Paula fez uma queixa sobre o ruído da movida e ganhou um petardo na caixa do correio
Incidente aconteceu na Baixa do Porto e PSP está a investigar. “Já não tinha descanso, agora não tenho segurança”, queixa-se moradora. Regulamento da movida está a ser revisto
Passava das duas da manhã desta sexta-feira quando Paula Amorim ligou à Polícia Municipal. O ruído vindo de um estabelecimento nocturno na Rua da Galeria de Paris, paralela à sua, tornava o descanso impossível – uma história mil vezes repetida na vida da moradora da Praça Guilherme Gomes Fernandes, na zona da movida do Porto. Paula Amorim vestiu-se e desceu à rua para se identificar junto das autoridades, uma obrigação para quem faz queixa. Nomeou o bar prevaricador e voltou a casa. Pouco tempo depois, ouviu “um estrondo muito grande”, contou ao PÚBLICO: “Era como se a casa estivesse a ir abaixo.” Assustada, desceu as escadas até à porta de entrada e encontrou uma “nuvem de fumo”. Havia estilhaços. A caixa de correio estava destruída.
A moradora não precisou de telefonar à PSP. Agentes da unidade móvel, ali perto, terão ouvido o estrondo e dirigiram-se ao local. A PM também. “Disseram-me que iam juntar a ocorrência à queixa do barulho”, conta Paula Amorim, 51 anos. “Claro que não posso provar quem foi, mas a coincidência diz tudo. Já não tinha descanso, agora não tenho segurança.”
A luta de Paula tem 15 anos. “Nem sei como estou de pé”, diz a mulher, tentando explicar o estado de exaustão de quem não dorme bem há muito tempo. A abertura de estabelecimentos nocturnos na Baixa do Porto trouxe vida à cidade, mas roubou vida a quem nela mora. O direito ao descanso, consagrado na Constituição, foi-lhe retirado. E isso, diz, não é aceitável: “Não sou contra a noite. Bastava que os bares cumprissem as regras e podíamos coexistir.”
O ruído não é um problema de fim-de-semana ou ocasional. Acontece quase todos os dias. E tem motivado inúmeras queixas de quem ali mora. A moradora perdeu a conta ao número de vezes que chamou a polícia. Já recorreu, também, às reuniões públicas da autarquia – ainda no tempo de Rui Rio e, mais recentemente, com Rui Moreira. “Aqui há Porto, mas também há moradores”, espicaçou o autarca numa reunião há cerca de um ano, fazendo um trocadilho com o slogan da campanha do movimento independente.
O incidente da madrugada desta sexta-feira soou como um “aviso” a Paula. Mas o “medo” não é coisa que a trave, mesmo que tire a tranquilidade à mãe, a dias de fazer 93 anos, e lhe amplie os problemas de saúde. “Se é para me calar, não funciona”, garante. “Mas quero dar um grito de alerta. Já há falta de segurança. A Câmara do Porto tem de olhar para isto.”
O caso chegou aos ouvidos da autarquia. Questionada pelo PÚBLICO, limita-se a confirmar que a PM se deslocou ao local por causa de uma queixa referente ao ruído. O “incidente da explosão” ficou entregue à PSP, diz, remetendo para a mesma entidade dados sobre outros casos semelhantes.
Fonte da PSP confirma ter registado a ocorrência desta sexta-feira, estando agora a tomar “diligências” para confirmar se há relação entre a queixa por ruído e esta explosão. Não existem registos de casos semelhantes.
O regulamento da movida, criado em 2015, está a ser revisto desde Março e “deverá ser submetido para apreciação do executivo municipal, em reunião a ocorrer entre o final de Novembro e início de Dezembro”, informa ainda a câmara.
O período de discussão pública aconteceu em Junho e Paula Amorim fez questão de participar. A moradora pediu reduções dos horários para os estabelecimentos e mais fiscalização. “Tem de ser uma acção musculada. Encerrar os espaços, nem que seja temporariamente. Se não houver fiscalização a sério, não interessa nada mudar o regulamento.”
A autarquia vê neste regulamento uma forma de “regular a actividade económica, dentro do limite das competências atribuídas ao município”. Isso, continua quando questionada sobre a eficácia deste instrumento para evitar casos semelhantes ao desta sexta-feira, “não inclui as questões de segurança, sejam elas actos de vandalismo ou outros.”