Hugh Laurie e Armando Iannucci, confinados numa nave espacial e numa pandemia

Mais oito episódios numa viagem desgovernada, agora temperada pela claustrofobia dos confinamentos. “Provavelmente aumentou a ligeira atmosfera maníaca da série”, diz Laurie ao PÚBLICO sobre a série que se estreia terça-feira.

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Hugh Laurie e Josh Gad em "Avenue 5" Nick Wall/HBO

Como escreveu o PÚBLICO quando da estreia de Avenue 5, somos todos idiotas, até no espaço. Quase três anos e uma pandemia depois, a estrela da série de Armando Iannucci, Hugh Laurie, põe a coisa ainda mais em perspectiva: “Se olharmos à volta e não virmos o idiota, isso significa que somos nós”. A segunda temporada sobre um grupo de turistas espaciais que se vêem presos numa nave por muito, muito mais tempo do que um agradável cruzeiro, está marcada por “uma sensação maníaca”, como diz o protagonista ao PÚBLICO.

“Todos nos sentimos confinados, ligeiramente claustrofóbicos”, diz o eterno Dr. House sobre filmar uma série sobre pessoas aprisionadas durante a pandemia. “Éramos uma bolha dentro de uma bolha dentro de uma bolha. Provavelmente aumentou a ligeira atmosfera maníaca da série”, responde. “O pior, como o mundo sabe, é não poder ler expressões faciais — num ensaio com um actor… É difícil. Bom, há coisas muito mais difíceis”, ri-se, desdramatizando as neuroses da profissão de actor.

“Mas talvez essa dificuldade tenha sido boa, aumentando a sensação maníaca de estar confinado. E, mais importante ainda, filmar isto quando pensávamos se iríamos viver o resto das nossas vidas assim, o que é algo que afecta a vida destas personagens.”

Avenue 5 estreia-se terça-feira na HBO Max depois de um hiato forçado e de o mundo ter voltado a mudar mil vezes. Armando Iannucci, que merece todos os elogios por ter criado a presciente sátira política Veep, cita o ataque ao Capitólio, a guerra na Ucrânia ou a pandemia como apenas alguns dos acontecimentos bem reais que atravessaram a escrita e rodagem da segunda temporada da sua comédia espacial. “Tudo hoje é tão imprevisível que se escrevesse algo muito preciso sobre a actualidade, poderia estar desactualizado em seis meses. Avenue 5 permite-me afastar-me do mundo e do presente e fazer um comentário sobre aquilo em que poderemos tornar-nos se as coisas continuarem a progredir assim”, diz na entrevista colectiva com a imprensa através da internet.

O escocês de 58 anos tem respostas curtas e sorriso calmo no rosto. Quando o PÚBLICO lhe pergunta qual é a essência desta série que pretende fazer rir mas que transmite outras sensações igualmente animadas, sorri. “Há um elemento de claustrofobia, mas é basicamente um aviso do futuro — não deixem que isto aconteça. É riso temperado com ansiedade. Riso nervoso”, gargalha.

O ambiente de Avenue 5, a nave desgovernada em que também Josh Gad ou Himesh Patel viajam, é isso tudo porque é um festival de incompetência e despotismo. A chave, diz Hugh Laurie, é o “afecto pelas personagens” de Iannucci — “pode pô-las em situações muito difíceis e fazê-las comportar-se se forma inaceitável, mas…ele gosta de pessoas.”

Iannucci, que nesta série não recebeu a aclamação que Veep lhe trouxe, devolve os elogios a Laurie, homem de mil rostos na mítica comédia Blackadder. “Tenho uma política ‘zero imbecis’, que não podem fazer parte da equipa mesmo que sejam grandes actores. O Hugh, que é uma estrela, não é nada assim e a melhor coisa da série é vê-lo rir, é um óptimo sinal de que tudo está a funcionar.”

Estão em janelas e momentos diferentes, mas são dois rostos unidos numa mesma sensação confortável e descontraída. Laurie, como protagonista, é o grande timoneiro da nave ensandecida, e é o primeiro a dizer que a sua personagem “não é Moisés, mas é alguém que tenta ajudar as pessoas a sair da situação em que estão, apesar de ser um desastre, sem qualificações”. Nem sempre “Brad Pitt ou George Clooney — ou Hugh Laurie, se eles não estiverem disponíveis — vão salvar o mundo. Sou seguramente muito mais barato. E sou pontual”, brinca. Corrige-se de imediato. “Tenho a certeza de que eles são muito pontuais!”

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