No México, desaparecem cada vez mais pessoas. As famílias continuam à procura dos corpos

Em Maio, o número de desaparecidos no México ultrapassou os 100 mil. O grupo de busca local Las Rastreadoras del Fuerte une-se para procurar os corpos. “Não descansaremos até encontrarmos todos os nossos filhos.”

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Manki Lugo em frente a um retrato do seu filho desaparecido Juan Reuters/MAHE ELIPE

Manki Lugo já não se lembra de quantos cadáveres encontrou nos sete anos em que procurou o filho pelo norte do México. O que ela não pode esquecer foram todos os momentos em que a esperança se esvaiu ao aperceber-se que um corpo não era mais uma vez Juan.

Manki Lugo varre o escritório do colectivo Las Rastreadoras del Fuerte em Los Mochis, Sinaloa, México. Reuters/ Mahe Elipe
Manki Lugo, de 68 anos, em frente a um retrato do seu filho desaparecido Juan, em Los Mochis, Sinaloa, México. Reuters/ Mahe Elipe
Manki Lugo interage com a sua família na sua sala de estar. Reuters/ Mahe Elipe
Manki Lugo lava pratos no quintal da casa. Reuters/ Mahe Elipe
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Manki Lugo varre o escritório do colectivo Las Rastreadoras del Fuerte em Los Mochis, Sinaloa, México. Reuters/ Mahe Elipe

A aliança de casamento cravada ao dedo de um esqueleto. Ou uma tatuagem em forma de lua, quase já não visível na pele em decomposição de um braço. "Quando encontrámos um corpo, ou partes, rezo para que seja ele”, diz a mulher de 68 anos de cabelo branco, sentada no pátio da sua casa de madeira. “Para que eu possa finalmente encontrar a paz.”

O grupo de busca de pessoas desaparecidas Rastreadoras del Fuerte cava em busca de um corpo numa floresta de Los Mochis, Sinaloa, México. Reuters/ Mahe Elipe
Restos humanos carbonizados, recolhidos durante uma busca a uma vala comum ilegal, são dispostos para serem examinados pela equipa forense a fim de se proceder à análise do ADN em Xicotencatl, Tamaulipas, México. Reuters/ Mahe Elipe
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O grupo de busca de pessoas desaparecidas Rastreadoras del Fuerte cava em busca de um corpo numa floresta de Los Mochis, Sinaloa, México. Reuters/ Mahe Elipe

Depois de Juan, então com 33 anos, ter desaparecido em Julho de 2015, Lugo juntou-se a um grupo de busca local chamado Las Rastreadoras del Fuerte o nome da cidade do norte do estado de Sinaloa, onde o grupo encontrou uma das primeiras valas comuns.

Pessoas reúnem-se à volta de um mesa para ajudar famílias de pessoas desaparecidas gerida por Las Rastreadoras del Fuerte em Los Mochis, Sinaloa, México. Reuters/ Mahe Elipe
Grupo de busca Las Rastreadoras del Fuerte cava à procura de um corpo numa floresta. Reuters/ Mahe Elipe
Mães dos desaparecidos em busca de restos mortais na lama e esgotos do Gran Canal de Desague em Ecatepec de Morelos, Cidade do México. Reuters/ Mahe Elipe
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Pessoas reúnem-se à volta de um mesa para ajudar famílias de pessoas desaparecidas gerida por Las Rastreadoras del Fuerte em Los Mochis, Sinaloa, México. Reuters/ Mahe Elipe

O colectivo, na sua maioria mulheres, passa horas sob o sol escaldante, a analisar a vegetação densa em busca das sepulturas clandestinas que escondem os mortos desaparecidos ou a procurar os corpos levados pelos esgotos. Para tornar a identificação mais difícil, por vezes apenas os membros de várias vítimas diferentes são enterrados juntos as cabeças e os troncos são escondidos noutro local. Por vezes, o grupo persegue, com alguma esperança, um fedor pútrido até a um pântano ou bosque, apenas para encontrar um animal morto enterrado sob o lixo.

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A fundadora de Las Rastreadoras del Fuerte, Mirna Medina, com alguns outros membros do grupo, diz a Georgina Leyva que identificaram o corpo do seu filho, em Ahome, Sinaloa, México. Reuters/ Mahe Elipe

Em Maio, o número de pessoas desaparecidas em todo o México passou de 100 mil —​ muitas delas vítimas da violência implacável relacionada com a droga no país. E o número de desaparecidos continua a aumentar, atingindo agora 105.879, com muitos especialistas e autoridades mexicanas a acreditarem que o número real é ainda mais elevado.

A busca desesperada de grupos como o Las Rastreadoras del Fuerte lança luz não só sobre o sofrimento causado pela violência, mas também sobre a falta de fé na capacidade das autoridades para a combater.

Brisa senta-se no cemitério onde o irmão Javier Leyva está enterrado em Sinaloa, México. Reuters/ Mahe Elipe
A família de Javier Leyva, de 22 anos, procede ao enterro do corpo no cemitério da aldeia de San Isidro, Sinaloa, México. Reuters/ Mahe Elipe
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Brisa senta-se no cemitério onde o irmão Javier Leyva está enterrado em Sinaloa, México. Reuters/ Mahe Elipe

A Reuters passou quatro anos a documentar o trabalho destes grupos em dez estados mexicanos. No México, surgiram cerca de 180 grupos deste tipo, alguns compostos por poucas pessoas ou por uma única família. Com medo de abalar a simpatia do público, algumas destas pessoas mostraram-se relutantes em dizer se os desaparecidos estavam envolvidos com drogas ou crimes.

Sinaloa, na costa norte do Pacífico mexicano, é o lar de uma das maiores organizações de tráfico de droga do mundo: o Cartel de Sinaloa.

As autoridades mexicanas não comentaram casos individuais nesta história, dizendo que as investigações estavam em curso.

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Visitantes olham para retratos de pessoas desaparecidas exibidos durante uma marcha pacífica organizada pela 'VI Brigada Nacional de Busca dos Desaparecidos', na Praça de Armas na cidade de Cuernavaca, Morelos, México. Reuters/ Mahe Elipe

A maioria dos desaparecidos do México desapareceu desde 2006, quando o então Presidente Felipe Calderon declarou uma “Guerra contra a Droga”, enviando as forças armadas para combater os cartéis cada vez mais poderosos e desencadeando uma onda de violência que continua a assolar o país. Desde então, cerca de 400 mil pessoas foram assassinadas.

As mulheres do grupo Las Rastreadoras del Fuerte encontraram 423 corpos, de acordo com os seus registos. Mas apenas 218 desses corpos puderam ser identificados e devolvidos às famílias.

Poucas das mulheres do grupo encontraram o que procuram.

Os restos humanos carbonizados, recolhidos a meio dia de busca, são dispostos para serem examinados pela equipa forense a fim de se proceder à análise do ADN. Reuters/ Mahe Elipe
O colectivo Graciela Perez examina uma vala comum num campo perto da cidade de Xicotencatl, Tamaulipas, México. Reuters/ Mahe Elipe
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Os restos humanos carbonizados, recolhidos a meio dia de busca, são dispostos para serem examinados pela equipa forense a fim de se proceder à análise do ADN. Reuters/ Mahe Elipe

Uma delas é Mirna Medina, que fundou o grupo na sufocante cidade Sinaloana de Los Mochis, depois de o seu filho Roberto ter desaparecido quando tinha 21 anos em Julho de 2014. Mirna é uma mãe de 52 anos com cabelo curto com madeixas, que é frequentemente provocada pelo grupo pelas suas unhas bem cuidadas, que se estragam quando escava para tentar encontrar os corpos.

Na sua sala de estar, que funciona também como um agitado ponto de encontro para este trabalho, Medina recorda como, após três anos de buscas, desenterrou pedaços de uma espinha e parte de um braço, numa parte remota de El Fuerte, a cerca de 100 quilómetros de casa. Os testes de ADN corresponderam a Roberto. Mais tarde, no mesmo ano, encontrou parte do pé dele nas proximidades. E, durante uma terceira busca, três anos mais tarde, encontrou o outro pé, bem como parte das calças. Mesmo depois de encontrar Roberto, Medina continua a procurar.

A fundadora do grupo de busca local Mirna Medina. Reuters/ Mahe Elipe
Fundadora do grupo de busca Mirna Medina recebe uma chamada sobre um corpo encontrado pelo colectivo. Reuters/ Mahe Elipe
A fundadora do grupo de busca Las Rastreadoras del Fuerte traz consigo uma coroa de flores durante a comemoração da descoberta do corpo do filho Roberto. Reuters/ Mahe Elipe
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A fundadora do grupo de busca local Mirna Medina. Reuters/ Mahe Elipe

"Fiz uma promessa ao Roberto, nessa altura, de que o procuraria até o encontrar”, recorda. “Agora fazemos essa promessa um ao outro (como um grupo), de que não descansaremos até encontrarmos todos os nossos filhos.”

Centro do coração do Cartel

Jessica Higuera, de 43 anos, junta-se às Las Rastreadoras del Fuerte nos dias em que pode sair do trabalho numa bomba de gasolina local. O seu filho mais velho, Javier, então com 19 anos, desapareceu há quatro anos.

Jessica Higuera trabalha como funcionária numa estação de serviço em Los Mochis, Sinaloa, México. Reuters/ Mahe Elipe
Jessica Higuera desloca-se para o trabalho. Reuters/ Mahe Elipe
A funcionária do posto de gasolina Jessica Higuera cheira terra durante uma busca aos corpos de pessoas desaparecidas. Reuters/ Mahe Elipe
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Jessica Higuera trabalha como funcionária numa estação de serviço em Los Mochis, Sinaloa, México. Reuters/ Mahe Elipe

Higuera tinha acabado de engomar a camisa favorita de Javier e deu-lhe um beijo de despedida na bochecha, lembrando-o de “ser um cavalheiro” ao sair para a festa de aniversário de uma rapariga do bairro. Mais tarde, soube que Javier e um amigo tinham roubado uma moto depois da festa. Então, os amigos do filho disseram-lhe que eles tinham sido raptados e nunca mais foram vistos. “Claro que gostaria de esperar que um dia ele passe por esta porta. Mas acho que não”, diz sentada à mesa da cozinha, enquanto dois cães vadios que resgatou das ruas vagueiam por perto.

Para alguns, a busca não termina quando um corpo é encontrado.

Mayra Gonzalez, de 48 anos, tinha procurado a sua irmã mais nova em três estados mexicanos com outro grupo durante mais de dois anos. Um dia, enquanto colocava cartazes de busca numa cidade distante da sua casa, um grupo de mulheres falou-lhe sobre um corpo descoberto numa floresta próxima. As autoridades locais do estado de Hidalgo não conseguiram identificar o corpo, mas Gonzalez acreditou que poderia ser a sua irmã Gloria que tinha desaparecido em 2016, com 38 anos, enquanto viajava através do estado vizinho de Puebla, no centro do México.

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Realização de um teste de ADN durante uma campanha para testar familiares de pessoas desaparecidas em Orizaba, Veracruz, México. Reuters/ Mahe Elipe

Após a libertação do corpo da morgue, Gonzalez exigiu às autoridades que fizessem testes de ADN. “Estava preocupada que me entregassem qualquer corpo, apenas para encerrar o caso”, conta. Os testes confirmaram que se tratava da irmã Gloria. Mas algumas coisas ainda não se verificaram.

Depois de analisar os arquivos do caso, Gonzalez disse que tinha notado que faltavam ossos no corpo. Verificou-se que as autoridades tinham apenas removido parcialmente o corpo de Gloria da floresta onde ela foi encontrada, deixando algumas partes para trás. Gloria lutou para que o que faltou dos restos mortais fossem recuperados.

Gonzalez também pediu uma autópsia independente, que encontrou inconsistências com o relatório oficial que listava apenas uma ferida do impacto de bala. A autópsia independente encontrou três. “Não confiamos nas autoridades”, diz, sentada num café à beira da estrada perto da sua casa no estado do México.

O túmulo de Gloria Gonzalez é exumado no cemitério de San Efren, Ecatepec de Morelos, México. Reuters/ Mahe Elipe
Mayra Gonzalez visita o túmulo da irmã Gloria Gonzalez para o adornar com flores. Reuters/ Mahe Elipe
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O túmulo de Gloria Gonzalez é exumado no cemitério de San Efren, Ecatepec de Morelos, México. Reuters/ Mahe Elipe

Gonzales apresentou uma queixa à comissão estatal dos direitos humanos sobre a forma como as autoridades tinham gerido o caso da sua irmã. Foi aberta uma investigação, que está em curso. Um homem foi preso por causa do desaparecimento e assassinato da irmã. Os casos não foram tornados públicos porque as investigações estão a decorrer.

Em 2019, Gonzales regressou à universidade para estudar, com o objectivo de ter um diploma em Direito. Está agora a meses de se formar. “Depois de ver tanta injustiça, comecei a estudar Direito”, conta. “Não é apenas para conseguir justiça para a Gloria, mas para todos os que vêm depois de mim.”