuperação e que em relação à especulação no mercado da energia a Comissão está ainda a preparar uma proposta aceitável por todos, de Roma a Berlim.

Sobre o Plano Nacional de Recuperação e Resiliência, que Meloni prometeu mudar em campanha, Von der Leyen e Michel sublinharam os riscos de alterações significativas, admitindo que possa haver espaço para mudanças pontuais.

“Se a primeira-ministra italiana esperava poder fazer os líderes europeus mudarem de opinião com um só encontro, talvez tenha de rever os seus planos”, conclui o La Repubblica. Notando que a visita não deixa por isso de ser positiva: “Esta não foi certamente uma estreia marcada por discussões, choques ou frieza”. Neste campo, o jornal sublinha o tom amistoso do tweet de Von der Leyen.

Mas como a defesa intransigente da UE como central para a sua visão de Itália – “A Itália é, totalmente, e de cabeça erguida, parte da Europa e da Aliança Atlântica”, afirmou perante declarações de Silvio Berlusconi sobre a sua relação antiga com Vladimir Putin – não vem de sempre, há quem defenda que a escolha de Bruxelas como primeiro destino tem objectivos bem diferentes do apregoado.

Lembrando que a dirigente preside ao partido Aliança dos Reformistas e Conservadores Europeus, o analista Alberto Alemanno defende que a “tentativa de agradar a Bruxelas esconde uma estratégia mais profunda”. “Meloni escolheu Bruxelas como primeiro destino para – aos olhos da sua audiência doméstica – apresentar a UE como responsável último de todos os problemas dos italianos, da inflação à migração”, escreve no Twitter o professor de Direito e Política da União Europeia. “Isto vai permitir-lhe culpar a UE por futuros fracassos”.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários