Diversas espécies de aves em Portugal estão em declínio
Relatório mostra que várias aves estão numa situação preocupante, mas é possível reverter esta tendência se houver vontade política, diz o director da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves.
O declínio de várias espécies de aves é destacado no relatório divulgado esta quinta-feira sobre O Estado das Aves em Portugal 2022, no qual se apela a que se faça mais pela sua conservação e habitats.
O relatório da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) reúne os resultados recentes de 11 programas de monitorização, “das populações nidificantes, migradoras e invernantes de aves”, e de dez censos dirigidos, além de dar a conhecer “duas plataformas para registo de observações de aves, que são também ferramentas de monitorização”.
No caso das aves associadas a ambientes agro-florestais, estão a diminuir em Portugal as populações de picanço-barreteiro e da rola-brava. Entre as espécies típicas de ambientes agrícolas, a andorinha-das-chaminés, a milheirinha, o pintassilgo e o pardal apresentam uma tendência decrescente.
Em relação às aves nocturnas, estão em declínio algumas espécies comuns e também associadas aos habitats agrícolas, como a coruja-das-torres e o mocho-galego, “espécies que vivem próximo das pessoas nos meios rurais e que têm um papel ecológico fundamental no controlo de ratos e insectos”, adianta o relatório.
“No período invernal, é substancial o declínio de espécies habituais nas pastagens e campos de agricultura extensiva, como é o caso do sisão, do abibe e da gralha-de-nuca-cinzenta, mas também de espécies mais comuns ou de distribuição mais generalizada, como a perdiz ou o peneireiro”, indica o relatório. Dentro do grupo das aves associadas aos ambientes agrícolas, 30% das espécies estão em declínio, um terço apresenta uma tendência estável e 17% revelam uma tendência positiva.
Das florestas aos estuários
Em declínio estão igualmente algumas das espécies que fazem ninho nos ambientes florestais, como o chapim-real e o cuco, enquanto no caso das populações de aves que se estabelecem em Portugal durante o Inverno verifica-se uma tendência negativa na população da toutinegra-de-barrete e do tordo-comum. Em sentido inverso, o relatório refere que a tendência é positiva para o pombo-torcaz, no primeiro caso, e para as populações de cegonha e de pega, no segundo.
“Nas zonas húmidas, algumas espécies nidificantes têm tido crescimentos populacionais substanciais, como a íbis-preta e o corvo-marinho, mas espécies como o carraceiro (ou garça-boieira) tiveram um declínio acentuado”, adianta. A garça-boieira é a espécie mais abundante nas colónias de aves aquáticas, mas o seu número diminuiu cerca de 75% em sete anos (2014-2021), segundo o programa de monitorização das aves aquáticas. As “populações invernantes nacionais de pato-colhereiro e borrelho-grande-de-coleira” têm uma tendência demográfica positiva.
De acordo com o relatório, “no estuário do Tejo, as contagens de aves aquáticas apontam para o declínio do alfaiate e da marrequinha, enquanto os números de flamingos e íbis-preta têm tido uma tendência de crescimento”.
Na orla costeira do Continente e das ilhas registou-se “um enorme aumento da população nidificante de gaivotas”, mas no caso do borrelho “há um preocupante decréscimo da sua população nidificante a nível nacional”. A diminuir estão igualmente as rolas-do-mar e os borrelhos-de-coleira-interrompida, enquanto se mantêm estáveis os números relativos ao pilrito-das-praias e ao maçarico-galego.
“No ambiente marinho, o alcaide, a gaivota-de-cabeça-preta ou o garajau-de-bico-preto apresentam tendências negativas, assim como a pardela-balear, uma espécie criticamente ameaçada”, mas o crescimento da população nidificante de gaivota-de-audouin na ria Formosa tem sido positivo e este “é actualmente o maior núcleo reprodutor desta espécie globalmente ameaçada”, adianta o documento.
A situação das populações dos grifos e dos britangos, espécies que costumam fazer os ninhos em rochas, também é distinta, enquanto “o britango apresenta um decréscimo de 10% da população nidificante, o grifo aumentou os seus números cinco vezes, relativamente aos censos nacionais realizados há cerca de 20 anos”.
“Para muitas espécies, o estado das suas populações em Portugal é preocupante, mas em muitos casos ainda reversível”, diz Domingos Leitão, director executivo da SPEA, num comunicado desta entidade. “Temos provas de que a conservação resulta, e ainda vamos a tempo, se houver vontade política para passar da exploração desmesurada à gestão sustentável.”
Tendência europeia
A SPEA considera que Portugal pode e deve fazer mais pela conservação das aves e dos seus habitats, incluindo a sua monitorização. “Temos a responsabilidade de ser a casa de muitas espécies únicas (por exemplo, o priolo, a freira-da-madeira, o painho-de-monteiro)” e é nas águas portuguesas que “a ave marinha mais ameaçada da Europa, a pardela-balear, vem procurar alimento durante a migração e pós-reprodução”, assinala o relatório, adiantando que nas ilhas de Portugal se podem “encontrar populações nidificantes de espécies ameaçadas na Europa, como o calca-mar ou a gaivota-de-audouin”.
De acordo com a Lista Vermelha das Aves da Europa 2021, divulgada em Outubro do ano passado, uma em cada cinco espécies de aves do continente está ameaçada de extinção. O relatório, que foi publicado pela associação internacional de defesa das aves BirdLife International, que junta associações de todo o mundo, incluindo a SPEA, avalia o risco de extinção de 544 espécies de aves em mais de 50 países e territórios da Europa.
As “avaliações do risco de extinção e de tendências populacionais à escala europeia”, importantes para se compreender “a situação das espécies a uma escala de maior dimensão, não eram possíveis sem a monitorização das espécies que ocorre em cada país”, lembra a SPEA no estudo divulgado agora.
Em Portugal, esta vigilância e acompanhamento “depende do esforço e dedicação de inúmeros voluntários e colaboradores”, contributo que a organização não-governamental de ambiente classifica de “inestimável”, sem esquecer o das “entidades que organizam os censos e programas de monitorização”, como o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, Universidades e várias organizações não-governamentais, além da SPEA.