44% dos portugueses têm uma opinião negativa sobre o funcionamento da democracia
Resultados do III Grande Inquérito sobre Sustentabilidade revelam pouca confiança no Estado e maior associação da sustentabilidade ao bem-estar, qualidade de vida e participação cívica.
O Estado português não tem sido capaz de reduzir as desigualdades e de promover a justiça e a equidade social, consideram 45% dos portugueses, segundo o III Grande Inquérito sobre Sustentabilidade, coordenado por Luísa Schmidt e Mónica Truninger, do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, e apresentado publicamente nesta quarta-feira.
Além disso, mais de metade dos inquiridos (54%) “têm uma opinião negativa sobre a distribuição da riqueza em Portugal”, 44% sobre o funcionamento da democracia e 42% sobre as instituições públicas. Entre as apreciações positivas, destacam-se a relativa às condições de habitação (63%), a vida em comunidade (58%) e a “vida em geral” (57%).
A ideia de que a sustentabilidade inclui o bem-estar e a qualidade de vida está a ganhar cada vez mais terreno, daí a relevância do tema do papel do Estado e das políticas públicas, explicam as responsáveis pelo inquérito, uma iniciativa da Missão Continente proposta ao ICS em 2015. Os resultados, lê-se no relatório final do inquérito a 1520 residentes em Portugal continental, apontam “para a existência de lacunas importantes que será importante colmatar para que Portugal possa, de facto, ser um país que promove o bem-estar”.
Quando se pede que identifiquem duas palavras ligadas à ideia de sustentabilidade, 14,7% dos que respondem (há 28,8% sem resposta) escolhem Ambiente e Natureza, 14,1% Reciclagem e Reutilização, e 13,3% Rendimento e Subsistência, mas são já 11,6% que referem Civismo e Mudança Social e 10,1% que optam por Cuidar e Bem Comum. Estas escolhas mostram uma evolução no entendimento do conceito relativamente aos inquéritos anteriores, sublinham as autoras.
Nas várias perguntas que visam medir o grau de satisfação dos portugueses com o papel do Estado, há uma percentagem significativa de inquiridos que manifesta uma opinião negativa. A redução das desigualdades é o ponto mais crítico, mas são 40% os que pensam que o Estado não promove o envolvimento dos cidadãos nas decisões, 39,3% os que consideram que não garante “que todos têm o necessário para viver com conforto” e 38,9% os que acham que “não garante instituições eficazes capazes de assegurar o bem comum”.
Olhando para os próximos cinco anos, o que mais preocupa os portugueses (62,2%) é o acesso à habitação, enquanto 46,9% têm dúvidas sobre a sua capacidade de suportar os consumos domésticos. De uma forma mais geral, existe uma preocupação (47%) com as condições ambientais para as gerações futuras. No ponto que mede o optimismo em relação ao futuro, destaca-se o número elevado (34,7%) que concorda com a frase “se as coisas não mudarem muito rapidamente, uma catástrofe ecológica será inevitável”.
A fraca confiança no papel do Estado parece ter como contraponto uma procura crescente de apoio junto da família, dos amigos e das comunidades — no que parece ser um efeito pós-pandemia, há um aumento das refeições em conjunto, em família e com os amigos, assim como dos passeios em praias, parques e jardins e caminhadas ao ar livre em geral, assim como da frequência de cafés e pastelarias.
O inquérito revela também uma maior vontade e capacidade de intervenção cívica. Um terço dos inquiridos (36,1%) diz já ter participado numa iniciativa pró-ambiente, sendo metade destas acções a assinatura de uma petição.
Quando as perguntas se centram nas questões ambientais, as que mais preocupam os portugueses são os incêndios florestais (46,7%), a escassez de água (31,8%), as alterações climáticas (27,9%) e o desperdício alimentar (também 27,9%). Feita a comparação com as respostas dadas no inquérito de 2018, o que as autoras verificam é que “os portugueses aumentam a preocupação relativamente às alterações climáticas, aos incêndios florestais e à escassez de água potável”, o que atribuem, em parte, ao facto de estes serem os temas com maior presença mediática.
O aumento das preocupações com o ambiente e a crise climática parece levar os cidadãos a adoptar medidas concretas: 40,7% passaram a reaproveitar refeições, levando marmita para o local de trabalho, enquanto 22,2% começaram a cultivar uma horta e 48,9% reduziram o consumo de plásticos descartáveis.
Menos carnes vermelhas
Relevante é também a alteração de hábitos alimentares, nomeadamente a redução do consumo de carne. Comparando com os dados do inquérito de 2018, há uma descida no número de refeições com carnes vermelhas (de uma média semanal de 3,65 para 3,10), nas de carnes brancas de aves (de 4,73 para 4,64), um pequeno aumento das refeições com peixe (de 3,50 para 3,71) e das refeições sem carne (de 1,95 para 2,23).
Um dado curioso: 55% sentem-se “informados ou muito informados” relativamente à literacia alimentar (apenas 11% consideram-se pouco informados), mas 56,2% dizem obter a informação a partir da Internet e das redes sociais, nas quais circulam muitas informações falsas ou sem base científica, e não tanto junto dos serviços de saúde, médicos e nutricionistas. A mudança para uma alimentação mais saudável e sustentável nas escolas reúne um alargado consenso, mas é de salientar que são os jovens entre os 15 e os 24 anos os mais resistentes.
Uma medida que se destaca nas adoptadas na vida quotidiana (provavelmente pela poupança que permite) é a substituição de lâmpadas normais por lâmpadas de baixo consumo (63,4%). No extremo oposto, a medida menos adoptada (aqui provavelmente pelo investimento que implica) é a compra de um carro eléctrico — apenas 4,3% dos inquiridos o fizeram, sendo que 66,8% dizem usar frequentemente ou muito frequentemente o automóvel privado para se deslocarem, enquanto apenas 23,3% dizem o mesmo para os transportes públicos.
E estará Portugal “no bom caminho para realizar a transição verde?”. A pergunta deixa indecisos 43,6% dos inquiridos. Entre os que respondem, as opiniões dividem-se: 27% tendem a acreditar que sim e 21% pensam que não.
Apesar da indecisão neste ponto, o relatório final do inquérito sublinha que, precisamente porque o conceito de sustentabilidade evoluiu para algo “mais moderno, ligado à ideia de ‘civismo’, de ‘cuidar do bem comum’ e de ‘bem-estar’”, isto significa “uma maior atenção [dos portugueses] aos bens públicos comuns e também maior atenção e exigência face às políticas públicas transformativas no sentido da sustentabilidade”. E isso é uma boa notícia.