Estudante acusado de terrorismo: “Talvez fosse atirar cocktails Molotov e setas, esfaquear pessoas”
Desde que foi detido, o jovem agora com 19 anos esteve internado na ala psiquiátrica do hospital-prisão de Caxias. Alegou perante os juízes estar deprimido e ter sofrido uma desilusão amorosa.
O estudante de Engenharia Informática que planeou fazer uma matança na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em Fevereiro passado começou a ser julgado nesta terça-feira de manhã, no Campus da Justiça, em Lisboa. Expressando-se com alguma dificuldade, o jovem admitiu que se preparou para atacar quem estava num dos auditórios da escola a realizar um exame, no bloco 3.
“Talvez fosse atirar cocktails Molotov e setas, esfaquear pessoas”, explicou João, invocando como motivação para o acto que nunca chegou a cometer que se encontrava deprimido e o fim de um relacionamento com uma rapariga que nunca deixou de ser platónico. Isso e também fazer-se notado como assassino em massa, chamando assim a atenção da comunidade para a sua pessoa. Tanto podia matar três vítimas como mais — três seria o mínimo para o acto ser considerado um assassínio em massa. “Não pretendia atingir ninguém em especial”, garantiu, explicando que adiou a data do ataque quatro vezes: “Acho que não queria realmente fazer aquilo. Que não tinha coragem para matar ninguém.”
Para si próprio tinha planeado um fim igualmente trágico: se a polícia não o matasse cometeria suicídio. Iria esfaquear-se na barriga, como vira num videojogo. Questionado pelos juízes sobre o motivo pelo qual não procurou ajuda psiquiátrica para lidar com estes pensamentos recorrentes, João respondeu que achava que conseguia lidar com o problema sozinho. No hospital-prisão de Caxias o jovem voltou a ter acompanhamento na área da saúde mental e diz estar melhor. Agora já está convencido de que “moralmente é errado matar uma pessoa.”
Interrogado sobre o porquê de ter escolhido um recinto escolar para desencadear a matança, João respondeu que o público “sente maior fascínio” quando este tipo de crime envolve adolescentes a matar outros adolescentes. E era também esse o cenário de algumas bandas desenhadas japonesas de carácter violento e de alguns jogos de vídeo que consumia.
Apesar de nunca ter chegado a levar armas para a faculdade, João chegou a experimentar aparecer na escola com a mala de viagem onde as pensava transportar, para ver se isso levantava algum tipo de suspeita. Não levantou. A ideia era que o massacre não durasse mais de cinco minutos. “Como é que ia fazê-lo em cinco minutos?”, quis saber a procuradora que representa o Ministério Público no julgamento. A esta e várias outras perguntas o arguido respondeu da mesma forma: “Não sei.”
Com 19 anos e com síndrome de Asperger há muito diagnosticada, João ter-se-á começado a interessar por massacres logo aos nove. Despertou-lhe a curiosidade a forma como um jovem de 20 anos conseguira, no ano anterior, matar mais de duas dezenas de pessoas num ataque a uma escola no Connecticut.
Depois de sair da aldeia do concelho da Batalha onde cresceu com os pais para estudar em Lisboa, longe da família e praticamente sem relacionamentos senão os que mantinha online com outros jovens igualmente fascinados por matanças, esta sua obsessão intensificou-se. Ao que disse aos juízes, passava três horas por dia na internet.
“Estou sempre a pensar em matar pessoas”, escreve aos seus parceiros nas redes sociais. “Fui a uma loja e vi um martelo em exposição. Nessa secção só estava uma criança com a mãe. Pensei em esmagar-lhes a cabeça.” A violência gratuita não é dirigida apenas aos outros: “Se eu fosse brutalmente esfaqueado, seria épico.” Nalguns momentos revela lucidez: “Na verdade, deveria ir a um psiquiatra, mas esses sítios são uma seca.”
Compra o primeiro instrumento para o atentado na faculdade ainda em 2021, um arco e flechas. Desiste de levar armas de fogo, perante a dificuldade em arranjá-las. “Eram muito caras e não se pode confiar em tudo o que aparece na internet”, explicou em tribunal, contando que ainda pesquisou sobre o assunto na darkweb.
Em meados de Janeiro deste ano o jovem foi obrigado a passar uma semana em casa dos pais, em isolamento profiláctico por causa da pandemia, e é nessa altura que lê uma história de banda desenhada cujo protagonista também leva a cabo um massacre. Resolve copiá-lo, segundo o que está descrito no processo que o PÚBLICO consultou.
Esconde o arsenal no quarto, onde também guarda garrafas com a sua própria urina, facas de combate, produtos inflamáveis, isqueiros, um pé-de-cabra. Umas coisas arranja-as online, outras vai comprá-las a uma loja chinesa.
É um interlocutor seu nas redes sociais, um norte-americano, que decide avisar o FBI quando João fala em “querer enlouquecer”, expressão que, na gíria usada neste submundo, significa perpetrar um ataque violento. Levara-o a sério, ao contrário de uma colega de curso nepalesa a quem tinha confidenciado tudo o que tencionava fazer.
O plano passava por matar “o máximo de pessoas” possível, ou pelo menos três, de forma aleatória. E ficar conhecido: “Seria fixe ser o pior assassino em massa em Portugal”, escreve nas redes sociais. Uma parte dele queria fazê-lo, outra não. Daí que tenha adiado o plano várias vezes. 11 de Fevereiro era a data que se seguia. “Não espero voltar vivo, tendo em conta que planeio matar o máximo de pessoas”, dizia na altura.
Avisada pelos congéneres norte-americanos, a Polícia Judiciária abortou o plano na véspera. Não foram encontrados na sua vida acontecimentos traumatizantes, familiares ou pessoais, que possam explicar como chegou a este ponto. Foi detido em casa e desde aí que se mantém na ala psiquiátrica do hospital-prisão de Caxias.
Está acusado de dois crimes de terrorismo, delito cuja tentativa também é punível, e ainda de um crime de detenção de arma proibida. Submetido a interrogatório em Março passado, disse que em parte se sentia feliz e aliviado por ter sido apanhado. Mas não foi taxativo: “Há muitas partes que querem diferentes coisas”, admitiu.
As perícias que lhe foram feitas descartam a inimputabilidade. O mundo alternativo em que vivia, dizem os psiquiatras forenses, “não corresponde a qualquer sintoma psicótico, antes a um mecanismo de adaptação de tipo imaginativo, de natureza escapista”. Ainda assim, no caso de vir a ser condenado, entendem que não deverá ir para a cadeia, e sim ser internado num estabelecimento destinado a inimputáveis, por no seu entender existirem pressupostos para uma “redução em grau ligeiro” da capacidade que o jovem tinha de avaliar a gravidade da sua conduta.
O advogado de João, Jorge Pracana, contesta a qualificação do crime como sendo de terrorismo e alega que o rapaz nunca iria ter coragem para levar a cabo os seus intentos. Afinal, observou à entrada do tribunal aos jornalistas, “todos nós somos pais, temos filhos, e podia acontecer-nos qualquer coisa do género”.