Brasileiros votam no Porto em ambiente agitado. “Não é porque não gosto do piloto do avião que quero que ele caia”

No Porto, demora-se cerca de uma hora para vencer as filas dentro e fora do ISEP para votar nas eleições brasileiras.

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“O bagulho está muito mais efusivo”, comenta-se na fila para vota nas presidenciais brasileiras, no Porto

O ambiente junto ao Instituto Superior de Engenharia do Porto (​ISEP), local de voto dos cidadãos brasileiros residentes no norte de Portugal, está mais agitado do que na primeira volta. “O bagulho está muito mais efusivo”, comenta-se na fila para votar.

Os apoiantes de ambos os lados fazem-se ouvir. “Mito! Mito! Mito!”, gritam do outro lado da rua os apoiantes do actual Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, vestidos a rigor com as suas t-shirts amarelas da selecção de futebol e agarrados à bandeira brasileira. “Brocha! Brocha! Brocha!”, lança a mancha vermelha de apoiantes de Lula da Silva, numa referência ao caricato comentário de Bolsonaro nas comemorações do 7 de Setembro, bicentenário da independência do Brasil.

Para votar, é preciso vencer uma fila que vai dando a volta ao quarteirão, chegando muitas vezes até à Circunvalação. Uma funcionária do serviço de apoio do Consulado do Brasil no Porto explica que a fila tem sido sempre grande, mas avança com ritmo. É preciso, contudo, mais de meia hora para chegar ao edifício do ISEP — se bem que o caminho seja agora pontuado com pessoas a venderem água e petiscos —, onde os eleitores se distribuem e junto a cada mesa de voto novas filas os aguardam.

À porta do ISEP, apoiantes de Lula continuam acampados do lado de cá do passeio e ao longo do gradeamento. Natália Machado, 34 anos, está sentada junto das grades, de camisola vermelha, a amamentar o bebé de dois meses. Veio de Coimbra, onde vive há seis anos, numa excursão: faz parte do movimento Vozes no Mundo - Frente Pela Democracia no Brasil (“durante a campanha fizemos várias manifestações”, descreve), que alugou um autocarro vermelho com cerca de 60 lugares que veio repleto de eleitores, e só regressa a Coimbra por volta das 17h.

Conta que na família “não era tradição votar no PT”, mas quando Natália se tornou eleitora - votou em presidenciais pela primeira vez em 2006, depois do primeiro mandato de Lula - não teve dúvidas. “Mudou completamente a educação no Brasil, também a economia a gente viu uma mudança.” Quanto aos pais, consideram que a situação no Brasil chegou a um ponto tão grave que “vai ser a primeira eleição que os meus pais vão votar no PT”.

Não a incomoda votar num candidato que teve governos marcados por tantos casos de corrupção? Deixando a ressalva de que “se houve corrupção não sabemos, porque Lula não foi condenado”, Natália nota que foi nos governos da esquerda que foram criados canais de transparência que permitiram que a “corrupção institucionalizada que existia” fosse detectada. Já Bolsonaro, acusa, “varreu para debaixo do tapete”.

“O Brasil precisa mesmo de renovar”

As trocas de um lado para o outro da rua continuam. “Lula cachaceiro, devolve o meu dinheiro”, cantam os apoiantes de Bolsonaro; “devolve o auxílio do Costa”, retrucam os apoiantes de Lula do outro lado da rua. Pontualmente, os agentes da PSP aproximam-se para afastar manifestantes que se aproximam demasiado, mas muitas vezes apenas para deixar fluir o trânsito.

Francisco Paulino, 41 anos, está há seis anos em Portugal. Encontramo-lo um pouco atrás do grupo de apoiantes de Bolsonaro, junto da mulher e de três filhas, com um ar sereno mas orgulhoso na sua camisola amarela. “Hoje é um dia muito importante para o Brasil, basicamente vamos decidir o destino dos próximos anos... Se em pouco tempo a gente vai passear os animais de estimação ou os comer”. Considera que uma vitória de Lula da Silva será um “retrocesso": “Onde a ditadura do comunismo e o socialismo imperam, a única coisa que conseguem socializar é a miséria e a pobreza.”

Mas considera mesmo um risco o surgimento de uma ditadura comunista, mesmo não tendo havido sinais disso ao longo dos 14 anos de governo do Partido dos Trabalhadores? “O Brasil vive uma ditadura do judiciário”, responde, notando que os juízes da suprema corte foram escolhidos pela “esquerda”, que “está no poder há mais de 30 anos no Brasil”. Sobre o que poderão ser os meses que se seguem a estas eleições tão polarizadas, acredita que independentemente do resultado, “como cidadãos temos que respeitar”. “Não é porque não gosto do piloto do avião que eu quero que ele caia”, remata.

A advogada Thalita Lopes, de 36 anos, veio de Aveiro para votar. Está junto do grupo de apoiantes do actual presidente há cerca de duas horas, e ainda deve ficar mais um pouco, enquanto espera que outros amigos vençam a fila. Vota “22, por razões óbvias": “É impossível colocar um ex-presidiário como presidente do meu país.”

Explica que nunca votou à esquerda, “não quero um Estado dando miséria para as pessoas”. Ainda que reconheça que “o Brasil precisa mesmo de renovar”, reforça que eleger Lula é “inadmissível”. Para si, que já foi eleitora do PSDB, o partido também “foi uma desilusão” - recorde-se que o PSDB é o partido de Geraldo Alckmin, vice-presidente da lista encabeçada por Lula da Silva.

Do outro lado da rua, sentado num banquinho ao lado de uma toalha com a imagem de Lula da Silva pendurada nas grades, Jorge, de 62 anos, está aqui desde as 8h. Faz parte do Comité de Luta Portugal. Servidor público reformado, residente em Portugal há cinco anos, já foi militante do Partido dos Trabalhadores nos anos 1980 - “antes da era digital, nem deve estar mais no registo” -, mas hoje em dia considera-se apenas simpatizante do PT. Como foi votar em Geraldo Alckmin, do PSDB, para vice-presidente? “Não era o candidato a vice dos meus sonhos”, confessa, mas considera “um mal necessário”.

Preocupa-o a violência que poderá seguir-se a estas eleições, que não descola da “tendência mundial” de crescimento “da extrema-direita”. Acredita que “a tendência é harmonizar”, mas “quem vai dizer é o tempo... E o desfecho da política”. “Quem conhece o Lula sabe que ele é um pacificador.”

Paz, contudo, é algo que não assiste ao ambiente à porta do ISEP. “A nossa bandeira nunca vai ser vermelha”, grita um homem de camisola amarela, na direcção da multidão que canta “Olê olê olá! Lula! Lula!

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