O planeta testemunha declínio de 69% das populações de animais selvagens
Relatório da WWF revela queda média de 69% das populações animais selvagens desde 1970. Documento mostra que Portugal tem consumido mais recursos e contribuído para diminuição de tubarões e raias.
A Terra testemunhou uma queda de 69% da dimensão média das populações de animais selvagens desde 1970, revela um relatório da World Wild Fund (WWF) divulgado esta quinta-feira.
O documento alerta para o estado “grave” da natureza, fazendo um apelo “urgente” para que decisores políticos, líderes empresariais e cidadãos metam mãos à obra para não só proteger (e restaurar) o que resta de biodiversidade no planeta, mas também gerir os recursos naturais de forma sustentável.
“Se fizermos isso – proteger, restaurar e consumir responsavelmente –, ainda vamos a tempo de manter o planeta vivo. Cá em Portugal, continuamos a consumir em excesso. Subimos 20 posições: estávamos em 46º lugar no índice e agora aparecemos na 66ª posição. Isto é um indicador negativo”, afirma ao PÚBLICO Ângela Morgado, directora executiva da Associação Natureza Portugal (ANP), que representa a WWF em Portugal.
Os portugueses necessitam de 2,88 planetas para manter o estilo de vida actual, o que indica um aumento face ao relatório de 2020 (2,52 planetas). Isto mostra que não estamos a consumir de forma sustentável.
Um outro exemplo da responsabilidade portuguesa neste retrato sombrio do planeta está ligado ao declínio global do tamanho médio das populações de tubarões e raias (71%). Portugal é “o segundo país a nível mundial com maiores exportações conhecidas de carne de tubarão, e o sexto maior importador de carne de raia em termos de volume”, refere o comunicado.
“Estes números não nos colocam bem na fotografia. Publicámos um relatório pioneiro com algumas recomendações – e uma delas era precisamente a criação de um Plano de Acção Nacional para a Gestão e Conservação dos Tubarões e Raias. Estes novos dados vêm provar que este plano é mesmo necessário”, alerta Ângela Morgado.
Outra preocupação alarmante é que a dimensão média das populações que vivem na água doce decresceu 83% em 50 anos. O relatório indica que é o maior declínio de qualquer grupo de espécies.
“A perda do habitat destas espécies devido a obstáculos que impedem o curso livre das águas, nomeadamente barreiras fluviais e barragens. Daí que a intenção de construção de ainda mais barragens seja algo que não tem nenhum sentido considerando este dado alarmante”, refere Ângela Morgado.
O contexto da actual crise energética não pode ser considerado uma “argumento sério” para a construção de barragens como a de Pisão. “É um discurso político, não é científico”, diz a responsável, que também não compreende como fundos do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) podem ser usados em “projectos que degradam a natureza”.
O projecto tem sido criticado por diferentes associações ambientalistas – a Zero, por exemplo, alertou recentemente para avaliação ambiental “apressada” da futura barragem no distrito de Portalegre.
Sabia que...
...os portugueses necessitam de 2,88 planetas para manter o estilo de vida actual, o que agrava o índice de consumo nacional face ao relatório da WWF de 2020 (2,52 planetas)?
Queda brutal em regiões tropicais
O documento intitulado Living Planet (Planeta Vivo), publicado a cada dois anos pela WWF, resulta de um trabalho de investigação e monitorização de mamíferos, aves, anfíbios, répteis e peixes. Trata-se, segundo o comunicado de imprensa, do “maior conjunto de dados trabalhados até aos dias de hoje, com quase 32 mil populações de 5 230 espécies”, fornecido no Índice Planeta Vivo da Sociedade Zoológica de Londres.
Em termos globais, as regiões onde se registou um declínio maior da vida selvagem encontram-se na América Latina e Caraíbas. Os dados mostram que, entre 1970 e 2018, a dimensão média das populações acompanhadas nessas áreas tropicais descresceu 94%. Esta queda está em parte ligada ao sistema alimentar global, ou seja, ao modo como degradamos o habitat selvagem a fim de usar o solo para a pecuária e agricultura. Todos os anos, refere o relatório, o planeta perde dez milhões de hectares de florestas – o que equivale ao tamanho de Portugal.
“Enfrentamos duas emergências: as alterações climáticas provocadas pelos seres humanos e a perda de biodiversidade, que ameaçam o bem-estar das gerações actuais e futuras. Estamos muito preocupados com estes novos dados, que mostram uma queda devastadora nas populações de animais selvagens, em particular nas regiões tropicais, que são das paisagens mais biodiversas do mundo”, afirma Marco Lambertini, director-geral da WWF internacional, citado na nota de imprensa.
O relatório também se ocupa da destruição do património vegetal. Nesse capítulo, por exemplo, cientistas dos Jardins Botânicos Reais de Kew, no Reino Unido, e do Herbário Nacional da Guiné-Bissau sublinham a importância de iniciativas para proteger a biodiversidade e apoiar o bem-estar das comunidades locais na África Ocidental.
“É realmente importante analisar que áreas são as mais importantes para a conservação das plantas e protegê-las. Caso contrário, mais espécies vegetais serão rapidamente extintas no planeta. Isso é já é coisa ruim em si mesma, mas também reduz as opções para a humanidade, uma vez que muitas espécies de plantas têm potencial para nos ajudar (futuros medicamentos ou alimentos)”, explica ao PÚBLICO Martin Cheek, investigador principal nos Jardins Botânicos Reais de Kew.
Este relatório foi divulgado menos de dois meses antes da 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP15), agendada para decorrer de 7 a 19 de Dezembro em Montreal, no Canadá. A WWF espera que este encontro internacional permita um acordo robusto para reverter a perda de biodiversidade até 2030.