Prémio Gulbenkian para a Humanidade distingue duas organizações: IPCC e IPBES
Esta é a terceira vez que o Prémio Gulbenkian galardoa pessoas ou organizações ligadas ao combate à crise climática. Angela Merkel, presidente do júri, disse em Lisboa que os sinais ligados às alterações climáticas “se têm tornado cada vez mais dramáticos”.
O Prémio Gulbenkian para a Humanidade de 2022 foi atribuído a duas organizações ligadas ao combate à crise climática e ecológica: o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, mais conhecido pela sigla IPCC, e a Plataforma Intergovernamental de Política de Ciência sobre Biodiversidade e Serviços do Ecossistema (IPBES, na sigla em inglês). O anúncio dos premiados ex aequo foi feito na manhã desta quinta-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. O prémio de um milhão de euros foi entregue às 18h.
A antiga chanceler alemã, Angela Merkel, foi a presidente do júri deste prémio e afirmou na conferência de imprensa em Lisboa que os sinais ligados às alterações climáticas “se têm tornado cada vez mais dramáticos”. “Precisamos de decisões para assegurar a sobrevivência da humanidade”, disse Angela Merkel, esperando que o apoio concedido a estas duas organizações contribua para o combate à crise climática e da conservação da biodiversidade.
Estas duas organizações foram escolhidas porque se têm “destacado na promoção da relação entre ciência, clima, biodiversidade e sociedade, representando o melhor que se faz nesta área, em todo mundo”, justificou o júri por escrito, numa nota divulgada pela Fundação Gulbenkian. Ao reconhecer estas duas associações, o júri pretende que se realce a “necessidade de olhar para a crise climática e da biodiversidade em conjunto, de forma concertada, e recorrendo a soluções baseadas na natureza”. As duas organizações premiadas foram seleccionadas entre 116 candidatos de 41 nacionalidades.
O júri considerou ainda que este prémio vem reconhecer “o papel da ciência na linha da frente do combate às alterações climáticas e à perda de biodiversidade”, segundo se lê no comunicado da Gulbenkian. A ciência “tem sido fundamental não só para o avanço de muitas acções políticas e públicas, mas também para a necessidade de colocar um carácter de urgência na forma como, em termos de agenda política, é abordada a questão do combate à crise climática”.
A secretária-geral do IPBES, Anne Larigauderie, alertou que nos encontramos perante duas crises: a das alterações climáticas e a da perda de biodiversidade, “que vêm de mãos dadas”. Há cerca de um milhão de espécies em risco de extinção e estas crises afectam também a capacidade de os ecossistemas funcionarem, disse, em Lisboa, depois do anúncio do prémio. E deu uma garantia: “Ainda é preciso fazer muito mais.”
O IPBES é uma organização independente criada em 2012 com o intuito de facilitar a ligação entre o conhecimento científico e os decisores políticos, sobretudo em questões de biodiversidade, protecção de ecossistemas e sustentabilidade. Os relatórios feitos por este órgão têm mostrado a importância da conservação da natureza e a forma como se tem vindo a deteriorar a nível global.
Esta plataforma criada na Cidade do Panamá também tem referido que o uso sustentável dos recursos e da natureza não será possível com as medidas actuais e que são precisas mudanças profundas a nível económico e político. Há 139 Estados que fazem parte desta organização, juntamente com organizações não-governamentais, cientistas e outros movimentos sociais.
Já o IPCC foi criado em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) com o objectivo de recolher informação científica sobre alterações climáticas para auxiliar os decisores políticos. É conhecido pelos seus relatórios em que faz um “diagnóstico” do estado em que está o planeta, do impacto que a acção humana está a ter na concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera e na forma como isso se traduz em alterações a nível planetário. Estes relatórios são também acompanhados de ideias sobre o que é preciso fazer para travar as emissões de gases poluentes.
Os relatórios são feitos por cientistas de todo o mundo, que se dividem por grupos de trabalho e trabalham de forma voluntária. Este painel ajuda sobretudo a fazer-se um acompanhamento das metas que ficaram definidas no Acordo de Paris de 2015. Em 2007, o IPCC foi também premiado com o Nobel da Paz, juntamente com Al Gore.
O presidente do IPCC, Hoesung Lee, esteve também na conferência de imprensa em Lisboa e admitiu que este prémio é uma forma de reconhecer “o trabalho de milhares de cientistas por todo o mundo que voluntariam o seu conhecimento e o seu tempo”. Este prémio chega num momento crítico, disse: “Os relatórios do IPCC são claros e inequívocos” quando afirmam que as alterações climáticas são uma realidade causada pela acção humana e que estão a intensificar-se. “Os impactos e riscos das alterações climáticas estão a tornar-se altamente complexos e difíceis de controlar”, afirmou, reconhecendo que a janela de oportunidade para agir se está a fechar. E disse ainda que estas mudanças estão a ameaçar a saúde do planeta e a sobrevivência dos humanos e de todas as espécies que neste mundo vivem.
Os premiados anteriores
Em três anos de edição deste galardão que pretende dar ênfase a “novas ideias que contribuam para melhorar o futuro do planeta” e para distinguir “pessoas ou organizações cujo trabalho tenha contribuído para mitigar o impacto das alterações climáticas”, todos os prémios foram atribuídos a pessoas ou organizações de alguma forma ligadas à crise climática. O presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, António Feijó, explicou no início da conferência de imprensa desta quinta-feira que este ciclo inicial do prémio é dedicado às alterações climáticas, já que são “uma condição existencial para a humanidade neste momento”.
Na primeira edição, em 2020, o prémio foi entregue à jovem activista sueca Greta Thunberg, que doou o dinheiro a diferentes organizações e projectos de combate à crise climática, através da fundação com o seu nome. No ano passado, o prémio foi atribuído ao Pacto Global de Autarcas para o Clima e Energia (Global Covenant of Mayors for Climate & Energy).
“Entre as potenciais áreas de reconhecimento do prémio estão as que possam contribuir para reduzir ou absorver emissões de gases de efeito de estufa, as acções para aumentar a resiliência das pessoas e do ambiente aos impactos das alterações climáticas e ainda a mobilização de recursos financeiros, públicos ou privados, para acelerar a descarbonização da economia”, explica a fundação no comunicado.
O júri deste prémio era presidido pelo antigo Presidente Jorge Sampaio, até à data da sua morte, a 10 de Setembro de 2021. Em Junho, foi anunciado que a antiga chanceler alemã Angela Merkel seria a nova presidente do Prémio Gulbenkian para a Humanidade. Foi o primeiro cargo que aceitou depois da sua saída como líder política da Alemanha, em Dezembro. A presidente do júri explicou que os premiados foram escolhidos quando ainda não fazia parte do grupo.
Além de Angela Merkel, o júri tem como vice-presidente o investigador Miguel Bastos Araújo (que também venceu o Prémio Pessoa 2018) e inclui outras figuras como Hans Joachim Schellnhuber, Johan Rockstrom, Miguel Arias Cañete, Rik Leemans, Runa Khan, Sandra Diaz e Sunita Narain.