Liz Truss demite ministro das Finanças e tenta ela própria sobreviver
Ao fim de 37 dias no cargo, Kwasi Kwarteng não resistiu às consequências do plano económico que afundou a libra e agitou os mercados financeiros. Liz Truss diz-se determinada em cumprir o seu mandato.
Liz Truss demitiu esta sexta-feira o seu ministro das Finanças enquanto ela própria luta pela sobrevivência política. Kwasi Kwarteng deixa o cargo ao fim de 37 dias, num clima de enorme insatisfação nas fileiras conservadoras quanto à forma como o Governo apresentou o seu plano económico e geriu o terramoto político, económico e financeiro que se seguiu.
O sucessor na pasta é Jeremy Hunt, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros que já por duas vezes se candidatou à liderança do Partido Conservador.
Numa breve conferência de imprensa ao início da tarde, já depois de conhecida a demissão de Kwarteng e a nomeação de Hunt, a primeira-ministra anunciou mais um recuo no plano económico, repondo a subida do imposto sobre as empresas (de 19% para 25%) que tinha sido decidida pelo anterior Governo, quando Rishi Sunak era ministro das Finanças.
Liz Truss reafirmou que o seu objectivo é promover o crescimento económico do Reino Unido, mas fez uma espécie de mea culpa, admitindo que foi “claro que partes do Miniorçamento foram mais longe e mais rapidamente do que os mercados esperavam”.
Porém, às insistentes questões dos jornalistas sobre se ela própria não se devia demitir face à desconfiança que grassa no seu partido, a primeira-ministra respondeu que pretende manter-se no cargo. “Estou absolutamente determinada em cumprir aquilo que prometi. A minha prioridade é garantir a estabilidade económica do nosso país e por isso tomei as decisões difíceis de hoje. Tenho de agir de acordo com o interesse nacional, enquanto primeira-ministra.”
O despedimento de Kwarteng, que é seu amigo de longa data, é uma forma de Liz Truss tentar aliviar a pressão crescente sobre si e sobre o Governo causada pelas fortes reacções negativas ao seu plano económico. Mas não é certo que o seu futuro em Downing Street seja duradouro.
O diário londrino The Times assegura esta sexta-feira que as principais figuras do Partido Conservador, em que se contam ex-ministros e deputados, estão a delinear um plano para que Truss renuncie à liderança do Governo e que para o seu lugar vá Rishi Sunak ou Penny Mordaunt. Ambos foram candidatos derrotados na recente corrida à liderança do partido e reuniram as preferências parlamentares, mas o voto dos militantes de base deu a vitória a Truss.
“Os apoiantes de Rishi, os de Penny e os apoiantes sensatos de Truss, que se apercebem de que ela é um desastre, têm de sentar-se e perceber qual é o candidato que garanta unidade”, disse um deputado sob anonimato ao jornal.
Já depois do anúncio de demissão de Kwasi Kwarteng, a BBC noticiou que um grupo destas mesmas figuras partidárias planeia sair do anonimato e exigir a saída de Truss publicamente na próxima semana. “Liz Truss fez campanha com as reduções de impostos. Liz Truss ganhou a corrida tory com base neste programa. É absurdo que ela culpe Kwasi”, disse uma destas pessoas.
Na semana passada, o Governo recuou na sua intenção de baixar os impostos aos contribuintes que ganham mais, uma medida que tinha provocado uma quebra acentuada do valor da libra e grande turbulência nos mercados financeiros. Mas na bancada conservadora a convicção generalizada é de que é preciso fazer mais recuos, num momento em que as sondagens eleitorais apontam para uma vantagem de 28 pontos percentuais do Partido Trabalhista.
Na quinta-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros rejeitou a substituição de Liz Truss na chefia do executivo. “Devemos devolver a certeza aos mercados, mas mudar de liderança agora seria desastroso, política e economicamente”, disse James Cleverly em entrevista à BBC. Só o facto de ter tido a necessidade de fazer esta declaração está a ser encarado como um sinal evidente da crise interna no partido.
Outras figuras conservadoras vieram entretanto criticar o suposto plano para tirar Liz Truss do poder. A ex-ministra da Cultura, por exemplo, considerou-o não como um meio para demitir a primeira-ministra, “mas para subverter a democracia”.
Curtíssimo mandato
Pressionado pelos deputados conservadores a fazer marcha-atrás quase total nesse plano, o ministro das Finanças tinha decidido encurtar a sua estada nos Estados Unidos e regressou a Londres esta sexta-feira para lidar com a crise, acabando por ser demitido devido às consequências desastrosas do chamado “Miniorçamento”, que motivou críticas pouco comuns do Fundo Monetário Internacional (FMI) e obrigou o Banco de Inglaterra a comprar dívida para estabilizar os mercados financeiros.
Kwarteng confirmou a sua saída do Governo ao publicar no Twitter a carta que escreveu a Liz Truss e deixando claro que a decisão de sair do executivo não foi sua: “Cara primeira-ministra. Pediu-me que me afastasse do cargo de ministro das Finanças. Aceitei.” Apesar de reconhecer que “o ambiente económico mudou rapidamente” a partir do momento em que o Governo apresentou o Orçamento, no fim de Setembro, o agora ex-ministro diz que “continuar com o statu quo não era sequer uma opção”.
Já a carta de Liz Truss para o seu ex-ministro dá a entender que foi este que pediu para sair. “Respeito profundamente a decisão que tomou hoje. Pôs o interesse nacional em primeiro lugar”, escreveu a primeira-ministra, acrescentando “lamentar profundamente” a partida Kwarteng.
Com esta demissão, Kwasi Kwarteng entra directamente para o segundo lugar dos ministros das Finanças que menos tempo ocuparam o cargo. O primeiro lugar continua a pertencer a Iain Macleod, que esteve 30 dias no Governo, em 1970, até morrer de ataque cardíaco. O Reino Unido vai para o quarto titular da pasta desde que se efectivou o Brexit, em 2020.