Caupers defende “contributo decisivo” do TC, criado há 40 anos, para a democracia
O papel do Tribunal Constitucional, diz o seu presidente, “não se esgota na função nuclear de fiscalização da constitucionalidade das leis”.
O presidente do Tribunal Constitucional defende que o órgão de soberania a que preside teve um “contributo decisivo para o Estado de direito democrático” nos últimos 40 anos, destacando os acórdãos relativos à eutanásia ou à norma-travão.
Numa resposta escrita enviada à agência Lusa no âmbito dos 40 anos da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LTC), aprovada na Assembleia da República em 28 de Outubro de 1982, João Caupers sustentou que “o Tribunal Constitucional é um órgão de soberania com um contributo decisivo para o Estado de direito democrático em Portugal”.
Para João Caupers, o papel do Tribunal Constitucional (TC) “não se esgota na função nuclear de fiscalização da constitucionalidade das leis, estando documentado nas suas diversas decisões que, ao longo destes anos, tiveram impacto positivo na sociedade portuguesa”.
Questionado sobre os momentos que considera estruturantes na missão do TC enquanto “guardião” da Constituição, João Caupers sustentou que “foram vários”, começando por destacar o acórdão relativo à morte medicamente assistida, de 15 de Março de 2021, em que foi declarada a inconstitucionalidade de uma norma do diploma aprovado pela Assembleia da República.
No entender de João Caupers, a decisão do TC sobre “uma questão fracturante” como a eutanásia teve um “papel pacificador para a sociedade”, sublinhando que, apesar de o Tribunal ter decidido pela inconstitucionalidade de uma das normas do diploma, “não se opôs à eutanásia em si mesma”.
“O Tribunal, declarando embora a inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 2.º, respondeu negativamente à questão de saber se a inviolabilidade da vida humana, consagrada no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição, constitui um obstáculo inultrapassável a uma norma como aquela, que admitia a antecipação da morte medicamente assistida em determinadas condições”, lê-se na resposta de João Caupers.
Além da decisão sobre a eutanásia, Caupers destacou também, no plano das “relações entre órgãos de soberania”, o acórdão sobre a chamada “norma-travão”, de 14 de Julho de 2021, considerando-o “muito relevante para a compreensão das relações entre a Assembleia da República e o Governo”.
Em causa estava um pedido de fiscalização sucessiva feito pelo primeiro-ministro em Março de 2020, que considerava que alguns apoios sociais aprovados em “coligação negativa” pela Assembleia da República -- ou seja, com o voto contra do PS, que liderava o Governo --, violavam a “norma-travão”, que impede o aumento da despesa do Estado ao longo do ano, fora do período de discussão orçamental.
“Entendia o primeiro-ministro que várias dessas normas implicavam um aumento de despesa no ano económico então em curso e, nessa medida, configuravam uma violação da Lei do Orçamento do Estado”, sustentou João Caupers, sublinhando que o TC também decidiu, por unanimidade, que algumas das normas aprovadas pelo parlamento violavam, precisamente, a “norma-travão”.
Ainda “na mesma linha de clarificação das relações entre a Assembleia da República e o Governo”, João Caupers destacou também o recente acórdão, de 17 de Outubro, sobre o diploma que previa a abertura de um processo negocial com as estruturas sindicais com vista à revisão do regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente nos ensinos básico e secundário.
Tratava-se de um diploma aprovado em “coligação negativa” na Assembleia da República, com o voto contra do PS, tendo suscitado novamente um pedido de fiscalização sucessiva da parte de António Costa.
“Estavam em causa competências legislativas do Governo concorrentes com as da Assembleia da República, tendo a decisão do Tribunal concluído verificar-se um condicionamento, ou mesmo intromissão, daquela na acção Governo-legislador, que contende com a esfera de autonomia do Governo constitucionalmente tutelada”, relembra o presidente do TC.
Ao declarar inconstitucional a lei em questão, Caupers defendeu que “o Tribunal não pôs em causa a supremacia do parlamento -- este fiscaliza o Governo, e não o contrário --, mas considerou que esta supremacia não pode transpor as fronteiras de separação de poderes, sob pena de dificultar ou impedir a acção governativa e, no final do dia, impossibilitar a responsabilização do Governo perante a Assembleia”.
“A decisão sobre o se e o quando da iniciativa de desencadear negociações com as associações sindicais resulta de uma opção política do Governo, órgão de soberania a quem cabe o exercício da função executiva, não sendo constitucionalmente admissível a interferência da Assembleia da República para lá dos limites expressamente previstos na Constituição”, referiu Caupers.
Na passada sexta-feira, assinalaram-se os 40 anos da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, aprovada em 28 de Outubro de 1982. A lei veio “moldar” o novo Tribunal, que havia sido criado então há pouco menos de 30 dias, no âmbito da primeira revisão constitucional, de 1982.
Em Abril de 2023, o Tribunal Constitucional irá comemorar os 40 anos da sua instalação, que ocorreu em 06 de Abril de 1983. O primeiro acórdão viria, depois, a ser proferido em 31 de Maio do mesmo ano.