Tecnologias de remoção de carbono “são uma fantasia”
A União Europeia deveria recusar a proposta para certificação da remoção de carbono, defende o Corporate Europe Observatory. Organização argumenta que empresas usam promessas “irrealistas” para continuar a extrair combustíveis fósseis.
A União Europeia tem de rejeitar a proposta legislativa da Comissão relativa à certificação da remoção de carbono, exige um relatório divulgado esta segunda-feira pelo Corporate Europe Observatory. Esta organização com sede em Bruxelas tem denunciado as consequências indesejáveis do lobbying de gigantes empresariais junto das instituições europeias.
O relatório defende que grandes empresas ligadas aos combustíveis fósseis querem um sinal verde para continuar a extrair gás e petróleo mediante promessas “irrealistas” de que, no futuro, haverá tecnologias para capturar o carbono emitido ou mesmo removê-lo da atmosfera. Entre as companhias citadas no relatório estão a Shell, Repsol, Equinor e Eni.
“Estas empresas já perceberam que o seu modelo de negócio está condenado à morte, mas querem decidir como e quando as mudanças ocorrerão, e garantir que, entretanto, mantêm grandes lucros”, afirma ao PÚBLICO Belén Balanyá, a investigadora do Corporate Europe que contribuiu para a elaboração do relatório.
A futura proposta legislativa da Comissão Europeia, que deverá ser apresentada no próximo dia 30 de Novembro, centra-se na captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS, na sigla inglesa). Trata-se de uma das tecnologias de remoção de CO2 propostas pela Comissão Europeia tendo em mente o objectivo de Bruxelas de alcançar a chamada “neutralidade carbónica” até 2050.
A proposta de Bruxelas visa estabelecer uma moldura de certificação de dois tipos diferentes de remoção de carbono: um “baseado na natureza” e outro “baseado na tecnologia”. A modalidade da “natureza” prevê o armazenamento de carbono em florestas e solos. Já a “remoção industrial”, alicerçada em tecnologias de geoengenharia “largamente não testadas” e “arriscadas”, são sustentadas pelo CCUS.
“O CCUS não é uma alternativa aos combustíveis fósseis, mas sim uma forma de manter a licença para extracção e queima de combustíveis fósseis com a promessa (sempre no futuro, porque a realidade é que o CCUS não funciona) de capturar as emissões”, refere Belén Balanyá por e-mail.
Para o Corporate Europe Observatory, a aposta na CCUS está condenada ao desastre. Isto porque a tecnologia em causa apresenta um historial de “repetidos fracassos” e críticas por ser “um desperdício de dinheiro” e servir apenas como um “livre passe” para as empresas do sector seguirem em frente com o negócio habitual – ou seja, a extracção de combustíveis fósseis.
“Tentam há mais de 30 anos para fazer [a tecnologia] funcionar. Permanece sempre uma promessa para o futuro, mas um fracasso [no presente]. Ainda assim, sustenta muitos planos de corporações (e de governos, incluindo planos da UE). Os desafios (e riscos para a saúde e o ambiente) mostram-se insuperáveis. É uma fantasia”, conclui Belén Balanyá.
“A neutralidade carbónica baseia-se na ideia de que a continuação das emissões pode ser equilibrada pela remoção de carbono da atmosfera através da compensação, captura ou remoção de CO2. A aceitação generalizada desta teoria ocorre em grande parte graças ao lobby dos gigantes da energia”, refere o comunicado de imprensa.
Belén Balanyá sustenta que as políticas europeias actuais, alinhadas com a ideia de neutralidade carbónica, vão empurrar o termómetro do planeta para além de 1,5 graus de Celsius. E isto, garante, terá “consequências catastróficas”. E daí o Corporate Europe reivindicar que a proposta legislativa seja recusada.
De acordo com o relatório, as tecnologias de captura, utilização e armazenamento de carbono fazem “pouco” para reduzir as emissões. Estima-se que as 28 centrais de CCUS hoje em funcionamento sejam capazes de capturar apenas 0,1% das emissões, segundo a mesma fonte. Desse total de carbono sequestrado, 81% foi usado para extrair ainda mais petróleo.
“Ainda assim, a União Europeia planeia dar crédito a essas reivindicações injustificadas e despejar ainda mais dinheiro nessa solução tecnológica extremamente cara”, afirma a investigadora do Corporate Europe.
Risco de fugas e contaminação
O documento acrescenta que a CCUS envolve uma “infra-estrutura gigantesca”. Calcula-se que, até 2050, a escala destes projectos implicaria a construção de centrais duas a quatro vezes maiores do que as actuais da indústria petrolífera. Isto sem falar nos riscos que estas novas tecnologias envolvem: ao injectar CO2 em galerias subterrâneas, haveria risco de “fugas”, “contaminação de águas” e “tremores de terra”.
Os planos de remoção de carbono contradizem as indicações do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas, frisa também o comunicado do Corporate Europe, que recomenda cortes rápidos e drásticos nas emissões durante a próxima década. Só assim ficaríamos abaixo do tecto perigoso de 1,5 graus Celsius de aquecimento. No relatório mais recente, o painel das Nações Unidas afirmava que métodos de remoção de CO2 não poderiam substituir reduções profundas das emissões.
O relatório intitulado A aposta climática mortal foi divulgado pelo Corporate Europe em colaboração com nove outros grupos independentes, ou seja, que emergem da sociedade civil. É o caso, por exemplo, do Food and Water Action Europe e do Biofuelwatch.
O Corporate Europe apresenta-se como um grupo “independente”, que trabalha “para expor e desafiar a influência desproporcional que corporações (e os seus lobistas) exercem sobre e elaboração de políticas na União Europeia”, lê-se na página electrónica desta organização. Entre as principais entidades que a apoiam financeiramente estão as fundações Polden Puckham Charitable, a Adssium e a Open Society Initiative for Europe, por exemplo.