André Ventura: “Há um novo quadro de relação com o PSD”
Líder do Chega espera que os sociais-democratas apoiem propostas do partido no Orçamento do Estado para 2023 e na próxima revisão constitucional. Em entrevista ao programa Hora da Verdade, do PÚBLICO e da Renascença, André Ventura defende a não tributação do subsídio de Natal deste ano como resposta à crise.
Depois de o Chega ter recebido o apoio expresso do PSD para a eleição de um vice-presidente da Assembleia da República (AR), André Ventura evita assumir se tem conversado com Luís Montenegro mas não deixa de lembrar os resultados de domingo das eleições italianas.
Há uma nova relação com o PSD ou este apoio recente ao candidato para vice-presidente da AR do Chega foi apenas institucional?
Desde as legislativas, e até antes, tínhamos vindo a insistir num quadro não de aproximação mas de conjugação institucional. As eleições italianas deste fim-de-semana foram bem a prova de como a conjugação institucional de partidos muito diferentes pode levar a resultados muito satisfatórios.
O PSD percebeu isso tarde e, de uma forma caricata, grande parte do grupo decidiu não acatar aquelas indicações. Quase metade da bancada terá votado contra as indicações do seu líder. O PSD não está a fazer isto porque quer ser nosso amigo. Percebeu, no quadro europeu e no quadro nacional, que estamos a ter mudanças profundas a nível político e sociológico e não quer entrar no jogo da hostilização...
Pode ficar a perder...
Não é questão de perder. Acho que Montenegro já percebeu o que Rui Rio não tinha percebido: não haverá governo de direita sem o Chega. Percebeu isso e querendo ser governo percebe que tem de fazer esse caminho, mesmo sabendo que isso lhe pode custar internamente alguns apoios, algumas críticas e, se calhar, ter algum opositor nas próximas directas.
Tem falado com Montenegro?
Montenegro tem razão quando disse que aproximações e coligações não são questões actuais. Não vou revelar conversas com ninguém – apesar de Rui Rio ter mentido na altura – porque são de natureza pessoal, mas é evidente que há um novo quadro de relação. Isto não quer dizer nenhuma aproximação política ou ideológica. Há um novo quadro que, dos dois lados, quer existir e penso que posso falar por Montenegro porque o ouvi dizer isso num quadro de normalização.
Isso vai reflectir-se em quê?
Nisto da Assembleia da República, por exemplo. Temos discordado muitas vezes no Parlamento, em matéria de prisão perpétua e apoio à economia, e temos sido críticos.
Da conjugação para uma convergência vai ser difícil?
Vai ser trabalhoso.
Por exemplo, na revisão constitucional, haveria condições para a conjugação?
O nosso projecto de revisão constitucional anterior era muito marcado pelas bandeiras do Chega. Este projecto são 70 e muitas páginas em que algumas das principais ideias, as que são actuais, vêm de constitucionalistas próximos do PSD.
Por exemplo?
Jorge Bacelar Gouveia, Jorge Miranda e do próprio Sá Carneiro, que escreveu um livro sobre a revisão constitucional. Muitas destas ideias têm um cunho de preocupação social-democrata. Há aqui caminho para uma aproximação. Questões como a nomeação do Procurador-Geral da República, será que o governo deve ter um papel nisto? É uma coisa em que se calhar PS, Chega, PSD e Iniciativa liberal estão de acordo. Porque é que não podemos trabalhar nisto? Só porque é o Chega a apresentar? Sobre as incompatibilidades, temos tido este problema como a ida de Mário Centeno para o Banco de Portugal.
Propõe que seja o Presidente da República a nomear o governador?
Sim.
Dê-nos outros exemplos de propostas do Chega.
O modelo na saúde que propomos tem sido próximo de PSD e Iniciativa Liberal, que não é exclusivamente público como querem os socialistas, nem exclusivamente privado como quer a Iniciativa Liberal, mas um modelo misto com peso da economia social. Questões como as nomeações dos órgãos, da justiça, há questões em que o PSD pode ter outra proposta e chegamos a entendimento. Há outras em que não vamos chegar como na prisão perpétua.
Desta vez espera uma reacção mais positiva deste PSD?
Sim. Mas não é por ser o PSD de Luís Montenegro. As propostas também têm um carácter muito mais abrangente, foi feito um trabalho técnico mais aprofundado. Vou dar um exemplo: o recurso de amparo, que é algo que os constitucionalistas têm pedido há muito tempo, e que é o Tribunal Constitucional ter um recurso específico para defender direitos liberdades e garantias. Já foi proposto pelo BE, pelo PS, pelo PSD.
Esperamos agora é que haja abertura para trabalharmos e fecharmos isto. Vamos ver se os partidos vão ter a atitude de trabalhar ou de dizerem: ‘Como vem do Chega, vamos deixá-los outra vez a falarem sozinhos.’ Uma coisa era deixar sozinho o oitavo maior partido do país, outra é ser o terceiro. Não fica bem à democracia.
Mantém no projecto de revisão constitucional a redução do número de deputados?
Sim.
Ainda não falou com Montenegro sobre isto?
Não. Queremos reduzir o número de deputados mas não queremos que haja distritos sem representação. Isto vai obrigar a uma reforma eleitoral, eventualmente mudando o mapa das regiões e um círculo de compensação nacional como existe nos Açores.
O ciclo eleitoral começa no próximo ano com as regionais da Madeira. Miguel Albuquerque coligou-se com o CDS já para as próximas eleições e nunca enjeitou um entendimento do PSD nacional com o Chega. Na Madeira, o Chega pode ir mais longe do que o que existe hoje nos Açores?
Na última sondagem o Chega estava com 11% na Madeira. Isto significa que o PSD perderá a maioria absoluta e que o Chega ocupará um espaço fundamental. O Chega na Madeira é oposição. Se o Chega se tornar uma força relevante e absolutamente incontornável nas próximas eleições regionais, então aí vamos ver se há condições para um quadro de governo. O acordo dos Açores não foi negociado como devia. Já o assumi, não vamos cometer os mesmos erros.
O que seria diferente na Madeira?
O Chega ou tem garantias de que as coisas mudam mesmo ou não fará parte de nada. Qualquer acordo tem de ser com pastas concretas. Temos de ser pragmáticos, não vale a pena esta conversa de que ‘nós nunca entramos’. E se não houver governo? Se não houver temos de arranjar condições para isso. Se vencer o PS, o Chega não governa em caso algum com o PS, pelo menos enquanto eu for presidente do partido.
Em relação ao Orçamento do Estado (OE), há conversas com o PSD sobre propostas convergentes? E com o PS, é possível algum tipo de conversa ou já desistiu?
Com o PS, o primeiro-ministro disse que falava com todos menos connosco. Em relação ao PSD, nós fizemos um plano específico de emergência, com 20 medidas, mais ambicioso do que o do PSD, e uma das nossas prioridades é poder articular com o PSD a possibilidade de apoiarem algumas das nossas medidas no âmbito da educação e uma que era fundamental…
Se o PSD a quiser propor no Parlamento, se acham que é assim que se leva a bicicleta, então que seja, que era não tributarmos o subsídio de Natal este ano, no momento de crise, com a inflação a tocar muito alto e com o preço dos combustíveis. Fizemos um estudo sobre isso que vamos enviar ao PSD e à Iniciativa Liberal.
Fará parte das vossas propostas para o OE?
Sim. Esperamos o apoio também do PSD. O PSD terá outras como a prorrogação dos apoios que também poderão merecer o nosso apoio.
Há uma perda de receita fiscal?
Sim, fizemos as nossas contas. O custo estimado é de 950 milhões de euros. Ainda assim inferior ao que o OE para 2022 prevê arrecadar em 2022 com mais 7,2% – 978 milhões. Acho que os partidos à medida que se tornam maiores não podem apenas receber dinheiro do Estado, têm de ter uma finalidade. O Chega tem feito este caminho de juntar pessoas de qualidade para quando apresentamos as propostas dizermos o valor de cada e a receita que temos.
Já encetaram conversas com o PSD?
Só informais. Não gosto de falar sobre isso. Mas queria deixar claro que já conhecia Luís Montenegro bastante antes de ele ser presidente do PSD e ele já me conhecia antes de ser presidente do Chega.
Também tem a urgência do Presidente da República de o quadro económico ser divulgado antes do OE?
Acho que era importante. Não vai ser um quadro económico fácil. Não podemos continuar a ter estas trapalhadas entre Medina e António Costa Silva sobre IRC.
O que é que o Chega vai propor em relação ao IRC?
O Chega defende sempre a diminuição do IRC mas o que temos dito é que só 20% das empresas é que pagam IRC. Neste quadro de inflação, diria que o IRS é mais prioritário do que o IRC. O que nos difere do PSD é que o PSD quer pôr o IRC em primeiro lugar. O desdobramento dos escalões e uma diminuição da taxa que grande parte da classe média paga.
Relativamente à aplicação de uma taxa aos lucros inesperados das energéticas, é viável?
O Chega está em falha porque ainda não fez essa proposta, mas estamos a trabalhar nela e quero que dê entrada tecnicamente bem feita. Comprometemo-nos com uma solução próxima da alemã. Não com uma nova taxa mas uma forma desse valor acrescentado que as empresas tiveram reverter directamente para a diminuição da factura dos utentes.
Vai ao arrepio do PSD?
Eu compreendo, é fácil dizer ‘não quero mais impostos’. Há uma parte da direita que não gosta do que eu vou dizer: é evidente que tem havido empresas que têm lucros pornográficos com o que está a acontecer.
Em relação à banca, o BE defende taxar os lucros extraordinários da banca. É uma opção?
É a mesma coisa. Esta opção pode funcionar no sentido em que os bancos venham a diminuir as comissões. O que nos opomos é à criação de mais taxas e impostos.
Em relação ao aumento dos salários em linha com a inflação, alinha nessa ideia como o PSD?
O que nós defendemos é que o salário é para aumentar, aí até estamos mais próximos de alguma esquerda, mas o Estado tem que se comprometer com um fundo de apoio – até pode ser de matriz europeia – ao salário mínimo, para garantir que essas empresas têm dinheiro para pagar esse salário.
Qual é a proposta do Chega para as pensões tendo em conta a sustentabilidade da Segurança Social?
O que está em causa é mesmo um embuste do Governo. O Chega defende que devia ser cumprido o que está estabelecido, que é a actualização de 7% ou 8%.
É possível, tendo em conta a sustentabilidade da Segurança Social?
Acho que é possível. É verdade que o impacto na dívida é cada vez maior mas o Governo também teve receitas extraordinárias como nunca teve em matéria fiscal no IRS e no IVA e nos combustíveis. Discordei de Passos Coelho mas foi frontal, disse [que] ‘estamos a fazer um corte’. A partir de 2024 os pensionistas vão perder muito poder de compra.