Três locais de Portugal incluídos nos 100 principais sítios geológicos do planeta
A jazida de trilobites de Canelas, a discordância angular da Ponta do Telheiro e o vulcão dos Capelinhos incluídos no top 100 dos geossítios da Terra de valor científico (e não só) notável.
A lista dos primeiros 100 geossítios principais do planeta, apresentada numa iniciativa da União Internacional das Ciências Geológicas (IUGS, na sigla inglesa), inclui três locais de Portugal: a jazida de trilobites gigantes de Canelas (aldeia do concelho de Arouca), a discordância angular da Ponta do Telheiro (em Vila do Bispo) e o vulcão dos Capelinhos (na ilha do Faial).
“Os 100 geossítios foram seleccionados por um painel internacional, tendo em conta o seu valor científico excepcional e correspondendo a locais-chave para a compreensão da história geológica do planeta”, salienta-se num comunicado português sobre a iniciativa.
Mais de 250 especialistas em geociências de 40 países participaram na selecção dos locais apresentados a candidatura. Houve 181 locais (de 56 países) submetidos à lista dos Primeiros 100 Sítios de Património Geológico da IUGS, que foram avaliados por 34 peritos internacionais. A lista dos 100 principais geossítios foi divulgada no final de Outubro em Zumaia, no País Basco.
“A apresentação dos Primeiros 100 Sítios de Património Geológico da IUGS é o pontapé de saída de um esforço para designar sítios geológicos de todo o mundo que são icónicos, reconhecidos por toda a comunidade científica pelo seu impacto na compreensão da Terra e da sua história”, adianta ainda outro comunicado de imprensa, explicando que um local de património geológico da IUGS é um local com elementos ou processos geológicos de relevância científica internacional, utilizados como referência ou que tenham tido um contributo substancial no desenvolvimento das ciências geológicas ao longo da história.
Na informação disponibilizada mencionam-se vários exemplos de locais agora reconhecidos entre os 100 geossítios: algumas das rochas mais antigas da Terra, com milhares de milhões de anos, na África do Sul; vestígios de vida primitiva em rochas na Austrália e na China; alguns dos melhores fósseis de dinossauros no Canadá; os primeiros registos do desenvolvimento de hominíneos na Tanzânia; rochas de origem marinha no cume do monte Evereste; e lugares icónicos como o Grand Canyon (nos Estados Unidos), o glaciar Perito Moreno (na Argentina), a caldeira vulcânica da ilha de Santorini (na Grécia) e o relevo residual de Uluru, na Austrália.
Vejamos de seguida, mais em pormenor, os três locais portugueses, apresentados em Zumaia por investigadores do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), de três universidades (do Minho, Açores e de Trás-os-Montes e Alto Douro) e ainda pelo Geoparque Açores – Geoparque Mundial da UNESCO.
A jazida de trilobites gigantes de Canelas
Situada na aldeia de Canelas, no concelho de Arouca, distrito de Aveiro, a jazida de trilobites gigantes com 465 milhões de anos (do período Ordovícico Médio) já é conhecida em todo o mundo.
Há 465 milhões de anos, Portugal estava perto do Pólo Sul, numa das margens da Gonduana pré-Pangeia, então a maior massa continental. E Canelas era uma zona marinha onde viviam trilobites, animais marinhos desaparecidos da Terra há 250 milhões de anos.
Temos a sorte de ter estes vestígios das trilobites, porque o sócio-gerente da pedreira de ardósias onde foram encontrados os moldes das carapaças fossilizadas destes animais – Manuel Valério – decidiu preservar todo este património geológico. E criar em 2006 o Centro de Interpretação Geológica de Canelas.
Já há muito que as trilobites de Canelas são referidas em todo o mundo por quem se interessa por estes artrópodes – grupo de animais com o corpo segmentado, que inclui os insectos, as aranhas ou os crustáceos (o nome “trilobite” deve-se à sua divisão transversal em três lobos). Devem a fama ao gigantismo e às condições de preservação, uma vez que a forma destes animais marinhos se encontra perfeitamente definida nas placas de ardósia de Canelas.
Esse gigantismo é artificial, porque a forma das trilobites na rocha foi ampliada e alongada pela acção da tectónica de placas, ficando com dimensões grandes e podendo chegar aos 60 centímetros.
A inclusão da jazida de trilobites gigantes de Canelas entre os primeiros 100 geossítios do mundo tem também por detrás muito trabalho do geólogo Artur Abreu Sá, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Vila Real. “A investigação desenvolvida em Canelas desde 2003, com um contributo muito importante da UTAD, permitiu a criação do Arouca Geoparque Mundial da UNESCO e, desde logo, demonstrar a relevância internacional deste geossítio que, agora, recebe este reconhecimento de valor universal”, destaca Artur Sá, citado em comunicado da sua universidade.
“O que hoje são ardósias numa pedreira em Arouca eram, há 465 milhões de anos, sedimentos finos no fundo do mar em latitudes austrais, próximas do Pólo Sul de então”, explica ainda no comunicado Artur Sá. “Ficaram preservados comportamentos associados ao acasalamento em massa, mudas colectivas de carapaças e relações intra e interespecíficas destes animais muito primitivos”, completa.
Para Artur Sá, a classificação da IUGS atribuída à jazida de trilobites de Canelas vem reforçar este geossítio como “um lugar de excelência para a ciência, a educação e o geoturismo”. “É um reconhecimento internacional, ao mais alto nível, do valor e relevância deste geossítio e que, com esta classificação, se assume formalmente como um dos mais relevantes capítulos da história da evolução da vida na Terra.”
A discordância angular da Ponta do Telheiro
No site Geoportal, do LNEG, encontra-se informação sobre a discordância angular da Ponta do Telheiro, em Vila do Bispo. Diz-se que nas arribas da praia do Telheiro, a cerca de 2,5 quilómetros a norte do Cabo de São Vicente, se observa a “mais espectacular discordância angular em Portugal”.
Neste tipo de discordância, como se explica no site do LNEG, as camadas abaixo e acima desse plano não estão paralelas, fazendo um ângulo. As rochas abaixo do plano de discordância sofreram movimentos tectónicos que as dobraram ou bascularam, deixando-os muito inclinadas e, depois de esses movimentos terem terminado, houve fenómenos de erosão, seguidos da sedimentação de materiais mais recentes dispostos na horizontal.
No caso da discordância angular da Ponta do Telheiro, ela testemunha a última fase da Pangeia (então um único supercontinente) e a sua fragmentação inicial, que daria origem à Gonduana (esta pós-Pangeia, sublinhe-se) e Laurásia. Na discordância angular da Ponta do Telheiro vêem-se, na camada superior, arenitos do Triásico Superior (cerca de 220 milhões de anos) dispostos horizontalmente por cima de xistos e grauvaques bastante deformados e dobrados do Carbónico (cerca de 320 milhões de anos. Esta discordância tem, assim, uma lacuna de cerca de cem milhões de anos.
“A excelente exposição da discordância na arriba da praia, onde o contraste angular e também cromático entre estas duas unidades se encontra muito bem marcado, confere a este sítio uma beleza única e um lugar de destaque no património geológico nacional e internacional”, lê-se no site do LNEG.
A beleza do local, acessível apenas na maré baixa, é destacada por Susana Machado. A geóloga com outro colega do LNEG, João Matos, e com os geólogos José Brilha e Paulo Pereira, da Universidade do Minho, foram quem apresentou esta proposta.
“É um local icónico da geologia portuguesa – desde que foi identificado nos anos 70 – pela sua beleza e parte estética e tem uma importância didáctica muito relevante para as pessoas perceberem o que é uma discordância sedimentar”, assinala ao PÚBLICO Susana Machado. “Não é só a questão da estrutura – de umas camadas estarem em pé e outras não. É tão distinta a coloração entre as unidades do Triásico e do Carbónico que torna a discordância muito evidente.” Tudo razões para que o local seja “visitado por imensos alunos da academia e curiosos”.
O vulcão dos Capelinhos
Localizado na ilha do Faial, o vulcão dos Capelinhos é dado como referência mundial para as erupções vulcânicas submarinas em águas pouco profundas. O vulcão entrou em erupção a 27 de Setembro de 1957, a cerca de um quilómetro da linha de costa do farol dos Capelinhos, e prolongou-se até 24 de Outubro de 1958. Foi a primeira erupção vulcânica submarina de baixa profundidade a ser devidamente documentada e estudada em todo o mundo.
“Até a esta altura, os cientistas sabiam que este tipo de actividade existia, mas nunca tinham tido oportunidade de a observar e estudar devidamente”, refere ao PÚBLICO a geóloga Salomé Meneses, coordenadora do Geoparque Açores – Geoparque Mundial da UNESCO. “Devido ao facto de ter entrado em erupção tão perto da linha de costa, facilitou na observação. Existia um farol que tinha estrada de acesso e uma linha telefónica: havia uma estrutura de apoio aos cientistas que vieram estudar esta erupção.”
Poucos dias depois de o vulcão entrar em erupção, o geógrafo Orlando Ribeiro (1911-1997) e Raquel Soeiro de Brito, sua discípula, chegaram à ilha do Faial para estudar o fenómeno. “Vieram cientistas de todo o mundo”, realça Salomé Meneses, que defendeu o geossítio do vulcão dos Capelinhos na reunião no País Basco – onde também foi assinada a Declaração de Zumaia, que ressalta a importância das ciências geológicas para a preservação da memória do nosso planeta.
No documentário Orlando Ribeiro – Itinerâncias de Um Geógrafo, da autoria e realização de António João Saraiva e Manuel Carvalho Gomes, o geógrafo aparece a falar, tendo o vulcão dos Capelinhos como cenário. É entrevistado para a RTP (que tinha iniciado as emissões regulares meses antes) e eis que temos um momento delicioso. “Infelizmente não é possível oferecer – como é que se chamam as pessoas que escutam isto?... os telespectadores, são os telespectadores – os ruídos do vulcão, de modo que para os substituir, muito tristemente, aliás, vamos dizer alguma coisa sobre a erupção.”
Entre outros nomes sonantes, Salomé Meneses menciona o de Haroun Tazieff, vulcanólogo franco-belga de origem polaca, e o do vulcanólogo norte-americano Adrian Richards. Enquanto Adrian Richards fez estudos acústicos sobre a erupção, Haroun Tazieff, além de investigações do fenómeno, fez um documentário, que teve projecção mundial e ainda hoje é conhecido, sobre os vulcões do mundo e onde incluiu o vulcão dos Capelinhos.
“O vulcão dos Capelinhos recebe esta distinção, entrando para esta lista [dos 100 geossítios], porque abriu uma nova página na vulcanologia a nível mundial e permite um conhecimento mais aprofundado sobre a actividade vulcânica submarina de baixa profundidade”, diz Salomé Meneses, que preparou esta candidatura com Andrea Porteiro (da Secretaria Regional do Ambiente e Alterações Climáticas) e João Carlos Nunes (da Universidade dos Açores). “É uma grande honra para a nossa região. É um reforço da importância deste geossítio”, diz, até porque, no âmbito do Geoparque Açores, o local já era reconhecido como um geossítio de relevância internacional e protegido como monumento natural.
O vulcão dos Capelinhos, explica a geóloga, é usado como vulcão-tipo para descrever as actividades vulcânicas no mar a baixas profundidades.
A erupção iniciou-se no mar com a projecção de cinzas vulcânicas. “As cinzas foram-se acumulando e formaram uma pequena ilha, que acabou por ser destruída pela acção do mar”, recorda a geóloga. À medida que a erupção progrediu, os focos eruptivos ficaram isolados da água do mar: “A partir desse momento, o vulcão passou a assumir uma componente subaérea, ou terrestre. Deixou de ser submarina e houve a emissão de piroclastos de maiores dimensões, alternando com períodos mais efusivos em que se dá a emissão de escoadas lávicas.”
A tal ilha efémera, que desapareceu arrasada pelo mar, ficou conhecida como “Ilha Nova”. Houve também quem lhe chamasse “Ilha do Espírito Santo”, conta a geóloga. Com a continuação da emissão de cinzas vulcânicas, veio a formar-se uma outra ilha, que acabou ligada ao Faial através de um istmo. “No final da erupção, o vulcão dos Capelinhos acrescentou à ilha do Faial 2,4 quilómetros quadrados. No entanto, hoje em dia, dessa área resta 1/4 devido à erosão marinha.”
No local da erupção podemos visitar debaixo do solo, desde 2008, o Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos, que nos conta a história do que se passou nos 13 meses de vida agitada do vulcão. “O centro interpretativo foi construído, por um lado, de forma a não ferir a paisagem e, por outro, a incluir o farol, uma memória dessa paisagem antiga, no processo expositivo. O rés-do-chão do farol, que está enterrado nas cinzas, faz parte do edifício do centro de interpretação.”