Jerónimo revela “mágoa política” com Costa e considera que PR devia ser mais prudente
Líder comunista, que foi parceiro da “geringonça”, lamenta que se tenha perdido “uma excelente oportunidade para resolver algumas questões no plano imediato que se colocavam ao povo e ao país”.
O secretário-geral do PCP admite sentir uma “mágoa política” com António Costa, pelo que disse ser uma “oportunidade perdida” para o país, e considerou que o Presidente da República “deveria ter mais prudência” nas declarações que faz.
“A minha maior desilusão foi ver que havia uma excelente oportunidade para resolver algumas questões no plano imediato que se colocavam ao povo e ao país e essa oportunidade foi perdida, na medida em que se isso se tivesse concretizado, Portugal hoje estaria melhor”, sustenta Jerónimo de Sousa, em entrevista à agência Lusa, publicada este sábado, a propósito da Conferência Nacional do PCP que vai decorrer nos dias 12 e 13 de Novembro em Corroios, no Seixal.
“Fica esta mágoa, só política”, confessa, mas no plano pessoal a relação com o primeiro-ministro é “coração ao alto”. A relação com o secretário-geral do PS e antigo parceiro da “geringonça”, que vigorou entre 2015 e 2021, não sofreu “qualquer alteração” depois da cisão, em Outubro de 2021, que acabou com o voto contra do PCP e chumbo da proposta de Orçamento do Estado para 2022.
O impasse entre o Governo socialista e os parceiros à esquerda levou então à dissolução do Parlamento pelo Presidente da República, que convocou eleições legislativas antecipadas para Janeiro de 2022, nas quais o PS alcançou a maioria absoluta.
Na altura, o PCP justificou a rejeição da proposta orçamental – em contraste com a posição que tinha assumido desde 2015, quando ajudou a viabilizar o primeiro Orçamento de Costa – com a “recusa” do executivo em ceder na caducidade da contratação colectiva e no aumento de salários e pensões.
Contudo, para Jerónimo de Sousa, essas questões ficam no plano político: “Não posso viver de emoções próprias.”
Deputado à Assembleia Constituinte, o líder do PCP foi também questionado sobre a actuação de um outro deputado constituinte, Marcelo Rebelo de Sousa, que é hoje Presidente da República.“Não se pode acusar este Presidente da República de não ter cumprido a Constituição”, começa por dizer Jerónimo de Sousa, que critica, no entanto, a postura do chefe de Estado de “meter-se em assuntos onde deveria ter mais prudência”.
Recentemente, o Presidente da República foi amplamente criticado por partidos políticos e sociedade civil pelas declarações que proferiu sobre os 424 casos de abusos sexuais de menores na Igreja Católica. Marcelo Rebelo de Sousa considerou que não eram “um número muito elevado”, mas, mais tarde, esclareceu o que tinha dito e disse acreditar que o número seja maior.
Sobre esse assunto, o secretário-geral do PCP julga que o Presidente da República “foi descuidado”, pela “própria sensibilidade” da questão dos abusos sexuais. “Acho que Marcelo Rebelo de Sousa precipitou-se, quando se tem uma inteligência fulgurante, às vezes dá para o torto”, completou.
O líder e deputado do PCP disse ter dificuldade em fazer um balanço dos quase 18 anos como secretário-geral do partido, embora afirme que o reconhecimento pelos não comunistas é “talvez o melhor prémio que um homem pode ter”.
“Pode parecer contraditório, mas continuo a ter mais projecto que memória”, responde Jerónimo de Sousa, na mesma entrevista à agência Lusa, quando lhe é pedido um balanço do seu mandato.
"Ninguém é insubstituível"
Afirmando que “ninguém é insubstituível”, Jerónimo de Sousa garante que não irá esperar por qualquer reparo crítico relativamente à idade para deixar o cargo, porque está ciente de que “a lei da vida não perdoa”. “Isto é quase um desabafo pessoal, os meus camaradas perdoar-me-ão, mas tive sempre esta ideia: ninguém é insubstituível”, acentuou o dirigente do PCP, a propósito da conferência que irá em Novembro reenquadrar os objectivos do partido para o futuro.
Com 75 anos e quase 18 como secretário-geral comunista, Jerónimo de Sousa recusa-se a apontar uma data concreta para a substituição, mas logo a seguir avisa que “a lei da vida não perdoa a ninguém” e, por isso, “um dia será”.
Antes de precisar que “o factor determinante” será a avaliação das “condições físicas e anímicas para continuar a fazer 2000 quilómetros num fim-de-semana”, o dirigente comunista garante que “a direcção do partido olhará, acompanhará, verificará” a passagem do testemunho.
“Eu, no caso concreto, tenho a ideia de que a vida tem um desfecho e que não deveria, enfim, esperar por qualquer reparo crítico em relação à idade”, admite, aproveitando para esclarecer: “Aqui, o factor fundamental é, de facto, a saúde.”
“A saúde é um elemento central, por muitos planos, programas, ideais, sonhos, tudo isso que a vida comporta, há uma coisa que é implacável, que é a lei da vida”, afirmou ainda, assegurando que dará a sua contribuição quando o PCP “considerar chegado o momento de uma substituição, de forma tranquila, mantendo a coesão do partido”.
Até chegar o momento, Jerónimo promete continuar a desenvolver o trabalho que o PCP lhe exige, inclusivamente o de participar na escolha do seu sucessor. Daí “ser eu também a decidir e a propor essas possíveis alterações do secretário-geral. Podíamos estar a falar da Comissão Política, do Secretariado, do próprio Comité Central”, assinala.
“Vou continuar a trabalhar, a dar o meu melhor, mas qualquer decisão tem a minha participação”, sublinha, advertindo logo a seguir: “No meu partido não existem militantes de diversas categorias, existem militantes com diversas responsabilidades.”