Socialistas catalães voltam a estender a mão à ERC, “não para resgatar o governo”, mas para “ajudar os catalães”

Aragonès vai tentar ter o próximo governo pronto até terça-feira e quer caras que “representem o consenso dos 80%”, o número de catalães que apoia um referendo de autodeterminação negociado com Madrid.

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O presidente do governo catalão, o republicano Pere Aragonès EPA/QUIQUE GARCIA

Num momento em que a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) tenta recuperar do fim da aliança com o Juntos pela Catalunha (Junts, de Carles Puigdemont), a coligação que sustentava o governo de Pere Aragonès, o presidente do partido, Oriol Junqueras, decidiu desdenhar o possível apoio dos socialistas catalães (PSC), defendendo que não estão suficientemente comprometidos “na luta contra a repressão”. “O Partido Socialista sempre trabalhou para defender o Estado de direito, não dá lições nem as recebe de ninguém”, respondeu o líder do PSC, Salvador Illa.

Compreendem-se as dificuldades de Junqueras em admitir uma aproximação aos socialistas. Segundo o político que era vice-presidente do governo catalão (Generalitat) quando se organizou o referendo de 2017 e se fez a declaração da independência, houve socialistas catalães que “aplaudiram” a sua prisão.

Mas Aragonès não tem muitas alternativas e Illa repetiu este domingo que está disponível para negociar, num primeiro momento, o orçamento de 2023. “Não vou resgatar este governo. Vou tentar ajudar para que isto [o fim da coligação] não prejudique os catalães. É isso que me interessa, o resgate da Catalunha”, afirmou Illa, entrevistado pelo diário El País.

O líder socialista catalão quis ainda separar as águas entre um possível entendimento do seu partido com a ERC na Catalunha e as conversações entre os republicanos e o PSOE em Madrid, onde o Governo de Pedro Sánchez e do Podemos conta com a bancada da Esquerda para fazer aprovar o orçamento geral do Estado. Ainda que os temas possam ser tratados em separado, o que aconteça em Barcelona terá óbvias repercussões na atitude da ERC em Madrid.

Tendo perdido sete dos 14 conselheiros (equivalente a ministros) que formavam o seu governo e o apoio da bancada do Junts – 33 deputados, tantos como os da ERC –, Aragonès tenta agora refazer o executivo em tempo recorde. A conselheira da presidência, Laura Vilagrà, disse no sábado que o presidente e a equipa já tinham “muito adiantada” a estrutura do próximo executivo e que os novos nomes poderiam ser anunciados “no princípio da semana”. Alguma imprensa aposta na terça-feira, dia em que se reúne o conselho executivo (conselho de ministros).

Antecipando o resultado da consulta interna realizada na sexta-feira pelo Junts – sobre a permanência na coligação, chumbada por 55,7% dos militantes –, o presidente catalão já tinha começado a contactar possíveis conselheiros. Segundo disse horas antes de serem conhecidos os resultados da votação no Junts, quer rostos que “representem o consenso dos 80%”, a percentagem de catalães que o Centro de Estudos de Opinião diz defender a realização de um referendo sobre a independência acordado com o Governo espanhol.

Com estas palavras, Aragonès abriu a porta a conselheiros que não sejam necessariamente independentistas, mas soberanistas, o que se pode entender como “um piscar olhos aos comuns”, escreve o El País. Os comuns são os membros do En Comú Podem (a marca catalã do Podemos), partido que apoia uma consulta negociada sobre autodeterminação, mas se opõe à separação de Espanha.

Tendo em conta os seus programas políticos e até as posições actuais sobre o independentismo, uma aliança entre a ERC e o En Comú Podem surge quase como natural – agora que a ERC recusa soluções unilaterais e quer manter o diálogo com Madrid. A possibilidade de um acordo parlamentar foi explorada pela ERC logo depois das eleições, em Fevereiro de 2021, mas o partido que reúne várias sensibilidades de esquerda não estava convencido. Ao mesmo tempo, negociar com o En Comú seria deixar cair o Junts, que insistia num governo “só com independentistas”.

Com ERC e Junts separados, desta vez, a direcção dos comuns já disse estar disponível para ajudar Aragonès a evitar eleições antecipadas (um desejo que une ERC, PSC e comuns), como já pede o partido de Puigdemont. A questão está nos números: um acordo parlamentar entre a ERC e PSC é seguramente mais difícil de conseguir do que uma solução com os comuns, mas só a ERC e o PSC juntos garantem a maioria na Assembleia Nacional. Aragonès admite governar em minoria, mas precisará sempre dos socialistas e do seu apoio pontual.

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