António Saraiva quer criar em Portugal três centrais de dessalinização
Empresário lidera grupo de trabalho para “sensibilizar” o Governo para a “urgência” de avançar com a construção de unidades capazes de converter água do mar em potável. Investimento seria garantido pela iniciativa privada, diz o presidente da Confederação Empresarial de Portugal.
O empresário António Saraiva considera que a futura unidade de dessalinização no Algarve “não vai responder às necessidades de consumo” da região. E, por isso mesmo, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal tem liderado, a título pessoal, um grupo de trabalho para “sensibilizar” o Governo para a “urgência” de o país dispor de três outras centrais capazes de converter água do mar em potável.
Diferentes localizações foram consideradas para a central de dessalinização do Algarve, mas, agora, o concelho de Albufeira será provavelmente o local escolhido para a realização do estudo de impacte ambiental, referiu António Pina, presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve, em declarações à Rádio Renascença. Esta solução, aos olhos de António Saraiva, não resolve o problema de escassez de água em Portugal.
“Na nossa avaliação, a quantidade de água que será produzida [na central do Algarve] não é suficiente”, afirma ao PÚBLICO António Saraiva, numa conversa telefónica. A situação de seca severa que Portugal testemunhou este ano e a relação com Espanha no que toca à gestão hídrica dos rios internacionais são, para o empresário, dois indícios de que o problema da água veio para ficar. Para Saraiva, é imperioso “ter água em abundância” para todos os sectores, da agricultura ao turismo, passando pelo consumo das populações locais.
Saraiva garante que o grupo de trabalho, composto por “investidores nacionais apoiados por um fundo”, já se reuniu tanto com o Ministério do Ambiente como com o da Economia. “Temos vindo a sensibilizar o Governo, que se mostrou receptivo”, afirma. O investimento para os três projectos seria inteiramente suportado pela iniciativa privada, diz o empresário, não sendo necessários dinheiros públicos.
“O nosso maior problema futuro será a falta de água. Temos de nos apressar porque já estão todos a avançar. Se quisermos garantir o equipamento necessário, temos de avançar o quanto antes”, urge António Saraiva. O empresário lembra que Portugal não dispõe da tecnologia exigida, sendo necessário, portanto, contratualizar a aquisição de “equipamentos de origem japonesa” para que os projectos avancem atempadamente.
E os impactes ambientais?
No que toca especificamente à unidade prevista para o Algarve, a equipa de projectistas da COBA – Consultores de Engenharia e Ambiente, empresa a que foi adjudicado o projecto, propôs diferentes localizações para a unidade. Estes possíveis locais recaíam sobre a faixa que se estende entre Portimão e Tavira, sendo que a zona de Sotavento foi excluída, uma vez que abriga o Parque Natural da Ria Formosa, uma zona protegida. Agora, a hipótese que está sobre a mesa parece ser o concelho de Albufeira.
A geógrafa Maria José Roxo, especialista em seca hidrológica, afirmou ao PÚBLICO que, independentemente da localização desta ou de outras unidades, o que importa aqui é questionarmos a finalidade da água que será dessalinizada. “É preciso que digam claramente o que vão fazer com esta água – é para agricultura, é para a indústria do turismo ou é para consumo da população?”, pergunta a professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa.
Na perspectiva de Maria José Roxo, “Portugal está no caminho errado”. Isto porque, segundo a especialista, “estamos a aumentar a cultura de irrigação e a apostar em cultivos que não estão adaptados ao contexto mediterrânico – como o do abacate.”
A docente considera importante que se esgotem outras possibilidades antes de avançarmos para um projecto que implica custos ambientais significativos. “Deviam, por exemplo, ter aproveitado o período de seca durante o Verão para limpar as albufeiras”, afirma a docente. Os sedimentos que se acumulam durante todo o ano reduzem a capacidade de armazenamento das barragens. “São metros e metros de terra que, se removidos, poderiam aumentar a capacidade de retenção de água. Não limpar [estes depósitos] é um grande desperdício”, argumenta.
Entre os impactes ambientais estão não só a questão dos resíduos da operação de dessalinização (salmoura) e as emissões resultantes da produção, mas também o tipo de solo onde a futura unidade será erguida. E, nesse ponto, a localização importa. “Precisamos de saber de que tipo de solos se está a falar [na hipótese que estará sobre a mesa]. Porque se forem solos de excelente qualidade, como os da reserva agrícola nacional, será uma pena”, diz Maria José Roxo.
A salmoura é um subproduto tóxico dos processos de extracção de cloreto de sódio da água marinha. Um estudo das Nações Unidas, divulgado em 2019, revelava que as cerca de 16 mil unidades de dessalinização existentes no mundo geram fluxos maiores do que o esperado de águas residuais com elevados níveis de sal, além de substâncias poluentes. Segundo o documento, as centrais produzem diariamente cerca de 142 milhões de metros cúbicos de salmoura, 50% a mais do que as estimativas iniciais.
Maria José Roxo afirma que, se depositada no mar, mesmo que longe da costa, esta enorme quantidade de salmoura “acabará sempre por ter impacte no ecossistema”. “É sempre uma intrusão para a fauna marinha”, afirma a geógrafa.
Portugal já dispõe, há mais de 40 anos, de uma central capaz de converter água salgada em potável em Porto Santo, na Madeira. Esta unidade produz 6500 metros cúbicos de água por dia, considerados suficientes para abastecer toda a população da ilha. Agora, começam a emergir no país projectos para a construção não só de uma unidade no Algarve, mas também a sugestão de outras três propostas pela iniciativa privada.