Jovens em burnout encontram refúgio numa ilha tranquila de Hong Kong
A ilha de Peng Chau, a poucos quilómetros de Hong Kong, está a tornar-se no refúgio para muitos jovens, que querem fugir do stress e da repressão policial.
Algo mudou instantaneamente para Zero Chan quando pisou, pela primeira vez, a ilha de Peng Chau, que fica a uma curta viagem de ferry da região administrativa de Hong Kong, numa altura em que a jovem se sentia em burnout e a recuperar de uma doença.
“Quando apanho o ferry de volta, é como um ritual de limpeza. Consigo dormir, ler ou fazer as minhas próprias coisas. Já me sinto recarregada”, referiu a antiga produtora de filmes à agência Reuters.
A ilha oferece um valioso meio-termo para pessoas como Chan, que procuram deixar para trás o stress acumulado de acontecimentos como os protestos pró-democracia, que ocorreram em 2019, a repressão pela segurança nacional que se seguiu e, mais recentemente, rigorosas medidas de contenção contra a covid-19.
Estas mudanças transformaram a vida de quem habita no centro financeiro, levando centenas de milhares de pessoas a partir para o Reino Unido, Canadá e Taiwan. Mas Zero Chan manteve-se em Hong Kong.
“Numa altura em que muitos dizem que Hong Kong já não é a mesma, eu sinto cada vez mais a necessidade de ficar, de ver o que posso fazer”, mencionou Chan, que coordena um estúdio de yoga e meditação na ilha de Peng Chau, depois de ter feito uma primeira visita à ilha em 2020.
Donas de casa, empregados de escritório e reformados são algumas das pessoas que frequentam o pequeno estúdio de yoga e meditação. Todas as manhãs, Chan toma o pequeno-almoço e bebe chá numa mesa branca de ferro fundido virada para o mar, colocando os pensamentos em dia.
“As pessoas precisam de espaço, mas há tanto barulho na cidade. Agora, estou muito mais feliz”, indica a budista de 36 anos.
Alguns especialistas dizem que há uma tendência crescente de comunidades alternativas, que podem estar ligadas aos protestos de 2014 e 2019, que se opuseram a um apertado controlo da China sobre a antiga colónia britânica.
“Esses eventos sociais são importantes catalisadores. Face a todas estas mudanças, todas estas tensões e todos estes conflitos, penso que é inevitável que pessoas de todas as gerações tenham de reflectir sobre o que está a acontecer e o que significa a vida”, aponta Ng Mee-kam, uma professora de Estudos Urbanos na Universidade de Hong Kong.
Os recém-chegados, que são atraídos por um estilo de vida idílico e rendas baixas num dos mercados imobiliários mais caros do mundo estão a rejuvenescer em Peng Chau, invertendo um êxodo da década de 1970, quando as fortunas desapareceram da área, devido à falência da maior fábrica de fósforos de Hong Kong.
Muitas casas da ilha, que estavam degradadas, foram, entretanto, renovadas, assim como complexos de betão, que estavam abandonados, como era o caso da fábrica de couro Fook Yuen, foram transformados em espaços de arte, com um “jardim secreto” e graffittis.
Cafés, pequenas lojas e uma livraria independente começaram a aparecer ao lado de templos tradicionais chineses, de lojas familiares e restaurantes.
“O meu professor de carpintaria veio recentemente visitar-me. Ficou bastante surpreendido e perguntou-me se nós, jovens, podemos realmente viver os nossos sonhos”, contou Jesse Yu, que se mudou para a ilha para seguir o sonho de ser carpinteiro e actualmente tem uma pequena oficina instalada no interior do apartamento de 9,3 metros quadrados.
“O meu sonho está apenas a uma parede de mim. Gosto de fazer trabalhos em madeira por causa da liberdade que isso me dá”, referiu Yu, que trabalha também como freelancer na área da comunicação empresarial.
No entanto, apesar de uma tendência crescente de procurar estilos de vida mais tranquilos nas ilhas, bem como nas aldeias, estes espaços começam agora a estar ameaçados por novos e grandes projectos de desenvolvimento, descreveu a professora universitária.
“As fronteiras para a geração mais jovem ter espaço para explorar estes estilos de vida alternativos estão a diminuir, por isso penso que nós, como sociedade, precisamos de ser muito cuidados”, mencionou Ng Mee-kam.
Taki Chan, uma professora universitária que se mudou para a ilha este ano, valoriza o sentido de comunidade. Tornou-se rapidamente amiga de um grupo de mulheres, que se reuniam durante um passeio. Depois desta experiência, Chan decidiu juntar-se novamente ao grupo de mulheres para um mergulho, apesar de se sentir indisposta.
“Depois de me mudar para Peng Chau percebi que já não preciso de emigrar. Há aqui muitos recursos para ajudar a rejuvenescer, como as pessoas, o ambiente natural e tranquilo.”