As alterações climáticas estão a conquistar espaço no debate político, por isso não é de admirar que também exijam tomadas de posição aos partidos de extrema-direita. Há investigação científica que mostra que os partidos de extrema-direita intervêm cada vez mais nos debates públicos sobre as alterações climáticas, disse Bernhard Forchtner, da Universidade de Leicester (Reino Unido), que tem estudado a relação entre a extrema-direita e a comunicação sobre ambiente.
“O tema das alterações climáticas é cada vez mais debatido nas nossas sociedades e isto permite a estes actores [partidos de extrema-direita] assumir uma postura de oposição à maioria dos restantes partidos que, de forma mais ou menos consequente, apoiam políticas climáticas”, sustenta Bernhard Forchtner, numa resposta por e-mail ao PÚBLICO. “Neste sentido sim, os partidos da direita radical usam ‘o tema do clima’ para se posicionarem e darem uma opção mais ou menos distinta aos eleitores”, completou.
Portanto, apesar de a extrema-direita estar cada vez menos alheada das questões do clima, a verdade é que, na maior parte dos casos, o fazem para as desacreditar como uma construção de elites globalistas, apresentando-se como nacionalistas, defensores dos perdedores da globalização (trabalhadores de indústrias extractivas como o carvão, por exemplo).
É o que tem acontecido nos últimos anos com os Democratas Suecos (DS), o partido de extrema-direita que foi o segundo mais votado nas legislativas de 11 de Setembro (20%). “A extrema-direita tem-se definido em termos populistas como sendo a voz do povo. Opõe-se às políticas de acção contra as alterações climáticas e frequentemente semeia a dúvida sobre a ciência climática”, explicou ao PÚBLICO Kjell Vowles, bolseiro de doutoramento no Centro de Estudos de Negação das Alterações Climáticas (Cenforced) da Universidade Chalmers, na Suécia.
“As alterações climáticas são consideradas como um tema globalista que é imposto ao povo puro e etnicamente definido, mas também como um ataque contra uma nação em decadência”, explicou Vowles, por e-mail. O que diz sobre os Democratas Suecos vale para muitos outros partidos de extrema-direita.
As políticas para combater as alterações climáticas são classificadas como uma ameaça à sociedade tradicional, um novo inimigo a combater. “A extrema-direita tem uma nostalgia por um Estado-nação idealizado, que é etnicamente homogéneo, patriarcal e industrialmente próspero, e que entende estar ameaçado por imigrantes, feministas e activistas pelo clima”, completa Kjell Vowles.
A experiência do poder
Mas podem os partidos de extrema-direita ter um impacto substancial sobre as políticas climáticas e de transição energética, por exemplo na União Europeia, onde várias formações radicais de direita estão a crescer, a apoiar governos?
“Por exemplo, nos Estados Unidos e no Brasil [com Donald Trump e Jair Bolsonaro], estes actores já tiveram um impacto significativo; na Europa, a influência directa da direita radical tem sido muito limitada”, começa por dizer Bernhard Forchtner.
No Parlamento Europeu, os partidos populistas de direita têm votado predominantemente contra políticas climáticas e de energia sustentável, demonstrou uma análise de 2019 feita pelo Adephi, um think tank ambiental alemão. Mas quando partidos que podem ser considerados desta cepa ideológica chegaram ao Governo, os resultados são diferentes. “Na Polónia, o carvão tem sido uma preocupação chave [é uma indústria defendida pelo partido no poder, Lei e Justiça, PiS]; na Hungria, o Fidesz [o partido de Governo] tem assumido posições bastante pró-clima”, resume Forchtner.
“Na Suécia, onde os DS vão ter influência sobre o próximo Governo, é provável que [a extrema-direita] afecte as políticas”, diz, por sua vez, Kjell Vowles. “Durante a campanha eleitoral, o partido prometeu políticas para cortar as emissões de dióxido de carbono dos transportes, para tornar mais barato andar de carro. E também não se comprometeu com os objectivos climáticos suecos. É de esperar que alguns programas ambientais sofram recuos”, considera o cientista sueco.
Em Itália, onde há uma semana uma coligação com dois partidos de extrema-direita (e um de direita) ganhou as eleições, as perspectivas para um Governo com uma política climática ou mesmo ambiental positiva são reduzidas.
Se os Irmãos de Itália, o partido de Georgia Meloni, que deve ser a próxima primeira-ministra, pediu à Comissão Europeia que suspendesse o Pacto Ecológico Europeu até ao fim da pandemia, Matteo Salvini, o líder da Liga, votou contra a ratificação do Acordo de Paris em 2016 no Parlamento Europeu, quando era eurodeputado. E quando foi ministro do Interior e impôs políticas draconianas para controlar a imigração, desprezou a ideia de existirem refugiados climáticos. “Alguém que seja de Milão e não goste de nevoeiro também pode ser um refugiado climático?”, interrogou, com arrogância, no Twitter.
Moderação da UE
Há, no entanto, investigação que indica que a participação de partidos populistas de direita em governos nacionais não provocou “uma deterioração maciça das políticas climáticas”, salienta Bernhard Forchtner. “Isto pode acontecer porque estes partidos não consideram esta área prioritária ou porque os seus parceiros no Governo insistem em que haja algum nível de seriedade neste campo”, sublinha o investigador da Universidade de Leicester.
“Com base num estudo de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, Ben Lockwood (Universidade de Warwick) e Matthew Lockwood (Universidade do Sussex) ilustraram o efeito negativo do que designam partidos populistas de direita no Governo. Mas também mostram que este efeito negativo é significativamente moderado por um sistema eleitoral de representação proporcional e por o país ser membro da União Europeia”, relata Forchtner.
Por exemplo, o Partido da Liberdade austríaco, que já por duas vezes participou numa coligação governamental (entre 2000 e 2005 e de 2017 a 2019) adoptou, nos anos mais recentes, uma posição mais favorável às políticas climáticas, respondendo a um apelo da sua organização de juventude. Hoje, apesar de não alinhar com o que o líder, Norbert Hofer, chama “histeria climática”, e não concordar com reduções das emissões de CO2 que não incluam um esforço significativo dos Estados Unidos e da China, o partido apoia políticas como o objectivo de a Áustria ter 100% de energias renováveis até 2030 e o abandono do carvão, e é contra a energia nuclear.
“Mas existe definitivamente um risco de que estes partidos arrastem outros para objectivos climáticos menos ambiciosos – porque as outras formações podem recear que os de extrema-direita se tornem atraentes para alguns segmentos de eleitores“, sublinha Forchtner. “Não devemos no entanto esquecer-nos que os partidos mainstream da esquerda e especialmente da direita também têm muitas vezes tido falta de ambição, mesmo sem terem a direita radical a morder-lhe os calcanhares.”
Ambientalistas nacionalistas
Se os partidos de extrema-direita costumam ser hostis a acções para controlar as alterações climáticas que têm um carácter de coordenação internacional, vemo-los muitas vezes a serem defensores de políticas ambientais a nível local ou nacional. “Falam da conservação da natureza e enquadram o ambiente e a paisagem como um assunto local que deve ser protegido da poluição”, salienta Vowles.
Este “patriotismo verde” levou Marine Le Pen, a líder da União Nacional, em França, a defender, em contramão com à tendência para aumentar as energias renováveis, o desmantelamento progressivo das eólicas – uma energia alternativa que frequentemente é alvo de queixas dos seus vizinhos, e críticas por mancharem a paisagem, mas que só no primeiro trimestre de 2021 garantiu 8,4 % da electricidade consumida em França. A candidata derrotada à presidência francesa nas eleições de Abril aposta tudo na energia nuclear.
O Vox, em Espanha, opõe-se a políticas destinadas a combater as alterações climáticas. Um deputado do partido de extrema-direita disse num debate parlamentar em 2021 que o aquecimento global não é assim tão mau, porque “reduzirá a mortalidade devido ao frio”. Mas o que rejeitam não é tanto a ciência climática, como as “elites ambientais”. O que os preocupa, disse o líder Santiago Abascal, é “a emergência de uma religião do clima com a qual não se pode discordar”. Apresentaram uma agenda verde para criar aquilo que Abascal disse ser “uma Espanha verde, limpa e próspera, industrializada e em harmonia com o ambiente.”
A crise energética pela qual estamos a passar pode ajudar ao desenvolvimento da extrema-direita. “A extrema-direita pode tentar aproveitar-se da crise tal como os Democratas Suecos, defendendo preços de combustível mais baixos e subsídios, dizendo que estão a proteger os valores tradicionais da família, a permitir que os pais levem os filhos de carro ao hóquei no gelo e ao futebol”, exemplifica Kjell Vowles.
“Períodos de crise e preocupação com as condições de vida (que hoje se justificam, por causa dos preços da energia), são potencialmente perigosos, e podemos já ver que, por exemplo, a Alternativa para a Alemanha está a subir outra vez [as sondagens dão-lhe entre 13% e 15%, quando nas legislativas de 2021 teve 10,3%], e vemos o que aconteceu na Suécia”, diz Bernhard Forchtner.
“A extrema-direita vai usar as preocupações económicas para mobilizar, para criar oposição às políticas climáticas. Se vão ter sucesso, isso depende do que os Governos decidirem fazer para ajudar os mais necessitados”, avisa Forchtner.