Governo britânico recua e já não desce imposto a quem ganha mais
Liz Truss tenta conter reacções negativas ao plano fiscal do Governo e retira uma das medidas mais controversas. Ministro das Finanças assume “distracção” e “turbulência” da medida.
Depois de uma onda de críticas ao pacote de cortes fiscais num momento de forte inflação e risco de entrada da economia em recessão, o Governo britânico anunciou nesta segunda-feira que já não vai baixar o imposto pessoal sobre o rendimento aos contribuintes que ganham mais. O recuo representa uma inversão em relação a uma parte simbólica do plano de cortes fiscais, que causou uma forte reacção negativa nos mercados e levou analistas a alertarem sobre a sustentabilidade das finanças públicas do Reino Unido.
Num discurso esta segunda-feira no segundo dia do congresso anual do Partido Conservador, em Birmingham, o ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, fez mea culpa.
“Sei que o plano apresentado há apenas dez dias causou alguma turbulência. Compreendo isso. Estamos a ouvir e ouvimos, e agora quero focar-me em cumprir com as partes mais importantes do nosso pacote de crescimento”, disse aos militantes.
Antes, no Twitter, tinha anunciado que o executivo já não iria eliminar o último escalão de rendimentos, por ser “evidente” que essa decisão “se tornou uma distracção” da missão do Governo em “responder aos desafios que o país enfrenta”.
Isto significa que aos rendimentos superiores a 150 mil libras (170,8 mil euros ao câmbio actual) continuará a aplicar-se uma taxa de imposto de 45% e que a redução para 40%, a taxa que se aplica aos rendimentos do escalão abaixo, já não vai ser concretizada.
O termo “distracção” também foi referido pela primeira-ministra britânica, Elizabeth Truss, menos de menos de 24 horas depois de ter garantido que não iria reverter a medida em causa. “Tornou-se uma distracção na nossa missão de fazer o Reino Unido avançar”, escreveu nas suas redes sociais.
O pacote de medidas do executivo de Truss prevê uma redução da taxa de imposto do escalão mais baixo (que passará de 20% para 19%) e uma redução fiscal no imposto aplicado no momento da compra de uma habitação, medidas que deverão continuar, porque o único recuo conhecido diz respeito àquela primeira medida, uma das mais controversas.
Kwarteng defendeu que a primeira prioridade do Governo passa por garantir um preço da energia mais baixa e reafirmou o compromisso de “cortar nos impostos para voltar a colocar dinheiro no bolso de 30 milhões de pessoas que trabalham arduamente e fazer crescer” a economia britânica. O terceiro pilar do “pacote de crescimento” mantém o plano de lançar “reformas do lado da oferta”, incluindo uma “aceleração de grandes projectos de infra-estruturas”.
De acordo com a Reuters, esta parte da reforma apenas representa 2 mil milhões dos 45 mil milhões de libras do corte de impostos (51 mil milhões de euros ao câmbio actual).
A agência Reuters notou o facto de a inversão surgir depois de o pacote fiscal ter “desencadeado uma crise de confiança dos investidores, abalando os mercados a tal ponto que o Banco de Inglaterra teve de intervir com um programa de compra de obrigações de 65 mil milhões de libras” (73,6 mil milhões de euros ao câmbio actual).
Truss admitiu que as intenções do Governo causaram “alterações” na economia “no curto prazo”. O jornal Financial Times lembra que a chefe do Governo disse no domingo que o plano fiscal iria para a frente, mas que a primeira-ministra concluiu que o pacote de medidas não iria conseguir ser aprovado na Câmara dos Comuns e que acabou por recuar depois de conversações com a sua equipa.
Na bancada conservadora, o pacote de Truss tem a oposição de dois destacados conservadores: de Michael Gove, ex-ministro da Justiça na era de David Cameron, ministro da Habitação e Autarquias no Governo de Boris Johnson e candidato à liderança dos Tories em 2016 (quando venceu Theresa May); e de Grant Shapps, que foi ministro dos Transportes de Boris Johnson e candidato à sucessão na última corrida conservadora.
Embora o impacto orçamental seja limitado, o volte-face diz respeito a uma medida importante, em particular por ser tomada num momento de crise económica e de alta geral dos preços.
Ao dar um sinal de inversão pouco tempo depois do anúncio, o executivo conservador procura aplacar parte das reacções negativas que se fizeram sentir. A reacção geral dos investidores nos mercados internacionais levou a uma subida das taxas de juro de referência para a dívida britânica a dez anos para um valor acima dos 4%, fez recuar a libra esterlina para um valor historicamente baixo em relação ao dólar e colocou as agências de rating de sobreaviso pelos riscos que colocam às finanças públicas do Reino Unido.
Essa foi uma das razões das críticas que o Fundo Monetário Internacional (FMI) fez, ao considerar que o conjunto das medidas poderá vir a criar mais inflação e a desequilibrar as contas públicas.
Nos mercados, a libra esterlina está em alta na sessão desta segunda-feira, a crescer 0,26%, correspondendo a 1,119 dólares norte-americanos.
Com António Saraiva Lima