Rússia regressa ao acordo de cereais da Ucrânia
Mesmo depois de a Rússia ter abandonado o acordo, os navios continuaram a sair carregados dos portos ucranianos. Putin regressa, mas ameaça sair novamente, se a segurança não estiver garantida.
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Apenas cinco dias depois de ter anunciado que se retirava “por tempo indeterminado”, a Rússia comunicou que decidiu reentrar no acordo de exportação de cereais da Ucrânia.
A mudança de ideias, que foi confirmada pelo Ministério da Defesa em comunicado e por Vladimir Putin de viva voz, deu-se na sequência de movimentações diplomáticas da ONU e da Turquia, com vista a não deixar morrer um acordo que já permitiu retirar cerca de 9,9 milhões de toneladas de produtos cerealíferos do país ocupado.
O relato turco dos acontecimentos descreve uma série de telefonemas entre Ancara, Moscovo e Kiev que começou no fim-de-semana. O ministro da Defesa da Turquia diz que ouviu as preocupações do seu homólogo russo relativamente à segurança da navegação do mar Negro e que as transmitiu às autoridades ucranianas. Como resposta recebeu, “por escrito”, “declarações que aliviaram essas preocupações”, segundo Halusi Akar, citado pelo jornal Hurriyet.
Do lado russo, o ministério tutelado por Serguei Shoigu disse que a Ucrânia se comprometeu “a não usar o corredor humanitário e os portos ucranianos” envolvidos no acordo “para operações militares contra a Federação Russa” e que “considera as garantias recebidas como suficientes”. A Rússia justificou a decisão de denunciar o acordo com o ataque contra a sua frota naval militar em Sebastopol, na Crimeia, que atribuiu aos ucranianos – e que estes não confirmaram nem desmentiram.
Na verdade, apesar do anúncio russo de sábado, os navios não pararam de sair dos portos de Odessa, Iujni e Chornomorsk. Segundo o site das Nações Unidas onde é possível acompanhar toda a operação, entre domingo e esta quarta-feira zarparam 18 cargueiros com milho, soja, derivados de girassol e trigo, entre outros produtos. Na segunda-feira, aliás, foram expedidas 354 mil toneladas de bens, o que constituiu um recorde diário – e um desafio face ao abandono da Rússia.
“O Kremlin caiu numa armadilha da qual não sabia como sair. O acordo foi suspenso, mas o Kremlin percebeu que não tinha capacidade para travar a exportação de cereais”, analisou no Twitter a analista política russa Tatiana Stanovaya. “Putin teve de fazer marcha-atrás para fazer boa figura com uma má jogada”, escreveu.
Durante uma reunião do seu Conselho de Segurança, em Moscovo, o Presidente russo alertou que “a Rússia se reserva no direito de sair do acordo” novamente, “se as garantias forem violadas pela Ucrânia”.
Mas um recuo em tão pouco tempo fragiliza a eficácia de uma ameaça deste tipo. “A comunidade mundial deixou claro: ‘Não acreditamos nas vossas mentiras, vamos continuar a mandar navios para que os mais pobres do globo não tenham de sofrer maciçamente em resultado desta guerra de agressão’”, comentou Annalena Baerbock, ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, ao Die Welt.
Prioridade a África
Quando apresentou ao Parlamento turco a reintegração da Rússia no acordo como uma vitória diplomática do seu Governo, Recep Tayyip Erdogan afirmou também que os russos tinham manifestado preocupação com o destino dos cereais exportados e que, a partir de agora, países africanos como Somália, Djibuti e Sudão seriam prioritários.
De acordo com os dados da ONU, e tendo apenas em conta o destino dos cargueiros, os países que mais cereais receberam desde a entrada em vigor do entendimento, em Agosto, foram Espanha, Turquia, China e Itália – o que não significa que sejam os destinos finais.
Em meados de Setembro, segundo a mesma fonte, países com altos rendimentos tinham recebido 47% das exportações, países com rendimentos médios baixos haviam recebido 27% e, para os de rendimentos médios altos, tinham partido 26% das cargas.
“A ONU salienta que todos os cereais que saem dos portos ucranianos ao abrigo desta iniciativa beneficiam as pessoas com necessidades, uma vez que ajudam a acalmar os mercados e a limitar a inflação sobre os preços alimentares”, fez questão de escrever a organização, a negrito, naquela data. Na semana passada, quando apelou à renovação do acordo (que expira a 19 de Novembro), António Guterres disse que ele tinha evitado que 100 milhões de pessoas caíssem numa situação de pobreza extrema.