Preparem-se para ser desafiados: está a chegar o Semibreve
O festival bracarense de música electrónica de vanguarda tem início esta quinta-feira. Até domingo, passarão por vários espaços da cidade nomes como Caterina Barbieri, Alva Noto e Jan Jelinek.
O início será lá no alto, na Basílica do Bom Jesus, com a compositora e artista visual francesa Félicia Atkinson e a flautista portuguesa Violeta Azevedo. Esta quinta-feira, às 21h30, ouvir-se-ão os primeiros sons da edição 2022 do Semibreve, o festival bracarense dedicado às vanguardas da música electrónica e das artes digitais que se afirmou ao longo dos anos como acontecimento de destaque no panorama português, e com firmado reconhecimento internacional.
Um monumento religioso centenário a acolher música exploratória. Boa ilustração para parte daquilo que faz o Semibreve, nascido em 2011 com identidade bem definida: dar palco aos sons mais desafiantes da música electrónica contemporânea, promovendo a estreita ligação à cidade que o acolhe.
Até domingo, espalhando-se por outros locais históricos, como o Mosteiro de Tibães ou a Capela Imaculada do Seminário Menor, passando por uma sala emblemática como o Theatro Circo ou por esse verdadeiro espaço de divulgação e laboratório de pesquisa artística que é o gnration, a edição 2022 do Semibreve leva a Braga nomes históricos da electrónica como os alemães Alva Noto (Theatro Circo, sábado) e Jan Jelinek (Salão Medieval da Reitoria da Universidade do Minho, domingo). E leva também aqueles que marcam o presente e lançam pistas para o futuro, como o húngaro Gábor Lázar, que agitará a pista de dança do gnration na sexta-feira, ou o queniano radicado em Berlim KMRU (Theatro Circo, sexta-feira).
O festival reservará ainda espaço para a comemoração da primeira década de existência da Príncipe Discos, editora crucial na exposição da música que fervilha na periferia de Lisboa, através de DJ Marfox, DJ Kolt, Blacksea Não Maya e Xexa (gnration, sábado), e para a italiana Caterina Barbieri, regressada ao Semibreve, quatro anos depois, com um aclamado novo álbum, Spirit Exit (actua domingo no Theatro Circo e apresentar-se-á depois na quarta-feira, dia 2 de Novembro, na Culturgest Lisboa).
Destaque também para o concerto que juntará o Drumming GP a Burnt Friedman (Theatro Circo, domingo), ou para o encontro no mesmo local, mas já esta sexta-feira, entre o franco suíço François J. Bonnet, que conhecemos sob o pseudónimo Kassel Jaeger, e o norte-americano Stephen O’Malley, dos Sunn 0))). Isto, claro, sem esquecer o espectáculo que Malcolm Pardon, dos Roll The Dice, preparou especificamente para a Capela Imaculada do Seminário Menor, no sábado, e outros acontecimentos: conversas como a que terá por foco a Príncipe Discos (Museu Nogueira da Silva, sábado), workshops como o que Félicia Atkinson e Violeta Azevedo darão, no mesmo dia, no Mosteiro de Tibães, e as instalações que estarão patentes durante todo o festival no Theatro Circo e no gnration.
O Semibreve nasceu com convicções firmes em relação aos seus propósitos, mas sem certezas. “Não havia um grande historial deste tipo de festivais em Portugal, não havia imprensa a abraçar isto efectivamente, nem sabíamos se havia público”, refere Luís Fernandes. Fulcral para a sua identidade, para a sua “missão”, diz o director artístico, era e é acentuar “uma ideia de representatividade, do ponto de vista do género e da origem”, entre os nomes programados. “Um misto de culturas que, para nós, é muito importante afirmar”, acentua. Igualmente importantes são o equilíbrio entre “nomes emergentes e consagrados” e a “necessidade de mostrar nomes nacionais, de mostrar o melhor que se faz por cá” — esta é a edição com mais nomes portugueses em cartaz.
O acumular de edições e o prestígio que foi ganhando o Semibreve — fixando público interessado, atraindo outro para a sua esfera, ganhando respeito e admiração da imprensa, do público estrangeiro e dos músicos em visita ou aliciados pelos relatos que ouviam — levaram a que, passo a passo, às convicções se juntasse a certeza. “Este percurso acaba por deitar por terra alguns mitos, como o de que esta música mais desafiante é só para um conjunto restrito de pessoas. Estes conteúdos mais arriscados, se forem trabalhados de uma forma contínua, conseguem enraizar-se fortemente numa comunidade”, defende Luís Fernandes.
Com o passar dos anos, enquanto passavam pelos seus palcos nomes como Kode9, Jim O’Rourke, Morton Subotnick, Suzanne Ciani, Jon Hopkins, Laurel Halo ou William Basinski, à medida que as residências artísticas e as encomendas desembocavam na apresentação de material inédito e que o festival se espalhava pela cidade, o Semibreve tornou-se uma referência, um curador de confiança. Os bilhetes para a edição 2022 estão praticamente esgotados, sendo que o grosso deles deles foi vendido antes de ser conhecido o cartaz. “As pessoas confiam e isso acentua o papel de estruturas como a nossa”.
Onze anos depois da primeira edição, o Semibreve prossegue, convicto como sempre, seguro do seu papel e da sua relevância.