Relatório: 49% de todas as espécies de aves estão em declínio
Relatório quadrienal sobre o estado das aves do mundo indica que uma em cada oito espécies de aves corre risco de extinção.
Se ontem escrevemos sobre um relatório com boas notícias sobre a biodiversidade (o relatório que foi encomendado pela organização Rewilding Europe e que refere que, juntas, diversas acções de conservação da natureza têm contribuído para uma expansão naquela que é a distribuição geográfica de espécies que estão ou já estiveram numa situação preocupante), hoje centramo-nos num outro trabalho com um tom muito menos animador. Segundo o relatório State of the world’s birds (Estado das aves do mundo), elaborado pela organização de defesa das aves BirdLife International, quase metade das espécies de aves no planeta estão em declínio — e uma em cada oito corre risco de extinção.
Esta é a quinta edição do relatório, que a BirdLife International publica a cada quatro anos. O relatório de 2018 dizia que, um pouco por todo o mundo, 40% de todas as espécies de aves no planeta estavam em declínio. Quatro anos depois, a percentagem passou para os 49%. São, ao todo, 5412 as espécies de aves cujas populações estão a ficar mais magras. A BirdLife International apresenta estes números com base em dados da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla inglesa).
O relatório assinala que só 38% de todas as espécies de aves é que se encontram numa situação “estável”. Mais de 650 (6%) estão, naquilo que diz respeito aos seus números populacionais, a crescer. A situação de 693 (outros 6%) é “desconhecida”.
A BirdLife International frisa que as 5412 espécies que estão neste momento em declínio não são somente “espécies raras e ameaçadas”. Até “espécies comuns e com uma distribuição alargada” estão a sofrer, “em alguns casos”, “declínios acelerados”.
As taxas de declínio podem não ser “suficientemente grandes” para estas espécies comuns serem classificadas como “globalmente ameaçadas”, mas a “redução substancial do número de indivíduos” pode comprometer o funcionamento dos respectivos ecossistemas.
Agricultura e alterações climáticas entre as causas do declínio
O declínio deve-se a várias causas — e as principais incluem a expansão e intensificação da agricultura (que é problemática pois resulta em perda de habitat ao mesmo tempo que envolve a utilização generalizada de pesticidas), a exploração insustentável de madeira, o impacto negativo de espécies invasoras (que, segundo o relatório, foram, ao longo dos últimos 500 anos, parcialmente ou totalmente responsáveis por pelo menos 86 extinções de espécies de aves) e as alterações climáticas.
Estas últimas já são “uma ameaça importante” e, no futuro, constituirão desafios ainda mais volumosos, lê-se no relatório, que explica que, por causa do aquecimento global, há espécies de aves que estão a ter de tentar encontrar habitat em regiões com um clima mais fresco. Quando calha de os respectivos predadores não habitarem essas regiões, as probabilidades de sobrevivência caem a pique.
O relatório também passa pelo impacto negativo dos incêndios florestais, que, ao longo dos últimos anos, têm ficado não só mais intensos, mas também mais frequentes. A BirdLife International lembra os incêndios que devastaram a Austrália em 2019 e 2020, queimando “20% das florestas na região Sudeste” do país. Esses fogos poderão ter afectado “até 180 milhões de aves”, sendo que, diz o relatório, muitas espécies que já estavam ameaçadas ficaram numa situação ainda mais dramática. É ainda possível que espécies que antes estavam longe de perigo estejam agora numa posição delicada.
A BirdLife International dá o exemplo de “15 subespécies endémicas” da ilha australiana de Kangaroo, que, na sequência dos incêndios, terão perdido “mais de 30% das suas populações”. Resultado: agora estão reunidas as infelizes condições para elas serem classificadas como espécies “ameaçadas”.
Aves são “um excelente barómetro da saúde do planeta”
O relatório cita várias fontes e cruza informações recolhidas no âmbito de diversos estudos. “Devido à significância cultural e popularidade duradoura das aves, há um exército de observadores de aves a recolher dados sobre elas”, escrevem os autores do relatório no seu texto introdutório, em que referem que as aves são “excelentes barómetros da saúde do planeta” porque estão espalhadas um pouco por todo o mundo, são relativamente fáceis de estudar e respondem bastante às alterações climáticas.
O facto de quase metade de todas as espécies de aves no planeta estarem neste momento em declínio — sendo que a América do Norte perdeu 2,9 mil milhões de aves desde 1970 e a União Europeia 600 milhões desde 1980 — pinta o retrato de um planeta numa situação de grande debilidade. “Felizmente, sabemos quais as acções que são necessárias para reverter estas perdas e ajudar a natureza a recuperar”, dizem os autores do relatório.
Uma dessas acções consiste em melhorar as condições e a gestão das chamadas áreas importantes para a preservação de aves (IBA, na sigla inglesa), das quais há, neste momento, mais de 13 mil, espalhadas por mais de 200 países.
Outras acções incluem a tomada de medidas para travar o abate ilegal de aves, responder mais eficazmente à proliferação de espécies invasoras e minimizar o impacto negativo de infra-estruturas relacionadas com a produção de energia — a produção de energias renováveis como a solar e a eólica requer um uso de terra significativo, pelo que a perda de habitat surge, neste contexto, como um problema de grandes dimensões.
Algumas aves que neste momento estão numa situação de aperto incluem o gavião-real — ave de rapina que consegue predar macacos e que é uma espécie vulnerável, cujas populações sofreram, segundo o relatório, um declínio de 50% em 60 anos —, o serpentário, ou secretário — ave endémica de África que em 2016 era uma espécie vulnerável e em 2020 passou a ser classificada como uma espécie em perigo, graças a um declínio acelerado —, e o papagaio-de-nuca-amarela — espécie criticamente ameaçada que tem sido muito afectada não só pela desflorestação, como pela caça furtiva.