Mais de 5000 milhões de telemóveis vão parar ao lixo em 2022
Todos os anos, há milhões de telemóveis que são deitados fora ou que ficam esquecidos na gaveta – o que faz com que não possam ser reciclados ou reutilizados. Um estudo que envolveu Portugal mostra que 8% de dispositivos electrónicos no país acabam por ficar acumulados em casa.
Há cada vez mais equipamentos electrónicos no mundo, o que nos leva ao reverso da medalha: os resíduos desses dispositivos também não param de aumentar. Só em 2022, cerca de 5300 milhões de telemóveis deverão tornar-se lixo – e só uma pequena parte será devidamente reciclada ou reutilizada, alerta o Fórum REEE (acrónimo correspondente a resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos e designado WEEE Forum, em inglês), num estudo divulgado esta quinta-feira. Em Portugal, os telemóveis estão no topo dos equipamentos eléctricos que os consumidores mais acumulam em casa sem utilizar, refere a rede portuguesa Electrão.
Na véspera do Dia Internacional dos Resíduos Eléctricos, que se assinala a 14 de Outubro, o fórum composto por várias entidades (incluindo o Electrão) aproveitou para traçar uma comparação: se estes 5300 milhões de telemóveis fossem empilhados uns em cima dos outros, a torre resultante chegaria aos 50 mil quilómetros de altura – 120 vezes mais do que os 418 quilómetros que separam a Estação Espacial Internacional (EEI) da Terra – e ficaria a um oitavo do caminho até à Lua. Os cálculos foram feitos partindo do princípio de que cada telemóvel tem uma profundidade média de nove milímetros.
Estes dados não incluem os telemóveis que já se encontram guardados ou esquecidos em casa, mas apenas aqueles que deixarão de estar em funcionamento ou que serão deitados fora, reciclados ou descartados de alguma outra forma. Ao todo, existem cerca de 16.000 milhões de telemóveis (tanto em uso como arrumados em casa), segundo os dados do Instituto das Nações Unidas para a Formação e Investigação (Unitar).
Portugal foi um dos países escolhidos para uma sondagem sobre o desperdício associado a estes pequenos dispositivos electrónicos: o estudo foi feito entre Junho e Setembro de 2022 pelos membros do Fórum REEE, em conjunto com o Programa de Ciclos Sustentáveis (Scycle) do Unitar.
Foram analisados 8775 lares em seis países da União Europeia (e não só) – Portugal, Itália, Países Baixos, Roménia, Eslovénia e o Reino Unido. Os resultados mostram que em cada casa existe uma média de 74 produtos electrónicos, incluindo telemóveis, tablets, computadores portáteis, utensílios eléctricos, secadores de cabelo, torradeiras e outros dispositivos electrónicos. Desses 74 dispositivos eléctricos, há uma média de 13 que estão a ser “acumulados” em casa: quatro estão avariados e nove funcionam, mas não são usados. De fora destas estatísticas ficam as lâmpadas.
Entre as cinco categorias de produtos que mais ficam guardados em casa estão os pequenos produtos e acessórios electrónicos, como auriculares e telecomandos; pequenos utensílios domésticos, como relógios decorativos e ferros de engomar; pequenos equipamentos informáticos, como discos externos, routers, teclados e ratos; telemóveis (tanto smartphones como outros mais tradicionais); e pequenos electrodomésticos alimentares, como torradeiras, processadores de comida ou grelhadores.
Estas estimativas são feitas apenas com base no número de artigos que deixam de estar em funcionamento; se se avaliasse o peso de cada um desses artigos, as máquinas de lavar roupa e outros instrumentos semelhantes corresponderiam a uma fatia bem maior.
Estes números dão “uma ideia do enorme potencial de pequenos electrónicos que há para recolher e para reciclar em casa dos portugueses”, considera Pedro Nazareth, CEO da rede portuguesa Electrão. “Também percebemos que há muitos equipamentos fora de uso que efectivamente estão a funcionar.”
Limbo doméstico
Os especialistas alertam que todo este “lixo” acumulado em casa impede que seja reutilizado ou que se aproveitem certas componentes, o que faz com que se explorem novos recursos. Muitos destes objectos podem ter recursos importantes para produzir outros dispositivos, como ventoinhas eólicas, baterias de carros eléctricos ou painéis solares, indica o comunicado em que são apresentados os resultados da sondagem.
Os telemóveis são um exemplo: apesar de terem componentes de ouro, cobre, prata, paládio e outros elementos recicláveis, “espera-se que a maioria [destes dispositivos] desapareça e fique em gavetas, armários ou garagens, ou que seja deitada fora em caixotes do lixo com destino a aterros ou incineração”, lê-se no comunicado do Fórum REEE. E o que é “surpreendente” é que os telemóveis ficam apenas em quarto lugar quando se fala de pequenos dispositivos electrónicos que ficam guardados em casa a nível europeu.
Pelas contas da organização, há uma média de 15% de equipamentos domésticos, computadores e tablets que são acumulados na Europa. Em Portugal, essa percentagem é de 8% (em relação ao total de produtos deste género existente, em média, em cada casa). No topo da lista estão os Países Baixos, que registam 17%, e no fundo da lista está o Líbano, com 4%. Portugal fica em penúltimo lugar nesta lista de seis países.
A seguir aos telemóveis, os acessórios de informática (ratos, teclados, câmaras ou microfones) são os equipamentos mais acumulados em Portugal, indica a rede Electrão. De seguida, surgem os ventiladores, ferros de engomar, relógios ou adaptadores. Em último estão as câmaras digitais de vídeo ou fotografia. No caso de Portugal, o estudo foi desenvolvido pela empresa Ipsos com base nas referências dadas pelo Fórum REEE e foram feitas 1041 entrevistas telefónicas.
E quais os motivos para que estes equipamentos fiquem numa espécie de limbo doméstico? O inquérito mostra que quase metade dos inquiridos europeus (46%) acredita que ainda poderá voltar a usá-los no futuro. Há ainda 15% que querem vender ou dar o produto; 13% que reconhecem “valor sentimental” no artigo; 9% que acreditam que o objecto possa ter valor no futuro e 7% que não sabem como descartar o produto. Há ainda quem refira que os objectos têm informação pessoal sensível e outros que dizem nem se ter lembrado mais do objecto.
Em Portugal, mais de metade dos inquiridos também acredita que poderá voltar a usar os equipamentos eléctricos, mesmo que já não os use. Há ainda 17% de pessoas que tencionam vender esses equipamentos; 11% que os guardam por questões de apego; e 6% guarda os equipamentos para os poder usar numa segunda habitação ou casa de férias.
Há mais resíduos, mas pouca reciclagem
O crescimento da produção de artigos e os desperdícios daí resultantes não são compensados pela percentagem que acaba a ser reutilizada ou reciclada. “Na última década, o crescimento de resíduos electrónicos foi notavelmente maior do que o aumento da reciclagem”, afirmou o especialista Kees Baldé, um dos principais investigadores do programa Scycle. Daí ser importante “reutilizar ou devolver cada peça electrónica ou produto eléctrico que tenha ficado esquecido nas gavetas em casa”. Um exemplo comum deste desperdício, diz, são os auriculares oferecidos em viagens de avião.
Este ano, explica o director-geral do Fórum REEE, Pascal Leroy, o foco neste Dia Internacional dos Resíduos Eléctricos está nos pequenos dispositivos electrónicos, como os telemóveis. “É muito fácil que se acumulem sem serem usados ou notados em casa, ou que sejam atirados para o lixo comum. As pessoas normalmente não se apercebem de que todos estes itens aparentemente insignificantes têm muito valor, e que, agrupados a nível global, representam volumes maciços.” Se forem despejados no lixo indiferenciado, estes dispositivos acabam por ser encaminhados para aterros ou para incineração, explica a rede portuguesa Electrão. No estudo português, 10% dos inquiridos admitiram que punham aparelhos eléctricos e electrónicos no lixo comum.
A organização estima que, incluindo os telemóveis, cerca de 24,5 milhões de toneladas de pequenos dispositivos electrónicos se tornarão lixo em 2022 – o que equivale ao quádruplo do peso da Grande Pirâmide de Gizé, no Egipto. Até 2026, estima-se ainda que 750 milhões de auriculares sem fios fiquem “defuntos” – uma quantidade suficiente para dar a volta à Lua três vezes. Além disso, há ainda dispositivos electrónicos integrados em peluches, camisolas e mobília.
Com tantos dispositivos esquecidos e acumulados em casa, Pascal Leroy considera essencial pensar-se em formas de dar uma nova vida a estes dispositivos. Tal pode ser conseguido “ao se disponibilizarem caixas de recolha em supermercados, na retoma de dispositivos antigos na entrega de novos, e ao criarem-se caixas de correio” que permitam devolver estes objectos.
Uma outra solução foi apresentada na semana passada num estudo da Universidade de Bighamton (Nova Iorque, EUA): criar circuitos electrónicos em papel, mais amigos do ambiente e mais baratos, que podem depois ser queimados ou biodegradados. Os componentes electrónicos necessários são integrados na folha de papel, através da aplicação de uma cera que define os padrões dos circuitos e de tintas condutoras e semicondutoras, absorvidas nas áreas que não estão bloqueadas pela cera. São depois acrescentados os outros componentes de metal em falta.
“A maior parte dos dispositivos electrónicos pequenos contém placas de circuitos que são feitas com fibras de vidro, resinas e fios de metal”, lê-se num comunicado que apresenta o estudo, publicado na revista científica ACS Applied Materials & Interfaces. “Estas placas não são fáceis de reciclar e são relativamente volumosas”, podendo ser menos práticas e vantajosas. Segundo a equipa de investigadores, os circuitos em papel são mais fáceis de descartar, são menos caros e mais flexíveis.
O direito a reparar
A União Europeia (UE) também está a preparar um projecto legislativo para consagrar o direito à reparação de equipamentos electrónicos, para evitar que reparar saia mais caro do que comprar novo. Este direito prevê que o proprietário de um produto tenha a capacidade de o reparar ou de o levar a um técnico da sua preferência, garantindo também que os dispositivos são mais duráveis e mais fáceis de reparar.
Como se lê no site do Parlamento Europeu, “77% dos consumidores europeus preferem reparar os seus produtos do que comprar novos, mas acabam por ter de os substituir ou descartar devido ao custo das reparações”. Outro obstáculo, lê-se, é a obsolescência: “Alguns produtos são concebidos para deixar de funcionar após um certo período de tempo ou quantidade de utilização.” Além disso, a reparação destes dispositivos seria também benéfica para o ambiente ao permitir “uma redução da utilização dos recursos” e das emissões de gases com efeito de estufa.
Os dados do Parlamento Europeu mostram que a maior parte dos resíduos electrónicos e eléctricos recolhidos na União Europeia é relativa a grandes electrodomésticos (52,7%) e que os pequenos electrodomésticos (como aspiradores ou torradeiras) correspondem a 10,1% deste tipo de resíduos recolhidos. Os dados de 2020 do Eurostat mostram ainda que menos de 40% de todos os resíduos de equipamentos electrónicos e eléctricos na UE são reciclados – e essa percentagem é de 43,5% em Portugal.
O direito à reparação é uma das medidas propostas pela Comissão Europeia para estimular a economia circular, juntamente com outras medidas como a introdução de um carregador eléctrico comum e um sistema para incentivar a reutilização e reciclagem de equipamentos eléctricos. A proposta da Comissão Europeia sobre o direito à reparação está prevista até ao final de 2022.