As instituições da UE são melhores para fazer a transição energética do que as dos EUA

Uma administração pública sólida e uma boa segurança social são essenciais para o sucesso de políticas de mudança no padrão de consumo da energia, conclui estudo.

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Para facilitar a transição para as energias alternativas, governos alemães subsidiaram generosamente tecnologias limpas FELIPE TRUEBA/EPA

A invasão da Ucrânia pela Rússia causou grandes perturbações nos mercados de energia, produzindo subidas dos preços que fazem lembrar a crise do petróleo da década de 1970. É uma oportunidade de ouro para acelerar a transição energética, para deixar os combustíveis fósseis de lado e apostar em energias renováveis, sem emissões de gases com efeito de estufa. Mas tanto agora como na década de 1970, os países responderam à crise de formas muito diferentes – o que é que faz uma nação tornar-se um líder ou arrastar os pés nas transições energéticas?

Uma equipa internacional de investigadores analisou a questão, comparando as crises de 1970 com a actual, e expõe as suas conclusões na edição desta sexta-feira da revista Science. “Os países que têm instituições que permitem aos decisores políticos seguir os caminhos do isolamento ou compensação, ou ambos, são aqueles que mais provavelmente se tornarão os líderes da transição para uma energia limpa”, disse ao PÚBLICO, por e-mail, Jonas Meckling, director do Laboratório de Políticas de Energia e Ambiente da Universidade de Berkeley (Estados Unidos) e primeiro autor do artigo.

O que quer isto dizer? Por “isolamento”, entende-se os países que têm uma administração pública sólida, com altos níveis de especialização, e um sistema eleitoral proporcional. Estas características permitem isolar, ou proteger, os políticos da eventual revolta contra os custos acrescidos da transição energética, que podem ser sentidos tanto por consumidores como pelas empresas.

Estes custos podem ser coisas como ter de cumprir novos padrões mais exigentes para a indústria de energia, ou taxas de carbono e combustível, que se reflectem no produto final. “Empresas que fiquem em desvantagem – como produtores de combustíveis fósseis ou indústrias de uso intensivo de energia – têm incentivos fortes para fazer pressão contra estas políticas, e os consumidores podem expressar o seu descontentamento votando contra os políticos que instituíram estas medidas”, escrevem os cientistas.

Um exemplo de como uma administração pública sólida pode proteger os políticos que põem em prática medidas de transição energética pode ser encontrado no que fizeram os governos japonês e francês na crise do petróleo da década de 1970. “O Comissariado de Energia Atómica e a empresa pública Electricidade de França funcionaram com um alto nível de autonomia para pôr em prática o ambicioso Plano Messmer para fazer a transição para a energia nuclear. O país expandiu rapidamente a capacidade de geração de electricidade com origem no nuclear de 8% em 1973 para 70% em meados dos anos 1980”, escreve a equipa.

Não depender do mercado

Quanto aos mecanismos de “compensação”, enunciados pelos autores, são característicos de sociedades em que há instituições que garantem o acesso dos decisores políticos a associações que representam os interesses das empresas e dos trabalhadores, facilitando a negociação de acordos. Estes podem ser formas de aliviar os custos da transição energética para quem fica mais a perder. É o caso de países com um sistema de segurança social bem estabelecido, que atribua compensações pelo aumento dos preços da energia, por exemplo, que se encontram no Norte da Europa.

A resposta da Alemanha à crise do petróleo na década 1970 foi incentivar a transição para o carvão e a energia nuclear, negociando compensações com associações industriais e laborais. Estas duas energias foram expandidas através de uma taxa aplicada às contas de energia dos consumidores – e a segurança social foi usada para aliviar os aumentos de preços sentidos pelas famílias.

Para facilitar a transição para as energias alternativas, governos sucessivos usaram um mecanismo semelhante: subsidiaram generosamente tecnologias limpas, usando um financiamento alimentado por um aumento do preço da energia pago pelos consumidores, que fez baixar o preço das energias alternativas, em particular a solar.

“A maior parte dos países da Europa continental têm as instituições adequadas para que existam os mecanismos de compensação, isolamento ou ambos. Por isso, estão equipados para adoptar colectivamente políticas energéticas que têm custos para as empresas e para as famílias”, comentou Jonas Meckling, interrogado sobre se a União Europeia estaria bem posicionada para fazer a transição energética, apesar da variedade de países que a compõem.

“Pelo contrário, o Reino Unido, os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália não têm estas instituições. Tendem a fazer transições em que a força motriz é o mercado, em vez de terem transições que se baseiam em opções políticas. Por isso, é provável que não sejam vanguardistas na adopção de novas tecnologias, à medida que se vão tornando competitivas”, realçou Jonas Meckling.

“Em países com um sistema de segurança social fraco, é frequente haver reviravoltas nas políticas e que as políticas sejam de curto prazo”, diz ainda o artigo. Nos países em que a transição energética se submete às forças do mercado, estas “são sujeitas a volatilidade, reviravoltas e flutuações de preços”, escrevem os investigadores.

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A Austrália foi o primeiro país do mundo a acabar com uma taxa sobre o carbono Tim Wimborne/REUTERS

“O sistema eleitoral maioritário [no qual se considera eleito o candidato que receber, na respectiva circunscrição, a maioria absoluta ou relativa, dos votos válidos] dos EUA e a autoridade presidencial sobre a burocracia federal só permitem um isolamento limitado, e os opositores a políticas de transição conseguem muitas vezes bloqueá-la.”

Na Austrália acontece o mesmo. Por exemplo, o esquema para dar um preço ao carbono posto em prática pela primeira-ministra Julia Gillard em 2012 causou uma queda vertiginosa no apoio ao Partido Trabalhista e tornou-se um dos principais argumentos da campanha do Partido Liberal, liderado por Tony Abbot, que foi eleito em 2013. Com Abbot, a Austrália tornou-se o primeiro país a acabar com uma taxa sobre o carbono.

Existindo países com instituições tão diferentes, e que produzem resultados políticos tão dissimilares, conseguimos manter a esperança de conciliar interesses para uma transição para energias mais verdes a nível mundial, para lutar contra o aquecimento global? “Diferentes caminhos políticos resultam em transições para energias limpas a ritmos diferentes. Isto deve moderar as nossas expectativas sobre a capacidade de mobilizar todos os países do globo por um futuro de energia limpa”, alerta a equipa. Mas compreender estas diferenças, sublinham os cientistas, também nos ajuda a talhar intervenções políticas de forma mais adequada a cada país.