Ser cientista em Portugal: um novo rumo para o futuro
É fundamental que se impeça esta sangria do sistema científico nacional. Precisamos de mais financiamento , de algum planeamento e sobretudo de vontade para mudar a actual situação.
O contexto: em 2022, e dando continuidade ao que se vem passando nos últimos anos, a taxa de sucesso no concurso da FCT para contratação de investigadores (mesmo se apenas para oferecer contratos a termo) continuou a deixar de fora um grande número de candidatos de excelência. Temos investigadores cotados entre os 2% com maior impacto a nível mundial que não conseguem um contrato! A isto juntou-se a igualmente reduzida taxa de sucesso no concurso de projetos em todos os domínios científicos. Note-se que estas são duas ferramentas chave para estruturar e capacitar a comunidade científica em Portugal.
Consequência: para os que ainda lutam para fazer ciência em Portugal, o caminho está cada vez mais estreito. Assistimos a uma crescente debandada de cientistas que, descrentes, procuram a sua felicidade profissional fora do país. Muitos vão embora simplesmente porque já têm dificuldade em antever um futuro para a ciência nacional. Pior, estatisticamente são os investigadores com mais currículo que se vão embora primeiro, o que agrava ainda mais o problema.
Deixem-me no entanto (tentar) olhar para a frente. É fundamental que se mude o rumo dos acontecimentos e que se impeça esta sangria do sistema científico nacional. Precisamos de mais financiamento (embora talvez esse nem seja o ponto mais crítico), de algum planeamento e sobretudo de vontade para mudar esta situação. Acredito que a atual tutela tem consciência do gravíssimo problema que se vive e que algo irá fazer. É nesse sentido que gostaria de lançar alguns alertas que considero importantes. Seguem três curtas reflexões.
Reflexão 1: o problema não se resolve repetindo processos como o PREVPAP (programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública). Cheio de “boas intenções”, este processo tratou de forma diferente investigadores que tinham obtido contratos no âmbito dos mesmos concursos da FCT mas que os assumiram em diferentes instituições. Uns, sem saberem a sorte que lhes batia à porta, assinaram os seus contratos numa instituição pública, e têm hoje emprego “para a vida”. Outros tiveram o “azar” de estar ligados a uma instituição privada de utilidade pública, e ficaram de fora (muitos estão já de fora do sistema). O resultado foi dar empregos a alguns que estavam no sítio certo na hora certa e deixar de fora outros, mesmo se investigadores de maior sucesso, apenas porque sim. Temos de tratar todos por igual!
Reflexão 2: o problema das “carreiras” científicas não pode ser dissociado de um outro que se vive no ensino universitário em Portugal. Desde há muito tempo que as Universidades e os seus departamentos têm sentido uma enorme dificuldade em se renovar. Com a impossibilidade crónica de contratar novos docentes ao mesmo ritmo que os mais antigos se reformam, os quadros estão cada vez mais envelhecidos. Isso induz um stress enorme no corpo docente, que tem cada vez mais carga letiva e cada vez menos tempo para tarefas de investigação. É por isso fundamental integrar novos investigadores/docentes nas Universidades.
Reflexão 3: convém garantir que tudo isto é feito de forma gradual, sem “entupir” o sistema científico de um dia para o outro. E também que temos regularidade e previsibilidade no processo. Ou seja, temos de garantir que novos investigadores podem, no futuro, também vir a ter o seu espaço. Dados os constantes e rápidos avanços científicos, a renovação contínua é fundamental. E, não havendo naturalmente espaço para todos, é importante garantir que a seleção é feita de forma bem planeada, baseada no mérito e em estratégias científicas bem definidas e devidamente avaliadas.
Assinalo ainda que a renovação contínua do corpo docente é fundamental para que, de forma contínua, sejam atualizados os conteúdos, abordagens e prioridades da formação oferecida, adaptando-a constantemente às necessidades de uma sociedade sempre em mudança. Uma alteração de rumo é assim fundamental para manter no longo prazo a qualidade do ensino superior prestado.
Uma boa estratégia para resolver o problema das carreiras científicas não é apenas fundamental para o futuro da ciência nacional. Permitirá também garantir a qualidade do ensino superior, com um impacto óbvio para toda a cadeia de conhecimento e para toda a sociedade.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico