Marcos Valle canta um Brasil cinzento mas com esperança de “voltar à vida”

Nome histórico da música do Brasil, Marcos Valle passa por Portugal numa maratona europeia de concertos e traz um novo álbum: Cinzento, rosto de um Brasil a ansiar por melhores dias. Começa esta quarta-feira, no Casino do Estoril, às 21h30.

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Marcos Valle DR

No Verão de 2019 vimo-lo em Lisboa, no espaço TimeOut, e no Festival de Espinho, com a orquestra de jazz local. Agora, o cantor e compositor brasileiro Marcos Valle, autor de canções que se tornaram clássicos como Preciso aprender a ser só ou Samba de Verão, regressa a Portugal no meio de uma digressão europeia que começou dia 15 em Paris, depois Colónia e Berlim antes de actuar no Casino do Estoril (dia 19, esta quarta-feira) e em Lisboa, no Musicbox (21, já esgotado). Daí seguirá para Santander, Manchester, Londres, Madrid e, por fim, o Porto, no Ateneu Comercial (dia 29).

Se em 2019 trazia Sempre, que descrevia como “um disco bem p’ra cima, com muito ritmo, que mostra o meu lado pop”, agora traz um outro que é mais melancólico, reflexo da actual situação do Brasil. “Quando gravo um disco”, diz Marcos Valle ao PÚBLICO, por telefone, “não penso muito no que era o anterior. Porque como a minha música é muito ecléctica, muito variada, eu deixo que o momento conduza o que vou fazer. Quando gravei Cinzento, lembrei a época em que gravei o Previsão do Tempo [1973]. Tinha os grooves, os ritmos, mas não era um disco com muita instrumentação, era um pouco mais acústico, baseado no meu Fender Rhodes, nos meus teclados.”

Ao mesmo tempo, reflectia a época: “Porque no nome Cinzento, que é uma música minha com o Emicida, eu queria simbolizar um pouco o que a gente estava vivendo, quando o momento cultural para o Brasil estava (e continua, até às eleições, agora) muito confuso, devido à pouca valorização da cultura por esse Governo actual, que não dá apoio aos artistas. Havia uma situação cinzenta, um pouco nublada. E eu quis trazer essa ideia para o disco, mostrando que era uma época muito difícil, em termos de cultura, para o nosso país.” O paralelo com Previsão do Tempo tem ainda outro motivo: “Porque ele saiu na época da ditadura, uma época muito complicada para a cultura, com censura e essas coisas todas. Então, vi uma certa semelhança, porque estavam relançando esse disco na mesma gravadora onde fui gravar o Cinzento.”

Cinzento é um disco de parcerias, onde o nome de Marcos Valle surge ao lado de uma série de outros, como Paulo Sérgio Valle (Nada existe), Ronaldo Bastos (Posto 9) ou Jorge Vercilio (Só penso em jazz), mas também Emicida (Reciclo e Cinzento), Kassin (Lugares distantes), Bem Gil (Se proteja), Domenico Lancellotti (Pelo sim pelo não), Moreno Veloso (Redescobrir) ou Zélia Duncan (Rastros raros). “O que eu queria, ao lado dos parceiros que eu já tinha, com o meu irmão Paulo Sérgio ou como o Ronaldo Bastos, era trazer parceiros novos, de outras gerações, artistas que eu admirava e que se diziam influenciados pela minha música.”

Foi então que pensou em fazer as melodias inteiras, deixando as letras por conta de cada compositor convidado. “Para falar a verdade, nem sugeri nenhum tema, mas todos eles vieram com letras interessantíssimas. Parece que eles estavam sentindo o que eu estava sentindo. Porque algumas letras vinham com uma preocupação social e outras com amor. E o amor também é muito importante nesse disco, porque também está faltando amor nesse momento em que gente vive. O povo brasileiro sempre foi muito feliz, muito alegre, e ficou meio triste, ficou brigando por causa de política. E o amor é um antídoto para essa situação.” Que Marcos Valle espera que se altere agora com as actuais eleições. “Espero que realmente a coisa mude, para que a gente possa voltar ao que nós éramos anteriormente.”

A digressão europeia que o traz de volta a Portugal baseia-se no novo disco, afirma: “É muito baseada no Cinzento, mas toco também coisas que gravei após o Cinzento. Por exemplo, Vida, que eu fiz com uma artista da nova geração, Liniker, e que é uma celebração à vida, de esperança, vamos voltar à vida. Lógico, estamos falando também da pandemia, com a ideia de nos reunirmos, de ser felizes, de viver. É uma música novinha, que eu fiz com a Liniker e que vou cantar as primeiríssimas vezes nessa tournée. Tem uma outra música minha, The mermaid (Sereia do mar), que o grupo Chicago gravou este ano. Eu fiz a música e o Robert Lamm, que é um dos fundadores do grupo, um dos vocalistas, gravou maravilhosamente. É uma bossa novinha, que vai ser interessante de tocar. Fora isso, logicamente vou trazer também algumas canções mais conhecidas, como Estrelar ou Samba de Verão. Mas vai ter muita novidade.”

Com Marcos Valle (voz, teclados), estarão em palco Renato Massa (bateria), Jefferson Lescowich (baixo), Jessé Sadoc (trompete e fliscorne) e Patricia Alvi (vocais). Finda a digressão europeia, espera-o o Festival Coquetel Molotov, no Recife: “Gravei uma música muito recente com um grupo chamado Jovem Dionísio, que já está com muito sucesso no Brasil, chamada Melhor do mundo. Acabou de sair. E nós vamos fazer uma apresentação juntos em Recife. Logo depois, vou começar a gravar o meu novo disco para a Far Out Records. Então não vou parar, não, já vou chegar trabalhando.”

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