Impérios europeus deixaram marca que ainda perdura nas plantas de todo o mundo
Estudo analisou a biodiversidade de espécies vegetais exóticas em 1183 regiões do mundo e determinou que o perfil daquelas plantas é mais parecido nos territórios que foram ocupados pelo mesmo império.
A expansão e a colonização europeias ocorridas a partir do século XV iniciaram uma grande troca de espécies vegetais (e também de animais) entre os vários continentes habitados do mundo. A assinatura de como essa troca foi feita deixou marcas na biodiversidade vegetal dos territórios que foram colonizados. Uma nova investigação mostrou que regiões ocupadas no passado pelo mesmo império europeu apresentam hoje maiores semelhanças entre si em relação às espécies vegetais exóticas, avança um artigo publicado agora na revista Nature Ecology & Evolution. O antigo império português foi um dos que estiveram em análise.
“Compreender o passado pode ajudar-nos a explicar o que observamos hoje em termos de espécies exóticas distribuídas globalmente”, refere ao PÚBLICO Bernd Lenzer, primeiro autor do artigo, justificando a importância de se ir à procura do legado colonial em relação à flora exótica.
A equipa de investigadores analisou 19.250 plantas exóticas de diferentes espécies, subespécies e variedades que acabaram por desenvolver novas populações fora das suas geografias originais, naturalizando-se em diversas regiões do mundo. Muitas destas plantas têm um papel na alimentação humana, mas outras foram disseminadas por terem uma função ornamental e algumas transportadas por mero acaso. “Apesar de muitas espécies terem sido importantes por razões económicas, a sua naturalização e expansão resultou em alterações e na deterioração dos ecossistemas nas terras ocupadas”, lê-se no artigo.
A partir daquele universo de variedades, os cientistas foram analisar a marca que quatro antigos impérios europeus deixaram na distribuição actual de plantas exóticas. Os impérios escolhidos pelos cientistas foram o português, o espanhol, o britânico e o holandês. Para fazer o estudo, a equipa usou bases de dados das plantas exóticas de 1183 regiões do mundo, 779 situadas em continentes e 404 em ilhas.
De seguida, os investigadores usaram uma metodologia chamada “diversidade zeta”, que permitiu avaliar a semelhança da diversidade actual de plantas exóticas entre regiões que foram ocupadas pelo mesmo império e, depois, comparar essa semelhança com a semelhança existente entre regiões escolhidas aleatoriamente, mas com parecenças geográficas. Dessa forma, foi possível perceber se a dinâmica de cada império, com o seu movimento de pessoas e comércio internos, teve um impacto especial no perfil da diversidade vegetal exótica daqueles territórios, séculos depois.
Os resultados foram expressivos. De facto, regiões que foram ocupadas pelo mesmo poder colonial ainda hoje partilham mais espécies de plantas exóticas do que com outras regiões do mundo. Além disso, quanto mais tempo uma região foi ocupada pelo mesmo poder, mais semelhante é a sua flora exótica à de outras regiões que também pertenceram ao mesmo império. E, em geral, regiões que tiveram uma importância especial dentro de cada império (devido à sua situação geográfica, ou porque tinham um papel administrativo) também têm mais semelhanças entre si.
Ou seja, as trocas comerciais e o movimento de pessoas privilegiados entre regiões do mesmo império e o factor tempo foram determinantes para a disseminação das espécies vegetais exóticas. Outro factor importante foi o ambiente: tanto as semelhanças climáticas entre regiões como a interacção das espécies exóticas com as nativas tiveram, e ainda têm, um papel importante na história da sua disseminação.
“O colonialismo europeu conectou pela primeira vez todos os continentes [habitados] do mundo e levou ao estabelecimento de uma rede de navegação verdadeiramente global”, explica Bernd Lenzer, que trabalha no Departamento de Investigação de Biodiversidade e Botânica da Universidade de Viena, na Áustria. “Ao mostrar-se que os impérios europeus moldaram as floras globais de uma forma que hoje ainda se pode observar, isso indica que aquilo que estamos a fazer actualmente em termos da redistribuição de plantas e de outras espécies irá afectar a biodiversidade no futuro longínquo”, assegura o especialista.
Impacto de séculos
Apesar de as principais conclusões da análise se aplicarem aos quatro impérios, houve diferenças entre eles. Nas regiões ocupadas pelo império britânico, as espécies exóticas estão mais espalhadas do que nos outros três impérios. Bernd Lenzer associa esta característica tanto ao tamanho do império britânico, como ao desenvolvimento da tecnologia de navegação que este império foi sofrendo, como a introdução da máquina a vapor, que aumentou a capacidade de transporte dos ingleses. “Isto resultou num incremento da frequência e do volume do comércio, aumentado ainda mais a probabilidade de introduzir espécies”, argumenta o investigador.
Um dos resultados da análise foi ainda a identificação de regiões de biodiversidade similar em cada império, associadas a centros económicos. No caso do império português, há quatro regiões: os antigos territórios indianos e Timor-Leste; Moçambique; a cidade de Salvador da Bahia, no Brasil; e os Açores. No entanto, estes resultados estão limitados aos dados botânicos disponíveis. A costa ocidental africana, com territórios importantes, como Angola, não é referida no artigo. “Apesar de termos listas de espécies exóticas para a região [da África Ocidental], elas são menos completas do que para outras regiões do mundo”, justifica Bernd Lenzer.
Há outra limitação. Embora existam listas de plantas exóticas para múltiplos territórios, muitas vezes não se sabe quando é que as espécies foram introduzidas numa determinada região. “Não podemos dizer realmente quais as espécies que foram comercializadas na altura do império e quais chegaram mais tarde devido a actividades mais recentes”, admite o investigador.
No entanto, este trabalho é importante para o estudo da ecologia, defende por sua vez Nussaïbah B. Raja, do Departamento de Geociência e Geografia da Universidade de Erlangen-Nürnberg, na Alemanha, num comentário sobre o artigo publicado na mesma revista. Segundo a investigadora, muitas vezes os ecólogos consideram apenas o impacto da actividade humana nos ecossistemas numa escala de décadas. O estudo de Lenzer e dos seus colegas “dá uma nova visão de como a biodiversidade moderna sofre o impacto directo dos sistemas socioecológicos que estiveram presentes durante escalas de tempo maiores”, conclui.