Luzes desligadas e silêncio no palácio; Bolsonaro ainda não se pronunciou sobre derrota contra Lula

Presidente brasileiro não recebeu ministros e atendeu poucos telefonemas. Aliados admitem que perdeu margem para contestar os resultados da eleição e aguardam discurso esta segunda-feira.

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Jair Bolsonaro, Presidente e candidato derrotado nas presidenciais do Brasil EPA/Joedson Alves/Arquivo

Como irá reagir Jair Bolsonaro à derrota nas presidenciais? Era uma das grandes incógnitas da noite eleitoral de domingo, no Brasil, dadas as repetidas suspeitas que o Presidente lançou sobre o sistema de voto durante grande parte da campanha; e vai continuar a ser durante, pelo menos, mais umas horas. Pela primeira vez desde 1998 – quando foi introduzido o voto electrónico no país –, não houve declarações públicas de um dos candidatos.

Recolhido no Palácio da Alvorada, em Brasília, com o filho e senador Flávio Bolsonaro, o chefe de Estado brasileiro remeteu-se ao silêncio durante todo o processo de contagem dos votos. Quando a vitória de Lula da Silva foi declarada, Bolsonaro reuniu-se com o seu candidato a vice-presidente, o general Braga Netto, e falou ao telefone com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, e pouco mais.

Às 22h06 (pouco depois da 1h desta segunda-feira, em Portugal continental), conta a Folha de S.Paulo, as luzes do palácio presidencial desligaram-se. E as centenas de apoiantes de Bolsonaro, reunidos nas imediações do recinto na capital brasileira, não tiveram outra solução senão dispersar.

O Presidente “foi dormir”, comunicou o assessor Mauro Cesar Cid aos vários ministros, aliados e apoiantes que telefonaram ou que queriam fazer uma visita. Está “fechado” e “inacessível”, confirmaram ao Estadão dois líderes evangélicos que tentaram falar com o candidato derrotado.

O discurso de Lula: “É uma vitória de um imenso movimento democrático” Imagem: Reuters. Edição: Joana Gonçalves

O telefonema com Moraes, no qual este lhe comunicou “oficialmente” o resultado – Lula venceu com 50,9% dos votos, contra 49,1% de Bolsonaro, naquela que foi a eleição mais equilibrada da democracia brasileira –, terá sido mesmo um dos únicos que o Presidente atendeu. “Com extrema educação”, garantiu o magistrado. “Agradeceu.”

O silêncio de Jair Bolsonaro é politicamente relevante, tendo em conta que passou grande parte da campanha eleitoral a lançar suspeitas sobre a fiabilidade do sistema de voto electrónico do Brasil e a fintar a pergunta: “Vai respeitar o resultado das eleições, em caso de derrota?”

O facto de, na etapa final da campanha para a segunda volta, ter admitido, finalmente, que não havia “a menor dúvida” de que iria reconhecer os resultados, porque “quem tiver mais voto leva” e “é isso que é democracia”, não descansou os seus críticos; até porque esta campanha, para além de altamente polarizada, foi uma das mais violentas e divisivas das últimas décadas.

Entre domingo e as primeiras horas desta segunda-feira houve diversos protestos contra a vitória de Lula, incluindo bloqueios de estradas em estados como Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso ou Minas Gerais.

Um grupo de camionistas, apoiantes de Bolsonaro, bloqueou mesmo a via Dutra, uma das principais vias rodoviárias que faz a ligação entre as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Mas a ausência de um discurso imediato do candidato derrotado, somada às várias intervenções públicas e às mensagens partilhadas nas redes sociais dos seus aliados, no domingo, a apelarem ao reconhecimento do triunfo de Lula, parecem retirar margem a Bolsonaro para pôr em causa o processo ou o desfecho eleitoral.

“A vontade da maioria manifestada nas urnas jamais deverá ser contestada e seguiremos em frente na construção de um País soberano, justo e com menos desigualdades”, afiançou Arthur Lira, aliado do chefe de Estado e presidente da Câmara dos Deputados.

“O resultado da eleição mais polarizada da história do Brasil traz muitas reflexões e a necessidade de buscar caminhos de pacificação de um país literalmente dividido ao meio. É hora de serenidade”, reagiu, por seu lado, Ricardo Salles, ex-ministro do Ambiente do Governo de Bolsonaro.

“Perdemos uma eleição, mas não perdemos o amor pelo nosso país. Bolsonaro deixará a Presidência da República em Janeiro de cabeça erguida, com a certeza de dever cumprido e amado por milhões de brasileiros”, disse ainda a senadora Damares Alves.

E Carla Zambelli, deputada federal que, na véspera da eleição, foi filmada a perseguir, de arma em punho, o jornalista Luan Araújo, pelas ruas de São Paulo, já se vê como figura de proa do bolsonarismo pós-presidenciais: “O sonho de liberdade de mais de 51 milhões de brasileiros continua vivo. E lhes prometo, serei a maior oposição que Lula jamais imaginou ter.”

Segundo o Globo, os aliados de Bolsonaro esperam uma tomada de posição pública do Presidente nesta segunda-feira. Apesar de admitirem que já não deverá contestar a vitória de Lula da Silva, “não arriscam dizer se ele cumprirá o protocolo de candidato derrotado”.

Em declarações ao Estadão, Ricardo Barros, deputado e líder do Governo na Câmara, e outro dos poucos que falaram com Bolsonaro no domingo à noite, explicou que o telefonema apenas serviu para se “colocar à disposição” e se “solidarizar”. De resto, garantiu, a base de apoio do chefe de Estado está a postos para aí vier: “Estamos aguardando o Presidente.”

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