Expandiu-se uma área marinha protegida e as zonas vizinhas terão ficado com mais peixes
Estudo indica que a expansão recente daquela que hoje é a maior área marinha protegida do mundo, no Havai, já estará a ser benéfica para a conservação e o aumento populacional de espécies migratórias de peixe com interesse económico.
Corria o ano de 2016 quando, em Agosto, o Governo de Barack Obama expandiu os limites do Monumento Nacional Marinho Papahanaumokuakea (ou, para simplificar, PMNM, na sigla inglesa), uma área marinha protegida situada no Havai. Com isto, a PMNM passou a ser a maior área marinha protegida do mundo, com uma extensão de mais de 1,5 milhões de quilómetros quadrados. Agora, um estudo científico indica que a expansão poderá ter ajudado ao aumento das populações fora da PMNM de duas importantes espécies migratórias de peixe: o atum albacora (Thunnus albacares), adepto de águas tropicais, e o atum-patudo (Thunnus obesus), que, segundo a classificação da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla inglesa), é uma espécie “vulnerável”.
O estudo, publicado na última edição da revista Science, teve como objectivo tentar perceber se, num espaço de tempo que não deixa de ser extremamente curto, a expansão da PMNM levou ao chamado “efeito de derrame”, que ocorre quando as limitações que são impostas dentro de áreas marinhas protegidas acabam por beneficiar também áreas circundantes (uma área marinha protegida, recorde-se, é uma zona delimitada e gerida por legislação específica, criada para conservar a biodiversidade e os habitats que alberga).
Para que não sejamos muito abstractos, convidamos o leitor a fazer um exercício mental connosco. Imagine um peixe que, numa determinada zona, costuma ser muito apanhado por pescadores. Com a criação de leis nessa mesma zona que proíbem a pesca e outras actividades potencialmente danosas para a vida selvagem, a população recupera, multiplicando-se o número de indivíduos. Ora, estes podem não se cingir aos limites da área marinha protegida (afinal de contas, para eles o mar não tem fronteiras). Tanto há os que por ali ficam como há os que, curiosos, decidem nadar até às zonas circundantes.
Jennifer Raynor, John Lynham e Sarah Medoff, autores do estudo publicado na Science (Sarah Medoff é a investigadora principal), explicam que há um positivo “efeito de derrame” quando uma espécie de peixe começa a ser mais pescada numa zona perto de uma área marinha protegida do que seria se tal área nunca tivesse sido criada.
O trio serviu-se de dados do Programa de Observadores da Região das Ilhas do Pacífico, que recolhe informações sobre a actividade de embarcações norte-americanas, para tentar perceber se é possível identificar um “efeito de derrame” nas zonas perto da área protegida. Os investigadores concentraram-se no albacora e no atum-patudo, pois estas são as espécies que os pescadores na área de estudo mais apanham. Dado que a PMNM foi ampliada em 2016, foram analisados dados compreendidos entre 2010 e 2019. Uma janela temporal curta, mas que permitiu o estudo não só do “antes” como também do “depois” da ampliação.
As zonas perto da PMNM foram divididas consoante o número de milhas náuticas que distam da área protegida. Foram analisadas as designadas “taxas de apanha” — que, aqui, remetem para o número de albacoras e atuns-patudos apanhados por cada 1000 anzóis atirados ao mar — em regiões a uma distância de até 600 milhas náuticas da PMNM.
Mais estudos precisam-se, mas os números são positivos
Os resultados: desde que a PMNM foi expandida que a pesca de albacora e atum-patudo tem crescido nas zonas perto da área marinha protegida. Mais: quanto mais perto da PMNM estavam as embarcações (distâncias de até 100 milhas náuticas), mais conseguiam pescar, o que poderá reforçar a ideia de que a maior abundância de albacora e atum-patudo deriva, pelo menos em parte, da expansão dos limites da PMNM, expansão essa que permitiu uma melhor conservação destes animais.
Com o engrandecimento da área marinha protegida, a taxa relativa à apanha de albacora subiu mais de 50% nas tais distâncias mais curtas de até 100 milhas náuticas. A da apanha de atum-patudo também saltou, embora não tanto (12%).
Os autores do estudo sublinham que estudos futuros devem procurar confirmar se este aumento não se deve simplesmente ao facto de, perante a ampliação da PMNM em 2016, as embarcações terem começado a pescar mais intensamente nas zonas circundantes. Feita esta observação, dizem identificar na sua análise os “sinais” que sugerem a existência de um possível “efeito de derrame”.
Um dos sinais: o aumento das taxas de apanha não foi “imediato”, tendo ocorrido de forma gradual ao longo do (pouco) tempo desde que se deu a ampliação da PMNM. Poder-se-á, então, dizer que esta ampliação foi benéfica “tanto para os peixes como para os pescadores”, conforme sintetizou à revista Nature, numa notícia sobre o estudo, a co-autora Jennifer Raynor.
A ideia de que “as áreas marinhas protegidas beneficiam as pescas” já era exposta ao PÚBLICO em 2018, então por Alan Friedlander. “Se as áreas marinhas protegidas forem bem concebidas e aplicadas, teremos dentro delas uma maior abundância de peixes e peixes maiores. Com peixes grandes nas áreas protegidas, há um benefício duplo não só de proteger a população como também de aumentar a quantidade de reprodução que vai para fora das áreas protegidas. Desta maneira, também podem beneficiar-se áreas fora das áreas protegidas. Chama-se o ‘efeito de derrame’. Os peixes adultos deixam as áreas protegidas, porque a sua densidade é muito alta, e os pescadores apanham-nos”, explicava-nos há quatro anos o cientista-chefe do Mares Prístinos, projecto de conservação do oceano da National Geographic.
Muitos países afirmaram, mais ou menos recentemente, que pretendem proteger 30% dos seus ecossistemas marinhos (e também 30% dos seus ecossistemas terrestres) até 2030. Portugal é um desses países: António Costa vinculou-nos à chamada meta “30x30” na Conferência dos Oceanos da Organização das Nações Unidas, que decorreu em Lisboa entre 27 de Junho e 1 de Julho deste ano.