Vaticano aplicou sanções a Ximenes Belo em 2020
Salesianos portugueses, que acolhiam o bispo emérito de Díli acusado de ter abusado sexualmente de menores em Timor-Leste, dizem-se “tristes e perplexos”.
O Vaticano confirmou esta quinta-feira que impôs sanções disciplinares ao bispo emérito de Díli, Ximenes Belo, na sequência das acusações de que este abusou sexualmente de vários menores nas décadas de 1980 e 1990. Segundo o porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni, à agência Associated Press, as primeiras denúncias contra o timorense chegaram à Congregação para a Doutrina da Fé em 2019. E terá decorrido um ano até que lhe fossem impostas sanções, entre as quais se incluem limitações nas viagens e no exercício do ministério e a proibição de ter contacto voluntário com menores ou voltar a Timor-Leste.
Um ano depois, em Novembro de 2021, estas sanções foram “modificadas e reforçadas”, tendo de ambas as vezes Ximenes Belo aceitado formalmente o “castigo”, ainda segundo o porta-voz do Vaticano.
Actualmente com 73 anos, Ximenes Belo passou as últimas décadas em Portugal, praticamente desde que, em 2002, anunciou repentinamente o seu pedido de resignação, alegando padecer de um cansaço “físico e psicológico” que requeria uma “longa recuperação”.
Segundo o jornal holandês que, na quarta-feira, trouxe a público as acusações de abuso sexual, a decisão coincidiu com o início das investigações visando apurar a veracidade dos boatos que corriam desde há muito em Timor-Leste.
Antes de ser nomeado bispo, Ximenes Belo era um sacerdote salesiano. E quando saiu de Timor-Leste, deixando o cargo vazio, Belo mudou-se para as instalações da Província Portuguesa da Sociedade Salesiana, tendo passado pelo Porto, Anadia e Lisboa, pelo menos.
"Tristeza e perplexidade"
Esta quinta-feira, esta congregação religiosa, que detém seis colégios em Portugal Continental, reagiu com “tristeza e perplexidade” às notícias que lhe imputam vários casos de abuso sexual.
“A Província Portuguesa, a pedido dos seus superiores hierárquicos, recebeu-o como hóspede durante os últimos anos. Desde que se encontra em Portugal não tem tido quaisquer cargos ou responsabilidades educativas ou pastorais ao serviço da nossa Congregação”, explicam os salesianos num curto comunicado, no qual salientam que, desde que assumiu funções na diocese de Díli, em Timor-Leste, primeiro como administrador apostólico e depois como bispo, Ximenes Belo “deixou de estar dependente daquela congregação religiosa”.
Ainda assim, os salesianos foram chamados a acolhê-lo. “O pedido de hospitalidade foi por nós aceite com toda a naturalidade por se tratar de uma pessoa conhecida e estimada por todos”.
Já quanto às notícias de que Ximenes Belo abusou sexualmente de dezenas de menores, os salesianos portugueses nada disseram, alegando não disporem de “conhecimentos” e remetendo os necessários esclarecimentos “para quem tem competência e conhecimento”.
O Vaticano deixou por explicar se tinha já ou não conhecimento destas suspeitas quando, em 2002, Ximenes Belo apresentou o seu pedido de resignação da diocese de Díli. A decisão provocou surpresa nos meios eclesiásticos, tanto mais que coincidiu com uma altura em que, apenas seis anos decorridos desde que fora galardoado com o Nobel da Paz, Ximenes atravessava “um período de glória”, como adiantou ao PÚBLICO uma fonte da igreja.
Além disso, o Vaticano - com João Paulo II como Papa - foi inopinadamente célere a aceitar o pedido, o que deixa acreditar que os boatos que então circulavam em Timor-Leste, e que imputavam a Ximenes Belo o hábito de convidar jovens rapazes para a sua casa, onde perpetrava os abusos, pagando depois para garantir o silêncio das vítimas, tinham já ressoado no Vaticano.
Mas se assim foi, resulta difícil compreender como é que, apenas ano e meio depois de ter deixado o seu lugar vazio em Díli, Ximenes Belo interrompeu o seu exílio português e obteve autorização para ir como missionário para Moçambique onde foi auxiliar um padre local no trabalho com crianças. “Faço trabalho pastoral ensinando o catecismo a crianças, dando retiro a jovens”, declarou então, numa entrevista ao UCA News.
Findo aquele trabalho, Ximenes Belo, que tem permanecido incontactável desde que a notícia foi tornada pública, voltou à condição de hóspede dos salesianos portugueses, desconhecendo-se agora o seu actual paradeiro.
Por outro lado, mesmo admitindo que estas suspeitas só tenham chegado ao Vaticano em 2019, causa estranheza que a ordem religiosa que foi chamada a acolhê-lo não tenha sido informada das mesmas, até para poder intervir face a eventuais contactos com alunos da instituição.
Recorde-se que o ano de 2019 foi aquele em que o Papa Francisco convocou uma cimeira inédita porque totalmente dedicada a discutir o flagelo dos abusos sexuais em meio eclesial. Ao fim de quatro dias, a Igreja predispôs-se a fazer tudo o que fosse necessário para entregar à justiça todos os que abusaram de menores ou adultos vulneráveis. “A Igreja não procurará jamais dissimular ou subestimar qualquer um desses casos”, anunciou então Francisco, perante cerca de 190 líderes da Igreja.