Maria da Graça Carvalho: “No acordo a três do Corredor de Energia Verde, Portugal é que sai pior”

O PSD vai pedir explicações ao Governo sobre se nas negociações para o Corredor de Energia Verde, Portugal e Espanha terão desistido de duas ligações eléctricas a Espanha. Isto deixa-nos com menos hipóteses de exportar electricidade, diz a eurodeputada.

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É "necessário fazer grandes alterações" aos gasodutos para trasportarem hidrogénio, diz Graça Carvalho Miguel Manso

Maria da Graça Carvalho, eurodeputada do PSD, é vice-coordenadora do Grupo do Partido Popular Europeu na Comissão da Indústria, Investigação e Energia do Parlamento Europeu. Diz que o Corredor de Energia Verde só merecerá o título de “verde” quando forem feitos investimentos avultados para que, em vez do gás que correrá inicialmente no gasoduto entre Barcelona e Marselha, possa passar a transportar hidrogénio verde.

O que significa para Portugal este acordo com Espanha e França, apresentado na quinta-feira como vocacionado para o transporte de hidrogénio verde, embora também para gás?
O primeiro ponto é que esta ligação que foi acordada, entre Barcelona e Marselha, e o troço que liga Celorico da Beira a Zamora, é vantajosa para o mercado interno europeu, porque vai diminuir o isolamento da Península Ibérica. Agora só estará preparada para [transportar] hidrogénio quando todo o gasoduto estiver adaptado ao hidrogénio. Percebo que se chame “verde” ao projecto, mas isso requer bastante investimento.

Segundo, com a parte de Celorico para Zamora teremos uma ligação a Barcelona, mas estaremos a competir com sete portos espanhóis [onde chegam navios que transportam gás natural liquefeito], e um muito perto, Barcelona. Diria que o acordo indirectamente é positivo, mas é mais positivo para Espanha do que para nós.

Mas é bom para a Europa, porque completa o mercado interno. Agora seria mais cautelosa quanto à parte “verde” e aos grandes benefícios para Portugal. Para já, não é um corredor verde, ainda é preciso bastante investimento.

Além disso, ainda não está muito claro, mas parece que duas interconexões eléctricas através dos Pirenéus, que estavam previstas, foram deixadas cair em favor desta solução. Se isto se confirmar, e tudo leva a crer que sim, também não foi uma boa opção, porque Portugal tem muito interesse em exportar energia eléctrica, até talvez mais do que gás, porque o gás é importado, e podemos produzir muita energia eléctrica renovável.

Vamos pedir explicações ao Governo sobre isto [o comunicado final do Governo português sobre o acordo não menciona os projectos das ligações dos Pirenéus]. Mas o que parece é que neste acordo a três Portugal é que sai pior, porque a França não queria as interligações eléctricas [nos Pirenéus], porque quer proteger o seu sector eléctrico nuclear, e a Espanha ganha muito no gás. Nós, para exportarmos o gás, ainda temos de competir com os outros portos [espanhóis], e ficamos com menos ligações com o resto da Europa para exportar a electricidade que é produzida em Portugal. Saímos a perder.

É possível dar uma ideia de quanto tempo pode levar a adaptação do gasoduto ao hidrogénio?

Estamos a falar em projectos que demoram dois a três anos, na perspectiva mais optimista.

O que é que é preciso fazer, em concreto?
Todo o início e o fim do gasoduto precisa de ser adaptado, porque a densidade e as propriedades do gás natural e do hidrogénio são diferentes. Se forem gasodutos antigos, até o próprio material de que são feitos tem de ser mudado. São necessárias grandes alterações.

Pode dar uma ideia de como será o hidrogénio verde que poderemos produzir em Portugal para ser transportado por esta infra-estrutura?
O hidrogénio não é uma fonte de energia, é um veículo de energia, como a electricidade. Portanto, precisa de electricidade para ser produzido e chama-se “verde” quando é produzido com electricidade renovável. Como nós temos por vezes excesso de electricidade renovável e ainda não temos uma boa solução tecnológica para armazenar electricidade, uma forma de o fazer é usá-la para produzir hidrogénio a partir da água: com a electrólise, separamos o oxigénio do hidrogénio, e produzimos hidrogénio.

Depois o hidrogénio é mais fácil de armazenar e de transportar, e tanto pode ser transportado por navios como por gasodutos adaptados. E é essa a ideia: usar o nosso potencial eólico e solar para produzir hidrogénio e exportá-lo. O nosso mercado não será suficiente [para absorver] e precisaremos de o exportar.

Há já um mercado crescente de hidrogénio?
Há um mercado crescente, sim, em especial no Centro da Europa, Alemanha, Países Baixos, que têm uma indústria que precisa bastante de hidrogénio. Em Portugal ainda há pouca procura. Há esforços do Governo para desenvolver esse mercado, que está essencialmente nestes países mais industrializados.

Acha que este projecto pode enfrentar a oposição de outros países europeus?
Não, penso que não, porque há consciência de que é preciso fazer as últimas ligações do mercado interno de energia. Outros países vão querer também completar as suas ligações, como os bálticos, a Grécia. A Península Ibérica é talvez o exemplo mais gritante em termos de isolamento, mas vamos ter de olhar para as redes europeias de electricidade e gás e completá-las. Por isso, acho que todos vão apoiar o acordo. Se não estivermos interligados, estamos muito mais dependentes de fornecedores únicos, como é o caso da Alemanha em relação à Rússia. Se estivermos todos ligados, toda a Europa pode usar fornecedores que chegam a outros países, a outros portos, e é muito mais fácil diversificar.