Em 1958, Huxley regressa ao Admirável Mundo Novo e reflecte sobre o seu próprio mundo distópico, publicando um novo livro – Regresso ao Admirável Mundo Novo. Vários anos passaram desde a criação da sociedade distópica e diversos acontecimentos hediondos se sucederam, repetindo alguns elementos da acção ditatorial. Nesses anos, assistiu-se à guerra e à morte, à desumanidade e ao egoísmo, ao racismo e à discriminação, ao controlo, à persuasão e à manipulação. Terminada a guerra e depostos alguns regimes ditatoriais, os perigos não se findaram, pelo contrário, continuaram em ascensão.
Assim, no novo livro de Huxley são abordadas algumas problemáticas alarmantes que apelam à reflexão e inquietude do leitor atento, do indivíduo alerta, do cidadão crítico e, essencialmente, do livre-pensador. Na verdade, Huxley confidenciou-nos que as suas previsões do futuro concretizaram-se não inesperadamente mas cedo demais pois embora tenha previsto a sua iminência acreditava que “não chegariam no (seu) tempo nem sequer no tempo dos (seus) netos’’, isto é, ainda no século XX. Pode-se então confirmar que, nesse século, Huxley foi um preditor, constituindo um alerta intemporal.
Ao longo do tempo, as sociedades tornaram-se mais conformistas ao desconhecimento, à ausência de reflexão e de crítica e, por conseguinte, esta apatia tornou-as mais vulneráveis à manipulação. Nesse sentido, Huxley acreditava preocupantemente que “nas ditaduras mais eficazes do futuro haverá provavelmente menos violência”. Na sua perspectiva, a punição e o controlo repressivo tornar-se-ão obsoletos sustentos dos regimes passados e o condicionamento e a manipulação não-violenta assente em estratégias de persuasão positiva através de recompensas serão os novos alicerces dos regimes actuais. Na verdade, as características da sociedade criam, então, um ambiente propício à aceitação de líderes autoritários, não sendo necessário impor-se de forma austera com recurso à violência. Neste sentido, o conformismo e a ausência de crítica e de pensamento analítico são uma alavanca para a emergência de estados ditatoriais, sendo a manipulação e o condicionamento ferramentas funcionais para o seu sustento.
Corroborando a mesma ideia, Huxley considerava que os regimes alavancados em métodos de tortura são exíguos, pois “o controlo através do castigo do comportamento indesejável é menos eficaz a longo prazo do que o controlo através do reforço do comportamento desejável mediante recompensas” e, por isso, o “terror enquanto método de governo funciona globalmente menos bem do que a manipulação não violenta”. Recorrendo a esta manipulação em substituição ao terror, o novo regime alicerça-se não no medo da represália e no pânico da tortura, mas no bem-estar dos indivíduos. O controlo através da persuasão permite uma melhor adaptação ao regime ditatorial pois mantém os indivíduos satisfeitos, reduzindo a possibilidade de revolta e oposição. Através do uso constante da propaganda, os indivíduos são formatados a apoiar o regime com a inculcação dos seus ideais e, frequentemente, reforçados a cumprirem os comportamentos desejáveis e a manterem os pensamentos convenientes sem ousarem criticar, opor ou contrariar.
Assim, importa ter em atenção que uma sociedade apática e letárgica é mais receptiva à persuasão, sendo a ausência de pensamento crítico e de reflexão o principal combustível dessa manipulação. Deste modo, a propaganda política destinada a uma cultura de massas distraída, desinteressada e pouco céptica triunfa e alcança os seus objectivos, cultivando o caminho para a ascensão do regime despótico. No seguimento desta reflexão, destaque-se a letargia patente na sociedade e questione-se, afinal, o que caracteriza esta sociedade letárgica e desinteressada. Huxley aponta o consumo acrítico de informação como um dos grandes problemas da cultura de massas que proporciona, então, a ascensão destes regimes.
Assim, as sociedades habituadas a consumirem informação regularmente de forma instantânea sem a analisarem vão perdendo a capacidade de pensamento crítico e autónomo, sendo constantemente bombardeadas por meios de entretenimento que as distraem. Na verdade trata-se de produção de massa, um efeito da própria cultura de massa, que contribui para a uniformização de pensamentos e hábitos, combatendo a individualidade. Naturalmente, beneficiando desta distracção e canalizando a ausência de espírito crítico, os líderes autoritários recorrem a um forte máquina de propaganda que se apoia no desenvolvimento técnico para difundir os seus ideais e controlar os indivíduos.
Mas não é só dos produtos técnicos que os regimes se aproveitam, estes também se socorrem em outra arma poderosa, a emoção, sendo esta uma das principais fontes de angariação de apoio das massas. A emoção que, por um lado, está subjacente nos discursos do líder e no seu comportamento e que, por outro, é despertada na plateia de ouvintes e espectadores, torna-os, no fundo, apenas receptores que vibram com essa emoção despoletada. Neste sentido, Hitler tornara-se uma referência com os seus discursos teatralizados em gesticulações, frases exaltadas e palavras intensas. A emoção transmitida através destes actos cativou a multidão de apoiantes do regime e mantiveram-no incólume até ao fim da II Guerra Mundial.
Em suma, Huxley alertara, há cerca de 60 anos, para o frígido mundo de repressão, controlo e sofrimento dos regimes ditatoriais, que já tinham assolado a Europa e que ameaçavam continuá-la a devastar. Este salientara que à semelhança dos negócios e do comércio, também no mundo político fora importante desenvolverem-se mecanismos que permitiram a aceitação de uma ideia. Para tal, utilizam-se estratégias e métodos, que ao longo dos anos, se demonstraram profícuos para a instauração dos regimes. Esta ideia não se revela tão irrisória como pode parecer, porque, de facto, as sociedades estão a tornar-se pouco reflexivas, deixando de ser necessário grandes métodos de violência para manter o controlo de massas. Perante a intensificação da propaganda e dos métodos de persuasão cabe ao indivíduo canalizar o seu espírito crítico e analítico para impedir a letargia ameaçadora.