Apenas seis centrais de biomassa em Portugal apresentaram até 2020 planos de sustentabilidade, revela a associação Zero numa nota de imprensa. Os ambientalistas temem “que exista um completo descontrolo quanto ao funcionamento” destas unidades, que são infra-estruturas destinadas à produção de electricidade a partir da queima de resíduos florestais.
Das 13 unidades que, há dois anos, operavam no regime remuneratório majorado de electricidade, apenas seis tiveram esta documentação avaliada pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), refere o comunicado da Zero. Desse grupo, apenas quatro centrais tiveram parecer favorável. Além disso, uma obteve uma avaliação negativa e a outra, um parecer favorável condicionado.
No Dia Internacional da Acção sobre a Biomassa em Grande Escala – assinalado esta sexta-feira, dia 21 de Outubro –, a Zero manifesta inquietação com possíveis “situações de incumprimento da legislação em vigor”, com “a ausência de fiscalização por parte das entidades competentes” e, por fim, com o facto de as unidades incumpridoras continuarem a ter acesso a um pagamento maior pela energia que produzem.
“Queimar madeira boa”
Esta vantagem deve-se ao facto de, pelo menos em teoria, estarem a valorizar energeticamente raízes e outros restos vegetais que, de outro modo, iriam para o lixo. O que a Zero afirma, no entanto, é que nem só de resíduos florestais vivem as centrais de biomassa. Há troncos completos que também são queimados para a geração de energia eléctrica, garante a associação.
“Parece-nos insustentável que o consumidor pague a mais por electricidade obtida a partir de fontes que são só supostamente renováveis”, diz ao PÚBLICO Nuno Forner, especialista da Zero nas áreas de bioenergia, florestas, mineração e biodiversidade, numa conversa telefónica.
No comunicado enviado às redacções, a associação alerta para a questão da “utilização insustentável da biomassa florestal para a produção de energia”, denunciando o facto de as políticas de promoção de energias renováveis “não acautelarem de forma séria” a utilização da floresta. Isto porque, em vez de estarem a contribuir para a redução de gases de efeito estufa, as centrais de biomassa estariam a queimar não só resíduos florestais mas também madeira, “implicando uma maior libertação do CO2 ali armazenado para a atmosfera”, refere Nuno Forner.
A Zero insta as autoridades a “tomar as devidas diligências” para “avaliar o grau de aplicação do pagamento majorado [da electricidade produzida nas centrais] enquadrado no Decreto-Lei 5/2011, e alterações seguintes, suspendendo no imediato o pagamento nas eventuais situações irregulares identificadas”.
Dois longos anos de espera
No documento enviado às redacções, a Zero afirma ter esperado durante “dois longos anos” para ter acesso à informação solicitada ao ICNF. O objectivo da Zero era consultar os planos de acção para uma década, contudo, segundo a associação, “a informação que foi facultada revelou-se incompleta”. Ainda assim, a documentação permitiu que a Zero constatasse que sete das 13 centrais que funcionavam no país há dois anos (hoje já são 15) não tiveram os seus planos de sustentabilidade avaliados.
Os ambientalistas argumentam que os planos disponibilizados pelo ICNF não permitiam avaliar a tipologia da biomassa florestal – ou seja, qual é a matéria que é queimada para produzir electricidade nas centrais? Trata-se de resíduos florestais, como previsto no diploma, ou madeira que poderia ser valorizada na indústria do aglomerado ou mobiliário, por exemplo? Sem respostas, os ambientalistas não conseguiram aferir quão sustentáveis são as unidades de biomassa em Portugal.
“Porque não aplicamos aqui a chamada ‘cascata de resíduos’, que é tão referida na economia circular? As centrais de biomassa deveriam queimar só os verdadeiros resíduos”, diz Nuno Forner. A ideia é enviar para as centrais de biomassa as matérias que já não podem ter outra forma de valorização a não ser a energética. Se a biomassa pode ser útil na indústria madeireira para a fabricação de painéis, por exemplo, então já não é um resíduo – mas sim um recurso.
Nuno Forner lamenta que Portugal esteja a “queimar madeira de qualidade”, como a de pinheiro-bravo, uma matéria-prima da qual temos falta. “É um contra-senso”, desabafa o ambientalista.
“Existe um défice estrutural de madeira de pinho em Portugal”, refere uma publicação do Centro Pinus. Em 2018, estimava-se que tal défice representaria “57% do consumo industrial nacional”. Entre as consequências deste cenário está não só a desflorestação e a perda de biodiversidade, mas também impactos sociais e económicos.
O especialista recorda que a ideia que presidia à criação das centrais de biomassa era, precisamente, a de prevenir incêndios florestais “valorizando energeticamente resíduos” que resultavam da limpeza de terrenos. Contudo, refere a nota de imprensa, aquilo que Portugal testemunha hoje é um mecanismo que “permite o perpetuar da queima de madeira de qualidade”.