A maior parte dos estudantes universitários tem atitudes amigas do ambiente, mas “há ainda muito trabalho a ser feito” para que se tornem mais “conscientes das suas decisões de compra e do impacto ambiental que causam no planeta”. Esta é uma das conclusões de um estudo recente feito por Márcia Alves, intitulado “Economia Circular: Comportamentos, Atitudes e Conhecimentos dos Estudantes Universitários em Portugal”, apresentado na Universidade Católica Portuguesa em Julho de 2022. A autora diz ao PÚBLICO que este é o primeiro estudo em Portugal sobre o tema com foco nos estudantes universitários.
Como os “actuais estudantes universitários serão os futuros líderes, decisores políticos, empresários e consumidores”, diz Márcia Alves, importa saber quais os padrões de consumo e qual a percepção de conceitos como a sustentabilidade e economia circular nestes alunos. Para descobrir, a autora fez um inquérito a 377 estudantes, entre Março e Abril de 2022. Dos inquiridos, 70% encontram-se unicamente a estudar (os restantes são trabalhadores-estudantes), a maior parte são mulheres e a maioria vive nas regiões do Porto e de Braga. Cerca de 80% dos inquiridos têm idades entre os 18 e os 25 anos.
Os resultados mostram que os hábitos sustentáveis mais enraizados são também os mais “convencionais”: a separação de materiais para reciclagem, a compra de produtos eficientes do ponto de vista energético, a reparação de artigos danificados em vez de comprar novos ou a redução do desperdício alimentar. Já as maiores “resistências” dos estudantes estão relacionadas com a economia de partilha, com “o produto enquanto serviço” e com o consumo de produtos remanufacturados em segunda mão. Como se lê na tese, orientada por Alberto Castro e Alexandra Paula Leitão, a maior parte compra produtos electrónicos novos e também há 65,5% dos inquiridos que não compram frequentemente roupa em segunda mão, “rejeitando a possibilidade de prolongar o ciclo de vida do produto”.
Em alguns casos, nota a investigadora mestre em Gestão, há uma “disparidade” entre aquilo que os estudantes defendem e aquilo que fazem. “Esta resistência poderá reflectir uma falta de informação sobre o serviço, bem como a ausência de confiança, o que pode levar o estudante a evitá-lo”, explica Márcia Alves ao PÚBLICO.
Outros estudos também mostram que, em muitos casos, não se trata só de os jovens terem (ou não) preocupações ambientais. Há outros factores que entram nesta equação: a falta de dinheiro, preços elevados, falta de tempo para se informarem sobre os produtos e até falta tempo para procurarem alternativas mais sustentáveis. Além disso, pode também haver a sensação de que a mudança individual não tem impacto.
Neste estudo, quase 40% dos inquiridos dizem que não têm em conta qualquer aspecto ambiental quando compram um produto. Ainda assim, em 30% dos casos, tentam comprar produtos feitos com embalagens recicladas e sem plástico. No que toca aos produtos que chegam ao fim do seu ciclo de vida, os inquiridos têm “comportamentos positivos”: ora arranjam, ora dão ou vendem os produtos. Ficar com o produto em casa acabou por ser a opção menos escolhida, com 17% de respostas. A maior parte dos inquiridos também tenta reduzir a quantidade de lixo produzida, assim como aumentar os hábitos de reciclagem e ter dispositivos que poupem energia ou água.
E, mesmo que “90% dos estudantes tenham respondido que nunca ouviram falar de economia circular antes, tal não significa que não ajam e tenham atitudes de economia circular”, lê-se no documento com os resultados do estudo.
Economia circular é mudança “necessária"
E o que é, afinal, a economia circular? Falamos de um modelo económico alternativo à economia linear: na perspectiva circular, o objectivo é que os produtos sejam feitos para serem duradouros, para serem reutilizados e reaproveitados, podendo voltar a entrar no mercado. Há um reconhecimento de que os recursos do planeta são finitos e que devem ser reutilizados, em vez de explorados com danos para o ambiente. Mas tudo isso “implica um esforço não só por parte das indústrias, governos e empresas, como também dos consumidores” – incluindo os estudantes universitários.
Como esclarece Márcia Alves, esta é uma mudança “necessária para lutar contra os actuais padrões de produção e consumo, assim como dar resposta às alterações climáticas e problemas ambientais”. O objectivo da economia circular é reduzir “a extracção e utilização de recursos naturais virgens e a geração de poluição”. O que se torna ainda mais importante, tendo em conta que, desde a década de 1970, a humanidade tem vivido em “défice ecológico”.
As instituições de ensino superior são fundamentais na mudança de comportamentos e devem “mudar as suas abordagens educativas”, lê-se na tese de mestrado defendida na Católica Porto Business School, e isto consegue-se ao mobilizar diferentes sectores da sociedade para “aprender, pensar e agir de forma diferente”. Já as instituições de ensino superior devem repensar o seu currículo lectivo para melhorar a aprendizagem do mundo real e incluir estudantes em projectos para melhorar a ligação entre universidades, indústria e governo. É também necessário ter medidas concretas no terreno, como estações de bicicletas partilhadas, e dar formação a professores.
Estas mudanças passam pelos consumidores e pelas instituições de ensino, mas não só. “A transição para um futuro mais circular exige a implementação de políticas públicas”, considera Márcia Alves, mas também de “mudanças profundas na forma como os negócios pensam, operam e se organizam”.