Sentado numa esplanada, a aproveitar o sol ainda bem quentinho de meados de Outubro, com chávena de café à frente, talvez uma bebida fresca. Mas não consegue ficar parado, move-se freneticamente, atira os braços para um lado e outro, dá palmadas nos pés, nas pernas… O que se passa? São moscas, muitas moscas que pelo menos na região de Lisboa nos atormentam, inesperadamente abundantes para este princípio de Outono. Porquê?
“O que me parece, segundo o que tenho lido e visto, é que provavelmente [o aumento da quantidade de moscas] terá que ver com continuarmos a ter temperaturas relativamente elevadas ao longo de Setembro e agora Outubro”, diz Filipe Lopes, investigador na área da entomologia médica no Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT/UNL).
“Isto é uma questão de percepção, porque não temos tido estudos que façam o acompanhamento das densidades de moscas, nem nada do género. Mas lá em casa já reparámos que temos tido muitas moscas, não só mosca doméstica como também mosca-da-fruta e até varejeiras. E muitos colegas que moram na zona de Lisboa ou arredores têm reportado essa quantidade de moscas, que nesta altura do ano não será muito comum”, adianta Filipe Lopes.
A monitorização entomológica, ou seja, de insectos, só se faz em relação aos mosquitos, porque são as espécies mais problemáticas em termos de transmissão de doenças, explica Filipe Lopes. “Existe uma rede para monitorização de mosquitos [Rede Nacional de Vigilância de Vectores – REVIVE, que resulta de um protocolo entre a Direcção-Geral de Saúde e o Instituto Nacional de Saúde]; para outras espécies nem por isso”, diz o investigador.
“Em Portugal, pelo menos que eu tenha conhecimento, não há estudos prolongados para fazer a monitorização [das moscas] em termos de densidade”, explica Filipe Lopes. “Devíamos ter um conhecimento muito maior e mais abrangente do estudo dos insectos, mas realmente em Portugal tem havido muito pouco investimento na investigação na área entomológica. Mas seria um estudo bastante complexo, caro, pois exigiria uma logística muito grande.”
Na ausência de dados concretos sobre a variação na quantidade de moscas em Lisboa ou no território nacional, podem-se avançar algumas hipóteses para tentar explicar a abundância destes insectos que está a ser notada por muitas pessoas – embora Filipe Lopes sublinhe que são “suposições”.
Este Outono em que o frio teima em não assentar arraiais será então a principal causa do número anormal de moscas. “Nos meses de Inverno, há uma redução muito grande da quantidade de moscas, porque há uma pausa no desenvolvimento das moscas”, explica o investigador.
“Nos meses mais quentes, elas multiplicam-se. Põem muitos ovos e à medida que os meses quentes vão passando, são cada vez mais, vão-se propagando até que começa a chegar Setembro, Outubro, com dias mais frios, mais chuva, e isso normalmente serve de controlo aos seus números”, explica. A temperatura ideal para as moscas anda entre os 20 e os 30 graus – que é o que temos tido. “Continuamos a ter uma temperatura óptima para as moscas se manterem e continuarem a multiplicar-se”, conclui.
As chuvas que chegaram com o início do Outono, interrompendo um pouco a seca, também ajudaram. “As moscas gostam também de ter alguma humidade, e já tivemos alguns dias de chuva, mas não foi chuva contínua o suficiente para ficar tudo alagado durante muito tempo e matar as larvas. O que tivemos será o suficiente para manter a humidade de que elas necessitam para se desenvolverem”, conclui.
“Diria que isto pode ser uma boa explicação para este aumento de que as pessoas se têm estado a queixar, num período que não é muito normal”, completa Filipe Lopes.
Lixo ajuda
Pode haver outros factores que contribuem para o aumento do número de moscas. “Vários colegas que moram na zona de Lisboa têm referido que as ruas estão muito sujas, que o lixo não tem sido removido como deve ser. Mas eu vivo na zona de Oeiras, e não tenho notado que esse aspecto tenha piorado nos últimos tempos. Pelo menos na minha zona, acho que não seria um factor explicativo. No entanto, em áreas onde haja problemas com a gestão de lixos urbanos, é possível que o problema seja exacerbado”, diz Filipe Lopes.
Estamos a queixar-nos do aumento da quantidade de moscas neste Outono, mas a verdade é que, a nível mundial, os insectos estão a sofrer um grande decréscimo, nota o entomólogo. “Mas estas são espécies que estão muito habituadas a viver com o homem, em zonas urbanas, não são tão afectadas pela perda de habitat, causada pelo homem. Continuam a ter um habitat adequado para se desenvolverem, se calhar até em melhores condições do que num ambiente natural mais diversificado”, sublinha.
“As moscas são muito chatas para nós, e às vezes podem estar envolvidas na transmissão de alguns agentes patogénicos. Designamo-las como vectores mecânicos – vectores porque transmitem doenças, e mecânicos porque pousam num sítio que está contaminado e depois podem pousar na nossa comida, nas nossas cozinhas e podem levar alguns agentes patogénicos, bactérias, por exemplo”, exemplifica o cientista do IHMT/UNL.
“Mas em termos ambientais, as moscas podem sempre cumprir algum propósito. Normalmente, são importantes, por exemplo, para a reciclagem dos nutrientes, a degradação, apodrecimento dos nutrientes que observamos na natureza. E também poderão servir de base de alimentação para outros animais”, explica. “As moscas têm sempre o seu papel na natureza. Embora lá está, em número excessivo e na nossa casa...”