Acções de desobediência civil pelo clima aumentam — e já levaram a detenções de activistas portugueses
Três activistas que esta manhã protestaram à porta da sede da Galp, em Lisboa, estão detidos. Ambientalistas (e até mesmo elementos da comunidade científica) estão a apostar na desobediência civil para pressionar decisores políticos.
Esta manhã, cerca de duas dezenas de elementos do Climáximo, grupo de activistas climáticos, protestaram à porta da sede da Galp, em Lisboa. Em causa estava “o papel das petrolíferas na crise do custo de vida e na crise climática”, explicaram os ambientalistas num comunicado de imprensa. Três dos activistas estão agora detidos na esquadra de Benfica, que, ao PÚBLICO, diz que eles deverão comparecer em tribunal ainda hoje, segunda-feira.
O protesto à porta da Galp surge dez dias depois de Sofia Pontes, activista portuguesa que mora no Reino Unido, ter protagonizado em Londres um protesto do grupo Animal Rebellion. Juntamente com outro activista (Stephen Bone, de 40 anos), a jovem de 26 anos despejou garrafas de leite no chão e sobre prateleiras da Fortnum & Mason e da Selfridges, duas lojas de artigos de luxo. Ambos os autores do protesto foram, subsequentemente, detidos.
Sofia Pontes encorajou movimentos em Portugal a recorrerem a acções de desobediência civil, para pressionarem o Governo a promover uma transição para uma sociedade vegetariana. “Exorto todos em Portugal a pensar na desobediência civil não violenta e nos efeitos que esta pode ter. Precisamos de levar a voz do povo ao primeiro-ministro e exigir um futuro baseado em plantas”, disse à agência Lusa, que noticiou este caso esta segunda-feira.
O Animal Rebellion defende uma transição para um sistema alimentar baseado em plantas. Argumenta que devemos deixar os recursos hídricos e terrenos usados até agora pela agricultura para serem ocupados pela vida selvagem, de modo a reduzir o dióxido de carbono na atmosfera e travar as alterações climáticas.
Sofia Pontes entende que esta é uma questão de “justiça social, climática e animal”. “Enquanto continuarmos a depender da pecuária e da pesca, não podemos começar a resolver a actual crise climática”, vinca.
Estudante de psicologia, Sofia Pontes vive no Reino Unido desde criança, para onde se mudou da Madeira com a família. Foi durante um festival para vegans, no Verão passado, que a portuguesa se juntou ao Animal Rebellion, grupo derivado do movimento Extinction Rebellion. Desde então, tornou-se mais activa, participando em eventos e protestos. Actualmente não tem ligações directas com organizações portuguesas, mas está interessada em fazer a ponte com activistas no Reino Unido.
A participação na acção de 7 de Outubro resultou numa cobertura mediática na imprensa tablóide britânica, mas também em acusações de roubo — e, ainda, danos no valor de 100 mil libras (pouco mais de 115 mil euros) — pelas quais terá de responder em tribunal. Outra potencial consequência será perder o estatuto de residente e ser deportada pelas autoridades britânicas, embora esta seja uma medida aplicada a autores de crimes graves e reincidentes.
Sofia Pontes afirma que, embora esta não seja “uma situação em que uma pessoa escolheria estar”, “é um pequeno preço a pagar” pela causa que abraçou. “Quando comecei [a colaborar] com o Animal Rebellion era uma coisa que me preocupava bastante, mas agora acredito que o preço de não fazer nada é muito maior do que uma sentença que qualquer sistema de justiça possa impor-me”, diz à Lusa.
Nos últimos 11 dias, só em Londres foram detidas 338 pessoas envolvidas em manifestações dos grupos ambientalistas Just Stop Oil e Animal Rebellion. Os vários activistas bloquearam estradas e fizeram protestos em edifícios e comércios, revelou na última quarta-feira Mark Rowley, comissário da Polícia Metropolitana.
Protestos alastram-se
No último domingo (16 de Outubro), o grupo português do Scientist Rebellion, movimento encabeçado por elementos da comunidade científica que, acreditando que não estão a ser ouvidos pelos decisores políticos, pretendem juntar-se à resistência civil não violenta perante a crise climática, realizou, em Lisboa, uma acção de protesto à porta da embaixada da Alemanha.
No país germânico, decorre actualmente a campanha Unir Contra o Falhanço Climático, que prevê várias acções de desobediência civil contra aquela que os activistas julgam ser a inacção dos governos relativamente às alterações climáticas.
“A ideia é que os políticos nos oiçam. A comunidade científica, apesar de todos os avisos, tem estado silenciada. Os políticos não nos ouvem”, dizia à Lusa, no final da semana passada, Teresa Santos, bióloga ligada ao Scientist Rebellion. “A mensagem que queremos deixar é a de que a situação não está tão boa como se deixa passar. Estamos a fazer isto por toda a humanidade”, acrescentou, salientando que, depois da Alemanha, os protestos aconteceriam noutros países.
Como Portugal, onde esta segunda-feira ocorreu o protesto à porta da sede da Galp, em Lisboa. Após três dos cerca de 20 activistas do Climáximo terem sido detidos pela polícia, a manifestação, informou o grupo na rede social Twitter, seguiu para a porta da esquadra de Benfica.
“Queremos com esta acção tornar inequívoca a realidade de que empresas como a Galp e os seus lucros multimilionários são os responsáveis pelo aumento de custo de vida em Portugal e pelo caos climático”, disse o grupo num comunicado de imprensa, explicando o porquê do protesto.
“Os lucros recorde da Galp de 420 milhões de euros no primeiro semestre [deste ano] estão directamente relacionados com o aumento dos preços e da inflação”, acrescentou o grupo, argumentando que “o aumento do custo de vida dos povos nos países por todo o mundo é consequência de uma economia capitalista construída para ser viciada em combustíveis fósseis”.
“No meio desta crise energética e social, por cima da crise climática, os governos europeus estão a ceder à chantagem das petrolíferas e, em vez de acelerarem para acabar com os fósseis, continuam a subsidiar essa energia e a construir mais infra-estruturas”, rematou o Climáximo.