Poluição libertada de destroços de navio com 80 anos continua a influenciar ecossistema marinho
Compostos derivados de petróleo, metais pesados e substâncias de explosivos foram detectadas em sedimentos à volta de destroços de navio no mar do Norte. Algumas substâncias poderão estar a ser libertas ainda hoje.
O John Mahn foi uma traineira alemã adaptada para se tornar um navio-patrulha na II Guerra Mundial, com o nome de V-1302. Como tantas outras embarcações, acabou por ser afundada durante o conflito de seis anos. A 12 de Fevereiro de 1942, alvo da força aérea britânica, o navio-patrulha desapareceu na região belga do mar do Norte. Oitenta anos depois, uma análise de sedimentos à volta dos destroços daquela embarcação mostra que as substâncias libertadas pelo navio continuam a influenciar o ecossistema marinho que se desenvolveu naquele lugar. A investigação foi publicada agora na revista Frontiers in Marine Science.
“O público em geral está muitas vezes interessado nos destroços marinhos devido ao seu valor histórico, mas o potencial impacto ambiental destes destroços é muitas vezes esquecido”, diz Josefien Van Landuyt, da Universidade de Ghent, na Bélgica, primeira autora do artigo e estudante de doutoramento, citada num comunicado da Frontiers, a editora da revista onde foi publicada o artigo.
A contabilização do lixo que o mar recebe devido às guerras é feita de estimativas. Pensa-se que haja no fundo dos oceanos entre 2,5 e 20,4 milhões de toneladas de “produtos de petróleo” originados nas duas guerras mundiais, refere o artigo. No mar do Norte, o fundo marinho conta com milhares de destroços de navios, aeronaves, além de milhões de toneladas de munições, adianta o comunicado.
“Ao contrário dos recifes artificiais – embarcações ou outras estruturas afundadas intencionalmente –, os destroços de navios de guerra foram afundados sem lhes terem sido retiradas as substâncias perigosas, muitas vezes ainda contêm reservas de crude ou outros derivados do petróleo e têm a bordo munições que ainda não foram usadas”, lê-se no artigo.
O trabalho agora feito pela equipa liderada por Nico Boon, também da Universidade de Ghent, surge no contexto do projecto internacional Destroços do Mar do Norte (tradução livre do nome em inglês North Sea Wrecks). Com equipas da Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Noruega e Países Baixos, o projecto está a estudar 20 destroços de tipos diferentes de navios naquele mar. A informação recolhida irá permitir desenvolver ferramentas para ajudar a avaliar o perigo ambiental de um determinado destroço.
No caso da equipa belga, “o objectivo foi verificar se os destroços do navio que investigámos influenciaram os sedimentos à volta através da condução das comunidades [de organismos] quer pela função de recife artificial, quer pelos micropoluentes que foram libertados (ou que estão ainda a ser libertados) dos próprios destroços”, explicou ao PÚBLICO Josefien Van Landuyt.
Para isso, foram retiradas amostras do casco do navio e dos sedimentos à volta dos destroços, em várias direcções e a diferentes distâncias. Os destroços do John Mahn situam-se entre 21 e 35 metros de profundidade. Quando foi construído, em 1927, o navio tinha 48 metros de comprimento e pesava 292 toneladas. Para a guerra, foi instalada artilharia e bombas de profundidade contra os submarinos. Dos 35 destroços de navios localizados no mar da Bélgica, este foi escolhido para ser estudado pela equipa “devido à presença conhecida de poluentes (reservas de carvão, bombas de profundidade) e pelas condições favoráveis de mergulho”, explica o artigo.
Poluição esquecida
“Detectámos baixas concentrações de compostos aromáticos policíclicos [que existem no carvão e em outros combustíveis fósseis], compostos de munições [como TNT] e metais pesados”, como o níquel e o cobre, explica a investigadora. As concentrações eram maiores nos sedimentos perto do reservatório de carvão.
“Verificámos pequenas mudanças na comunidade de micróbios, com um enriquecimento de microrganismos degradadores de compostos aromáticos nos sedimentos”, explica Josefien Van Landuyt. Ou seja, está a haver um impacto na vida marinha causado pelo John Mahn. “Isto sugere que os destroços terão libertado ou estão a libertar alguns daqueles compostos para os sedimentos. No entanto, estas concentrações são bastante baixas, estão abaixo dos níveis considerados perigosos para os humanos e para o ambiente”, assegura a cientista.
No artigo explica-se que há compostos encontrados nos sedimentos que podem subsistir no ambiente durante décadas. Por isso, provavelmente foram libertados há bastante tempo. Como outros compostos, também identificados nos sedimentos perto do navio, desaparecem em dias, isso significa que poderão estar a ser ainda hoje libertados dos destroços, em pequenas quantidades.
Mas a investigadora não dá certezas: “É difícil dizer se a libertação de componentes continua. Fizemos apenas uma única amostragem no tempo e os compostos [identificados] são de longa duração. Para se fazer uma avaliação correcta, teríamos de voltar aos destroços e retirar amostras várias vezes durante um período de tempo maior.”
Isso não retira a importância da investigação e dos resultados. “As pessoas costumam esquecer-se de que por baixo da superfície do mar, nós, humanos, já provocámos um grande impacto nos animais, plantas e micróbios que lá vivem e ainda estamos a produzir um impacto ao libertar químicos, combustíveis fósseis, metais pesados originados de destroços – alguns com uma centena de anos – que já nos esquecemos que estão lá”, sublinha Van Landuyt.