Moro e Bolsonaro fizeram as pazes para enfrentar o adversário de sempre
Há pouco mais de dois anos, o ex-juiz abandonava de rompante o Governo de Bolsonaro, acusando-o de interferir na Polícia Federal. O agora senador eleito parece ter esquecido a inimizade e volta a ser um aliado do bolsonarismo.
Um dos momentos mais importantes do debate do último domingo entre Jair Bolsonaro e Lula da Silva não aconteceu na troca de insultos e acusações entre os dois, mas sim nos bastidores. Durante os momentos de pausa, Bolsonaro era visto a sentar-se frequentemente com aquele que é nada menos do que o símbolo maior da Operação Lava-Jato: Sérgio Moro, responsável pela prisão do agora líder das sondagens para as eleições presidenciais e principal obstáculo para a permanência do actual Presidente no Palácio do Planalto.
Já se sabia que Moro apoiava publicamente Bolsonaro, mas a sua aparição como conselheiro de primeiro plano do Presidente surpreendeu grande parte do mundo político brasileiro. Ao longo de todo o debate, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública foi publicando ataques sucessivos a Lula na sua conta de Twitter, encenando uma espécie de debate paralelo. “Lula continua o mesmo malabarista. Sabe usar as palavras para sustentar mentiras. Cara de pau. A corrupção do Governo Lula é que quebrou as empresas e quase quebrou a Petrobras” foram alguns exemplos das alfinetadas de Moro em tempo real.
No final, o senador recém-eleito deixou mais um apelo que põe a nu as suas intenções futuras. “Fazer a coisa certa agora é derrotar o Lula e o projecto de poder do PT [Partido dos Trabalhadores] e depois, como senador independente, trabalhar pelo Brasil”, escreveu no Twitter.
Até há poucos meses esta cena seria altamente impensável. Em 2020, pouco mais de um ano depois de ter aceitado o convite para integrar o Governo de Bolsonaro, Sérgio Moro abandonava o cargo de ministro da Justiça com acusações graves contra o chefe de Estado de interferência na nomeação da chefia da Polícia Federal. Em causa, segundo o ex-juiz, estaria a intenção de Bolsonaro em controlar a polícia de forma a travar investigações em curso que visavam os filhos e outros aliados. No mês passado, a Procuradoria-Geral da República pediu o arquivamento das investigações a essa alegada interferência, concluindo não haver qualquer indício de crime na conduta do Presidente.
Desde que Moro saiu, a bandeira anticorrupção que foi instrumental para que Bolsonaro vencesse as eleições de 2018 foi perdendo importância, à medida que o próprio Presidente se viu envolvido em alguns casos. Para além disso, para garantir a sobrevivência política no Congresso, Bolsonaro fechou alianças com os partidos do chamado “centrão”, que incluem alguns políticos sobre os quais pendem acusações, e até condenações, decorrentes da Lava-Jato.
Bolsonaro chegou a vangloriar-se de ter acabado com a Operação Lava-Jato, porque “já não existe mais corrupção no Governo”. A verdade é que os últimos tempos não foram fáceis para os defensores da mega-operação de investigação que não deixou pedra sobre pedra na política brasileira. As revelações feitas pelo site The Intercept que expuseram abusos cometidos pelos procuradores e pelo próprio Moro na condução das investigações abalaram a sua reputação.
Moro ainda ensaiou uma tentativa de lançar uma candidatura à presidência, mas acabou por desistir por falta de apoio político e popular. Optou por uma candidatura ao Senado federal pelo Paraná na qual foi bem-sucedido.
A reaproximação a Bolsonaro está a ser interpretada pela imprensa brasileira como um casamento de conveniência, movido mais pelos interesses imediatos das duas partes do que pelo apego a princípios ideológicos. Para o actual Presidente trata-se de um trunfo importante no contexto da batalha travada contra Lula. Com Moro de novo ao seu lado, Bolsonaro terá ainda mais munições para visar o candidato do PT recorrendo à Lava-Jato. O epíteto de “ex-presidiário” atribuído por Bolsonaro a Lula tem sido recorrente, por exemplo.
Já para Moro, o grande objectivo é que a aliança com Bolsonaro o ajude a superar o isolamento político a que tem sido votado, apesar de não só ter conseguido ser eleito senador como ter visto o ex-procurador Deltan Dallagnol assegurar um lugar como deputado federal. Por outro lado, Moro tem igualmente em vista o cenário de uma eventual derrota de Bolsonaro contra Lula e a reaproximação ao bolsonarismo seria uma forma de se colocar na pole position para liderar o antipetismo nos próximos tempos.
O jornalista Carlos Andreazza, do jornal O Globo, descreve a reaproximação entre Moro e Bolsonaro como “uma relação muito circunstancial, que pode ser bem-sucedida agora, mas que não prospera”.