Microbioma: a biodiversidade invisível dos solos também está ameaçada
Artigo indica que os solos tratados com fungos nativos daquele ecossistema aceleram o crescimento das plantas em média em 64%. Esforços de conservação devem abraçar também a vida microbiana que sustenta toda a vida na Terra, alertam cientistas.
Quando falamos em biodiversidade, pensamos muitas vezes em plantas e animais icónicos. Contudo, os esforços de conservação devem abraçar também os micróbios, defende um artigo publicado esta segunda-feira na Nature Microbiology. A exemplo do que acontece em outros ecossistemas, a biodiversidade do microbioma dos solos também está em risco.
“Assim como o corpo humano tem um microbioma, o solo, a horta e a floresta também têm. Há evidências crescentes de que a vida microbiana está ameaçada. No entanto, existem oportunidades incríveis para usar o conhecimento emergente sobre a vida microbiana para fazer um melhor trabalho de restauração do ecossistema”, explica ao PÚBLICO Colin Averill, primeiro autor do artigo e investigador do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça.
Os autores alertam para a urgência de tomar medidas para preservar, restaurar e gerir a diversidade de microrganismos que vivem no solo, por forma a travar a sua possível extinção. Apesar de invisíveis, estes seres vivos são “essenciais” para o sucesso e a diversidade de todas as formas de vida na Terra.
“Há uma oportunidade de aproveitar a biodiversidade microbiana para melhorar os resultados agrícolas e, ao mesmo tempo, reduzir o uso de substâncias químicas [tais como adubos e pesticidas]. Estamos apenas a começar a entender esse incrível componente da biodiversidade da Terra e, por isso, há muito potencial”, acrescenta Averill, fazendo referência à necessidade de alimentarmos uma população global que continua a crescer.
O uso de microbiomas para combater a perda de biodiversidade global não é uma novidade. A singularidade do artigo de Averill reside na proposta de uma estratégia para mitigar as ameaças existentes à diversidade microbiana.
No artigo, Colin Averill e colegas apresentam uma estratégia para evitar perdas globais de biodiversidade microbiana usando fungos do solo como exemplo. A estratégia combina três pontos de acção: conservar, restaurar e gerir.
Os autores realizaram uma meta-análise de 80 estudos publicados, determinando que os solos tratados com fungos nativos daquele ecossistema aceleraram o crescimento das plantas em média em 64%. Concluíram ainda que a terra usada na agricultura alimentar e florestal – sectores que compõem a maior parte da terra vegetativa do planeta – é um alvo promissor para promover e proteger a biodiversidade microbiana.
“Identificámos paisagens agrícolas e florestas como potenciais reservatórios de biodiversidade microbiana subterrânea. Há uma grande oportunidade aqui para fazer uso de comunidades nativas microrganismos através de mudanças de práticas e alguns novos procedimentos de inoculação”, afirma o cientista por email.
O artigo reflecte ainda a necessidade de documentar a diversidade microbiana do solo actual para identificar áreas e espécies ameaçadas. Os dados de biodiversidade de fungos do solo em todo o continente africano, por exemplo, são bastante limitados.
Um dos desafios que os cientistas enfrentam em termos de sensibilização está na invisibilidade dos organismos que pretendem proteger. “A vida microbiana é, por definição, invisível. É difícil valorizar coisas que não sabemos que estão presentes. Esta é uma das razões pelas quais gostamos de estudar os fungos - eles vivem uma vida dupla como micro e macrorganismos biológicos, mas, na verdade, são apenas a ponta do iceberg do microbioma”, afirma Averill.
O risco da monocultura
As estratégias propostas para a vida subterrânea seguem princípios semelhantes aos das boas práticas recomendadas para as culturas acima do solo – e podem, muitas vezes, serem resumidas numa só palavra: variedade. Os autores alertam para o risco de os agricultores apostarem numa só super-estirpe microbiana, com a esperança de esta ser a solução mágica para dotar os solos de nutrientes e garantir colheitas formidáveis. Da mesma forma que a monocultura está mais exposta às pestes agrícolas, a comunidade microbiana pouco diversa é também mais vulnerável às ameaças ambientais.
“Sabemos que sistemas de baixa diversidade são mais susceptíveis a doenças e a eventos extremos. Eles são menos propensos a serem adaptados às condições ambientais locais. Finalmente, ao introduzir uma única espécie industrial, eliminamos a biodiversidade nativa que costumava estar presente no solo”, alerta o cientista.
O artigo da Nature Microbiology propõe não só um diagnóstico e uma solução, mas também deixa um alerta vermelho, recorrendo a uma linguagem mais assertiva do que é comum em revistas científicas.
“O mundo está à beira de um precipício assustador. À medida que entramos no sexto evento de extinção em massa, alguns dos componentes mais vulneráveis da biodiversidade da Terra podem ser aqueles que não podemos ver. Os organismos microbianos representam os principais mecanismos fundamentais de suporte à vida para o nosso planeta. À medida que erodimos essa biodiversidade, fechamos as portas para novas formas de apoiar o cultivo dos nossos alimentos e paisagens florestais. No fundo, perdemos milhares de milhões de anos de percepção evolucionária”, escrevem os autores na conclusão do artigo.