A campanha de sensibilização de redução de consumos no Algarve, durante o Verão, representou pouco mais do que uma gota de água no meio de um deserto. O volume de água armazenado nas barragens representa um ganho de apenas 1%, comparando com 2019 - o ano de referência em termos turísticos, e em Agosto de 2022 os consumos até foram maiores. Os autarcas dizem estar “muitíssimo preocupados”, mas ficam-se pela manifestação do estado de espírito sem avançar nenhuma solução concreta. A água, diz um estudo da Universidade do Algarve (Ualg), pode mesmo faltar nas torneiras.
O ano hidrológico (época das chuvas) começou há dois dias e as seis barragens algarvias registam um volume de água armazenada de 90 milhões metros cúbicos, as estimativas dos gastos apontam para os 110 milhões. Os números foram revelados pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA/Algarve) aos autarcas. “Se continuar sem chover, temos de pensar em atribuir quotas de distribuição aos municípios estou muitíssimo preocupado”, referiu o presidente do Conselho da Comunidade Intermunicipal do Algarve-Amal, António Pina, na mais recente reunião deste conselho que decorreu na passada sexta-feira.
O director regional da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Pedro Coelho, defendeu, como medida mitigadora, o reaproveitamento da água utilizada na lavagem dos filtros das piscinas. Uma das propostas, sugeriu, passa pela sua reutilização na higiene urbana – limpeza de contentores de lixo e ruas.
Outras das medidas, preconizou, seria o uso de água não tratada para consumo nas obras públicas e privadas. Ao contrário do que seria expectável – a campanha de poupança de água - em Agosto teve resultado oposto ao esperado. Segundo a APA, o consumo, no mês de Agosto, registou um aumento de 2,2 % em relação a 2019. Apenas em Julho os resultados tiveram um saldo positivo com uma redução foi de 7%.
Piscinas a reabrir e esperar que chova
Noutro encontro de autarcas realizado no princípio da semana passada, o presidente da Câmara de Faro, Rogério Bacalhau, já tinha levantado a questão: “Conhecem alguém, sem ser os municípios, que tenha deixado de regar jardins e encerrado as piscinas?” Esta segunda-feira reabriram as piscinas municipais de Loulé, São Brás de Alportel e Faro, e outras autarquias preparam-se para tomar idênticas medidas. Em causa, justificam, estão os “benefícios da prática desportiva regular para a saúde e bem-estar físico e psicológico da população”.
A água, diz um estudo da Universidade do Algarve (Ualg), pode mesmo faltar nas torneiras, e não há – num prazo de dois a três anos - soluções à vista, a não ser esperar que chova. O investigador da Universidade do Algarve (Ualg), Nuno Loureiro, destaca: “O sistema está a aproximar-se de uma clara falência e urgem medidas para evitar”.
Uma das soluções passará por assumir a “urgência” da construção da central dessalinização. A escolha da localização do equipamento está ainda por definir. “O abastecimento futuro de água aos algarvios não pode ser como novo Aeroporto Internacional de Lisboa”, enfatizou.
Quanto ao abastecimento a partir da ligação ao rio Guadiana, a partir do Pomarão — outra das alternativas complementares que está em cima da mesa — a evolução do projecto está dependente do resultado dos estudos de impacto ambiental, a desenvolver nos dois lados da fronteira. Na perspectiva portuguesa, a obra respeita a Convenção de Albufeira, que gere os recursos hídricos partilhados por Portugal e Espanha.
O preocupante padrão
De acordo com os estudos desenvolvidos pela Ualg, é possível constatar que no final do anterior ano hidrológico (que terminou a 30 de Setembro) já se tinha atingido “o mínimo absoluto no armazenamento [nas barragens] e que, simultaneamente, em três dos quatro mais recentes anos se atingiram os valores mais baixos de todos os treze anos [2010- 2022]”.
Porém, sublinha Nuno Loureiro, o indicador mais preocupante encontra-se no “padrão de decréscimo no armazenamento médio anual na ordem dos 7,56 milhões de metros cúbicos”. A manter-se esta tendência, sublinha, “as seis barragens algarvias deixarão de ter condições efectivas para garantir que a água não faltará nas torneiras algarvias”. O cenário terá sido abordado no Conselho Intermunicipal da passada sexta-feira. O PÚBLICO assistiu à reunião pública (por lei). Porém, a parte final sessão foi declarada “privada”, quando chegou a vez de os autarcas exprimirem a sua opinião.
O caso que tem sido mais mediatizado é a situação da barragem da Bravura. O docente e investigador da Ualg não hesita em usar a palavra “falência”, uma vez que está quase vazia. Por seu turno, Pedro Coelho revelou que as chuvas do final do Verão, pouco significado tiveram nos recursos hídricos disponíveis.
Em Faro, a estação meteorológica do aeroporto registou apenas oito milímetros/metro quadrado. No concelho de Monchique a pluviosidade atingiu entre 20 a 30 milímetros/metro quadrado. Porém, onde a secura mais se faz sentir é na zona do nordeste algarvio. A barragem de Odeleite, revelou as Águas do Algarve, tem disponível um volume útil de apenas 25 milhões de metros cúbicos.
O abastecimento de água à região é garantido, pelas barragens, em cerca de 50%. A outra metade é fornecida pelos aquíferos. Porém o principal aquífero da região: Querença/Silves encontra-se também em situação crítica. A Administração Hidrográfica (ARH) atribui-lhe uma classificação “medíocre” em quantidade e qualidade da água disponível.