Avaliação ambiental da barragem do Pisão foi feita “às pressas”, denuncia Zero

O decreto-lei foi aprovado no início de Setembro, 15 dias úteis após o fim da consulta pública para a futura barragem em Portalegre. Projecto financiado pelo PRR terá “danos ambientais irreparáveis”, alerta a Zero.

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Albufeira da Apartadura, no distrito de Portalegre Rui Gaudêncio/ Arquivo

A Declaração de Impacte Ambiental (DIA) do projecto para a barragem do Pisão foi emitida “às pressas” pela Agência Portuguesa do Ambiente, acusa a associação ambientalista Zero, que diz ainda que o projecto avança com “lacunas injustificáveis e avaliações por fazer”. Numa nota publicada este domingo, a associação diz ter constatado “com alarme” que a DIA foi emitida em tempo recorde: apenas 15 dias úteis após o período de consulta pública, que decorreu de 1 de Julho a 11 de Agosto de 2022.

O empreendimento, também designado Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato (AHFMC), em Portalegre, terá um investimento total de 171 milhões de euros, dos quais 120 milhões estão previstos no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Estima-se que as obras da barragem deverão ficar concluídas em 2025.

Na reunião do Conselho de Ministros de 1 de Setembro foi aprovado o decreto-lei que constitui o empreendimento de Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato, “classificando-o como empreendimento de interesse público nacional e procedendo à delimitação da respectiva área de intervenção”. Esta aprovação permite que seja delineada a respectiva área de intervenção e que seja concluído “no prazo de vigência” do PRR.

O diploma do Governo foi promulgado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a 20 de Setembro, mas o Presidente afirmava que o regime adoptado não era o “ideal”. A decisão de promulgar, lê-se numa nota publicada no site da Presidência da República, era justificada pelo “consenso, sucessivamente reafirmado, acerca da importância essencial da barragem do Pisão”.

A barragem do Pisão tem como objectivo ser uma reserva estratégica de água e promover a agricultura por regadio da região e o fornecimento de água a 110 mil pessoas dos municípios de Alter do Chão, Avis, Crato, Fronteira, Gavião, Nisa, Ponte de Sor e Sousel, assim como ao subsistema do Caia, que abastece Arronches, Elvas, Campo Maior e Monforte. Está ainda prevista a produção de energia eléctrica a partir de duas centrais fotovoltaicas.

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Serra de Sao Mamede, em Portalegre Tiago Machado

Mas não é esse o entender da associação Zero: “As deficiências e lacunas nos estudos hidrológicos de base poderão mesmo levar a ajustamentos na própria estrutura do projecto e na reavaliação dos seus impactes”, lê-se na nota da Zero. A associação diz que “o processo de avaliação não fez um esforço sério de avaliação da efectiva necessidade do projecto” e que o projecto terá “danos ambientais irreparáveis”. E ficou “por fazer” a avaliação de elementos básicos como as necessidades actuais e futuras de água para consumo.

Em Setembro, a atribuição da declaração de impacte ambiental favorável condicionada ao projecto da barragem também valeu as críticas por parte do núcleo regional de Portalegre da associação ambientalista Quercus, já que a estrutura e o regadio intensivo provocarão “grandes impactes ambientais” naquela região. Haverá ainda uma perda estimada de cerca de 40 mil árvores, sobretudo azinheiras (mas também sobreiros).

A Quercus alertava ainda que não é clara a forma como será feita o realojamento e relocalização da aldeia do Pisão, que ficará inundada – tal como refere agora a Zero. A Quercus apontava de igual forma que o empreendimento fora aprovado “de um dia para o outro” e denunciava que não foram avaliadas localizações alternativas. A associação defende ainda que o abastecimento público de água na região poderia ser conseguido reabilitando-se as albufeiras de Póvoa e Meadas e da Apartadura, que já estão construídas.

A barragem teve decisão “favorável condicionada” a 1 de Setembro deste ano. A Quercus alertava também que, apesar de ter existido consulta pública, o processo foi decidido em “apenas 15 dias úteis”, tempo insuficiente para as devidas ponderações. “A brevidade inédita deste processo mostra que a decisão final já estava tomada”, afirmavam. A consulta pública decorreu de 1 de Julho a 11 de Agosto de 2022 e foram submetidas 181 observações por parte de autarquias, empresas, associações não-governamentais e cidadãos.

Em Agosto, várias associações ambientalistas consideravam também que o projecto da barragem não cumpria os objectivos ambientais determinados pelo Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), criado pela União Europeia, que faz parte do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Este mecanismo indica que só apoiará actividades “que respeitem plenamente as normas e as prioridades em matéria de clima e de ambiente” da União Europeia. A alteração do regime de caudais da ribeira da Seda, assim como a utilização de pesticidas e agricultura intensiva associada ao regadio, e a perda de milhares de árvores foram alguns dos critérios apontados pelas associações ambientalistas.