Criatura e Coro dos Anjos ao vivo no Capitólio com um terceiro disco no horizonte
Este domingo, o colectivo A Criatura junta-se de novo ao Coro dos Anjos numa celebração festiva da música feita, da que já desponta e daquela que está para vir. No Capitólio, em Lisboa, às 21h.
Há um ano foi o Maria Matos, agora é o Capitólio. Mas muitos outros palcos receberam a Criatura nestes dois anos, do Trindade (em Maio de 2021) ao festival Bons Sons (em Agosto de 2022). Este domingo, a renovada sala do Teatro Capitólio, no Parque Mayer receberá o grupo, mais o Coro dos Anjos, numa fase de transição entre os álbuns já gravados e as novas músicas que vêm criando. Ou seja, entre os materiais dos álbuns Aurora (2015) e Bem Bonda (2021) e as criações mais recentes. O espectáculo está marcado para as 21h e lá estarão Acácio Barbosa (guitarra portuguesa), Alexandre Bernardo (bandolim, guitarra acústica, cavaquinho), Cláudio Gomes (trompete), Edgar Valente (voz, piano, teclados e adufe), Fábio Cantinho (bateria), Gil Dionísio (voz e violino), Iúri Oliveira (percussões e Mbira), João Aguiar (guitarra eléctrica), Paulo Lourenço (baixo eléctrico) e Ricardo Coelho (gaita de foles, flauta transversal, ocarina e palheta). Além das vozes do Coro dos Anjos.
“Voltámos a criar temas novos, desde há uns meses, e estamos na fase em que os temas precisam de maturar”, diz Edgar Valente ao PÚBLICO. “Decidimos conter-nos um bocadinho mais. Um tema novo que surgiu este ano foi o Labuta, que tem uma força tal que decidimos gravá-lo como single, ainda sem data prevista de lançamento. E gravámo-lo também ao vivo num vídeo nas Minas da Panasqueira.” Gil Dionísio acrescenta: “É um tema popular retransformado. Não se sabe muito bem qual é a letra fechada disto, nós agarrámos numa possível versão resultante da aventura que o Edgar teve até o tema chegar a ele e ao Coro dos Anjos. É curioso que tanto têm dito sobre nós, acerca de uma nova tradicionalidade, que quando esta música chega à Criatura e começamos a tocá-la ao vivo, já muita gente sabia esta letra, que nem sequer está fechada. Será, para nós, uma música de um terceiro disco, mas é ao mesmo tempo muito antiga. E isto é, simbolicamente, Criatura!”
A história deste tema, resume-a Edgar assim: “Eu estava a fazer um trabalho com a Susana Domingues Gaspar, com cinco ranchos da zona do Ribatejo, da lezíria. A música dos ranchos folclóricos é coisa que não passa tanto pelas nossas pesquisas, mais centradas na música de raiz. Mas quando entra o Vira de quatro, do Rancho do Covão do Coelho, no ensaio com eles, sentimos o que se sente quando ouvimos uma música que achamos que é fora de tudo o resto. Tentámos descodificar a letra, que era difícil de perceber, uma rapariga do rancho foi a casa da avó dela buscar um calhamaço cheio de letras impressas em folhas amarelas e lá estavam as duas primeiras quadras. Porque quem se lembrava da letra toda, que era bem maior, tinha envelhecido muito e esquecera o resto.” Então foi a partir das duas quadras existentes que a Criatura escreveu o resto, enquanto fazia um arranjo para “a música durar mais”, de 1m46s para uns 6 minutos.
Nesta adaptação foi tida em conta a temática original, diz Gil Dionísio: “Esta é uma música sobre o trabalho e também sobre o amor, o amor ao trabalho ou o trabalho que o amor merece ter. E é curioso que surja em 2022, quando se está a pensar o trabalho e aquilo que a nossa vida representa simbolicamente para o trabalho. Há dias, li uma notícia do PÚBLICO onde se dizia que as gerações mais novas estão a afirmar, pela primeira vez, ‘nós não somos só trabalho’.” Edgar acrescenta: “Tal como no ‘bem bonda’ encontramos uma nova forma de dizer ‘já chega’, a labuta surge como uma palavra também esquecida lá atrás, para significar aquilo que é o trabalho. A letra diz mesmo: ‘Ó meu amor, se me queres amar labuta/ Nada na vida se alcança/ Sem dar sentido e amor à luta’. [há uma versão do tema Vira de quatro, no Vimeo, gravada só com o Coro dos Anjos].”
Entre o concerto de há um ano, no Maria Matos, também em Outubro, e aquele que agora se realizará no Capitólio, há uma diferença substancial, diz Edgar: “No Maria Matos a sala estava esgotada, mas com pessoas sentadas e de máscara [devido aos cuidados com pandemia] e agora temos o dobro da lotação, dá para 900 pessoas, em pé, e está a correr muito bem. Ainda por cima coincide com o encerramento da Womex Lisboa, onde também vou estar como convidado. A ideia é trazer pessoas de fora para poderem ver isto, porque também é um objectivo nosso ir para fora, apesar de termos uma estrutura grande.” Quanto ao que será possível ouvir no Capitólio, existe a promessa de novidades, em relação ao que a Criatura tem feito até aqui. Edgar: “Estamos num momento de criar uma ponte para aquilo que vier depois, em termos de edição. Mas também não queremos fechar a tour Bem Bonda porque ela ainda não passou por todo o lado.” Gil Dionísio diz, por sua vez: “É um semifecho. Há a sensação de que estamos a fechar um ciclo porque andamos há dois anos com o Bem Bonda na estrada, mas ao mesmo tempo este tema da Labuta, que foi entrando, é claramente um terceiro disco a meter-se ao vivo mais cedo do que esperávamos.”
Esse disco, segundo Edgar, poderá nascer de nova residência artística: “Este ano fomos vencedores do Prémio INATEL nos Iberian Festival Awards – que distingue artistas que estão a desenvolver trabalho cultural com impacto relevante – e com esse prémio ganhámos uma residência num hotel INATEL durante uma semana para toda a banda. Estamos ainda para marcar essas datas, mas acreditamos que desse encontro muito se irá avançar no sentido da criação do terceiro álbum.”