Campanha eleitoral brasileira decorreu no ambiente mais violento de que há memória
Foram contabilizadas centenas de actos de violência motivada por divergências políticas nos meses que antecederam as eleições. Multiplicaram-se denúncias de intimidação por parte de empregadores.
A temporada eleitoral brasileira fica marcada por um grau de violência inédito na história recente do país, embora os actos de violência motivados por divergências políticas sejam habituais. Para além de homicídios e agressões, o número de casos de assédio laboral por parte de empregadores também se generalizou.
Na sexta-feira, a menos de 48 horas da abertura das urnas, o ex-vereador do Partido dos Trabalhadores (PT), Reginaldo Camilo dos Santos, conhecido como Zezinho do PT, foi baleado três vezes em Jandira, no estado de São Paulo, quando se preparava para regressar a casa. O político tinha sido candidato a uma vaga como deputado federal nas eleições de 2 de Outubro, mas não recolheu votos suficientes para ser eleito.
Nas últimas semanas, Zezinho acompanhou várias acções de campanha do candidato petista a governador de São Paulo, Fernando Haddad, e também de Lula da Silva, candidato à presidência.
A polícia diz estar a investigar as motivações por trás do homicídio do político, mas, de acordo com o deputado federal do PT, Jilmar Tatto, houve testemunhas que ouviram uma pessoa a gritar pelo nome de Jair Bolsonaro ao passar por Zezinho, que respondeu com um grito de Lula – em seguida, foi baleado. “Tudo indica que foi a acção de um apoiante de Bolsonaro dentro deste clima de intolerância no país”, lamentou Tatto.
O assassínio do ex-vereador é apenas o mais recente episódio de violência a manchar a campanha eleitoral no Brasil. A semana que precedeu a segunda volta já tinha ficado marcada por um caso de violência extrema a envolver políticos. O ex-deputado federal Roberto Jefferson abriu fogo e chegou a atirar granadas na direcção de agentes da Polícia Federal que cumpriam um mandado de detenção preventiva. Jefferson é um acérrimo defensor de Bolsonaro e era conhecida a sua apologia da posse de armas de fogo, tal como propalado pelo Governo federal.
Até à primeira volta, a 2 de Outubro, pelo menos seis pessoas tinham sido assassinadas por motivos políticos, de acordo com um levantamento da Agência Pública. Ao todo, foram registados três ataques por dia, entre agressões físicas e psicológicas. O Observatório de Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro contabilizou 212 casos de violência política, entre Julho e Setembro, o que representou um aumento de 110% face ao trimestre anterior.
A situação no Brasil é tão grave que ainda esta semana o Papa Francisco deixou um apelo para a pacificação da sociedade. “Peço a Nossa Senhora Aparecida que proteja e cuide do povo brasileiro, que o livre do ódio, da intolerância e da violência”, disse o chefe da Igreja Católica.
Os casos que foram sendo divulgados pela imprensa incluem divergências entre apoiantes de candidatos diferentes, mas também actos de agressão e intimidação contra funcionários dos institutos de sondagens. São conhecidas as críticas de Bolsonaro a estas organizações, que as considera parciais. Na Câmara dos Deputados está a ser actualmente analisado um projecto de lei que visa punir com penas de prisão os responsáveis de institutos de sondagens que publiquem estudos de opinião divergentes dos resultados eleitorais.
Na campanha para a segunda volta, disputada entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro, os casos de assédio eleitoral por parte de empregadores multiplicaram-se. Até à última quinta-feira, o Ministério Público do Trabalho tinha recebido quase duas mil denúncias deste género, o que representa um valor dez vezes superior ao que foi registado há quatro anos, de acordo com a Folha de S.Paulo. Pelas redes sociais circularam nas últimas semanas vários vídeos de reuniões de empresas em que os patrões ameaçavam avançar para despedimentos caso Lula viesse a ser eleito Presidente.
O estado em que foram feitas mais denúncias foi Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral e um estado crucial para as contas de ambos os candidatos. Na cidade de Sete Lagoas, nesse estado, foram feitas 120 queixas depois de os comerciantes locais terem decidido anunciar um feriado informal para os funcionários a 31 de Outubro em caso de vitória de Bolsonaro, segundo a Deutsche Welle.
Os analistas consideram que o discurso agressivo usado frequentemente por Bolsonaro para se referir aos seus adversários políticos, aos jornalistas e a instituições democráticas, como o Supremo Tribunal Federal, está na base do aumento de actos violentos por parte dos seus apoiantes.